- Folha de S. Paulo
O 'Orçamento secreto' é mecanismo opaco
para premiar o apoio legislativo para além dos controles institucionais
Rui Barbosa foi a um só tempo espirituoso e
preciso quando chamou o Orçamento federal de rabilongo: as leis orçamentárias
continham adendos sem relação com o Orçamento. O rabo era longo —as chamadas
“caudas” e a Constituição de 1891 só previam o veto total que funcionava como
uma camisa de força, pois o presidente era forçado a acolher os adendos à sua
própria proposta orçamentária. Era pegar ou largar.
Era comum a inclusão na “cauda” de
dispositivos prevendo novas despesas (sem previsão de receita) pela criação de
órgãos ou cargos, e matérias alheias ao assunto, incorporadas na 25ª hora
diretamente no plenário do Congresso.
Paradoxalmente o Orçamento rabilongo não expressava o poder do Executivo, mas sua impotência. O veto parcial introduzido na reforma constitucional de 1926 foi acompanhado de dispositivos para fortalecer o poder presidencial (na área da intervenção federal nos estados etc).
Com o veto parcial, a assimetria funciona a
favor do Executivo, e é reforçada pela prerrogativa de contingenciamento do
Orçamento (que é apenas autorizativo). O Executivo detém o poder negativo de
não gastar o aprovado, o que possibilita a barganha em torno de emendas
individuais. Uma emenda expressa “preferência revelada” do deputado, informação
estratégica para o Executivo.
O poder de contingenciar permaneceu
integralmente com o presidente até a aprovação das EC 86/2015 e 100/2019, pelas
quais as emendas individuais e coletivas passaram a ser impositivas.
O Orçamento impositivo reduz a assimetria
pró-Executivo, mas exacerba problemas de racionalidade fiscal e administrativa.
Onde o Legislativo detém poder sobre o Orçamento, os partidos políticos
facilitam o alinhamento entre interesses individuais dos parlamentares
(local/setorial) e do presidente (nacional), mitigando a chamada tragédia dos
comuns. Ao contrário do parlamentares individuais, partidos fortes e
disciplinados têm horizonte político longo e escopo nacional.
Sob o parlamentarismo, na OCDE, o poder
Executivo é exercido pelo gabinete que não é outra coisa senão uma
supercomissão partidária com funções executivas. Nos EUA, a assimetria
pró-Legislativo é expressa no Orçamento mandatório (reafirmado pelo Impoundment
Act de 1974 após escândalo de contingenciamento no governo Nixon).
O “Orçamento secreto” de Bolsonaro não é
rabilongo: ao contrário, é mecanismo opaco para premiar o apoio legislativo
para além de controles institucionais. Nesse sentido, não tem a ver com a
dinâmica do Orçamento crescentemente
impositivo. Ele reduz a assimetria pró-executivo, mas representa forma
predatória em contexto de hiperfragmentação partidária.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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