Folha de S. Paulo
O tema do crescimento tem implicações para
as duas candidaturas já postas
Aproxima-se rápida e precocemente a
campanha para as
eleições presidenciais. O clima está tenso e tende a piorar. Estamos
caminhando para opções insatisfatórias ano que vem. Mas ainda há tempo para a
construção de uma alternativa superior.
Enquanto isso, segue o desmonte em áreas
estratégicas, promovido pelo atual governo. E começa o campeonato de versões
sobre o passado. Compartilho o temor geral de que estejamos vivendo um golpe em
câmera lenta contra a democracia, à maneira deste século. Ou pior. Essa é a
principal ameaça que o Brasil enfrenta. E olhem que a pandemia ainda
não está sob controle.
Mas vamos hoje falar de crescimento.
Mostrar crescimento sempre tem apelo eleitoral. O tema tem implicações
para as
duas candidaturas já postas. No caso de Bolsonaro, os 5% ou mais projetados
para este ano e o provável impacto do fim da pandemia ano que vem (a despeito
de suas escolhas de política sanitária). No caso de Lula, o seu legado.
Começo com alguns detalhes técnicos. É
preciso distinguir entre recuperação e crescimento. Em ambos os casos há
aumento do nível de atividade. Mas o termo crescimento deveria ser reservado
para aumentos em termos reais e prolongados. Parte do crescimento decorre do
mero aumento da população, o que não leva a um aumento da renda (ou PIB) per
capita, o critério adequado para comparações ao longo do tempo e entre países.
Passemos a um pouco de história. Durante o período do chamado milagre econômico (1950-1980), o PIB brasileiro aumentou cerca de 9 vezes, o que equivale a 7,4% ao ano. Espetacular. Foi um período de urbanização e industrialização. Como no período o crescimento da população foi acelerado, o PIB per capita cresceu bem menos, 4,4% ao ano, um resultado ainda muito impressionante.
O suspiro final do milagre ocorreu em 1980.
Desde então, o Brasil cresceu a um ritmo de 0,6% ao ano per capita. É inegável
que houve avanços em muitos momentos e em muitas áreas, mas, quando se leva em
conta frequentes crises e retrocessos, o resultado geral foi medíocre. Posto de
outra forma, perdemos muitas chances para encurtar a distância que nos separa
dos padrões de vida das economias avançadas.
Essa decomposição das fases da economia
brasileira nos últimos 70 anos é a mais frequente, mas não me parece a melhor
quando se trata de entender as causas dos sucessos e fracassos do período. O
modelo de desenvolvimento do milagre pecou por não enfatizar educação, ignorar
a desigualdade e descuidar da estabilidade macroeconômica. Pecou também pelo
protecionismo e pelo estatismo. Em função disso, merece boa parte da
responsabilidade pelo colapso econômico da "década perdida" dos anos
1980 e início dos 1990. Cabe, portanto, incluir esses anos na conta do milagre.
Feito esse ajuste, o crescimento do PIB per capita do ciclo mais completo cai
para 3%, ainda bem razoável. E o crescimento pós-década perdida sobe para 1,1%.
Melhor, mas ainda modesto.
Olhando para frente, minha aposta é que o
Brasil poderia repetir por um tempo o desempenho do milagre. Como a força de
trabalho cresce bem menos hoje em dia, seriam uns 5% ao ano. Estes 5%
equivaleriam aos 7,4% do milagre. De onde vem esse número? Em parte do
aproveitamento da capacidade ociosa existente, mas sobretudo dos enormes
espaços disponíveis para aumentos de investimento e de produtividade, visíveis
a olho nu. Crescer a uma taxa média de 4% ao longo de uma década não seria
impossível.
Como as consequências dos erros
estratégicos do modelo passado se fazem sentir até nossos dias, o cenário de 4%
de crescimento mencionado acima poderia ser considerado otimista. Por outro
lado, a correção desses e de outros erros mais recentes não deixa de ser um bom
espaço de crescimento a se aproveitar. Me arriscando um pouco, fico com os 4%.
Vamos examinar sob ótica semelhante o
desempenho do PT no poder. Após a boa surpresa do primeiro mandato de Lula,
houve uma desastrada mudança de rota, reforçada no governo Dilma, com
resultados conhecidos. Houve muita badalação do crescimento do PIB de 7,5% em
2010. Deu
até capa da revista The Economist. Ocorre que foi um ano de recuperação,
turbinado pela eleição. Não houve continuidade. Pior: depois veio a conta, na
forma de uma colossal recessão. O conjunto da obra do partido no poder gerou
1,5% de crescimento anual per capita, um resultado inferior ao do resto da
América Latina no mesmo período, um sarrafo baixo. Deixou como herança uma
situação fiscal fragilizada, agravada pela pandemia.
Quanto ao governo atual, há que se tomar
cuidado com o número de crescimento
do PIB projetado para este ano. Trata-se de uma recuperação,
impulsionada pelas políticas expansionistas iniciadas em 2020 e pela alta dos
preços das commodities. Em função do colapso da economia a partir do início da
pandemia, a manutenção do nível de atividade do final do ano passado, ainda
marcado por alto desemprego e subemprego, geraria uma recuperação meramente
estatística de cerca de 4,5%. Os 5% ou mais de crescimento projetados para este
ano fazem vista, mas não espelham a realidade social.
Resumindo, é preciso não confundir: (1)
recuperação com crescimento, e (2) períodos selecionados com os resultados dos
ciclos completos.
Por fim, cabe destacar que o modesto
desempenho das últimas décadas deixará saudades se persistir a destruição
institucional que ora nos assola. O Brasil sempre se viu como um país de
infinitas possibilidades. Está mais do que na hora de entendermos que uma delas
é não dar certo.
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