Folha de S. Paulo
Há perdão para pessoa do seu círculo de
relacionamentos que abraçou o hitlerismo?
Há perdão para os nazistas? A resposta
“não” é a mais frequente e torna-se praticamente obrigatória se você for uma
mulher, alemã, judia e chegou a ficar presa num campo de internamento. Mas e
se, em vez de um nazista abstrato, nos referirmos a uma pessoa do seu círculo
de relacionamentos que abraçou o hitlerismo?
Poucos filósofos pensaram o mal e a
política com a originalidade
e a profundidade de Hannah Arendt.
A expressão “banalidade do mal”, que ela cunhou para expressar a sem-cerimônia
e a irreflexão com que pessoas comuns atuando em regimes totalitários cometiam
as piores ignomínias, entrou para a cultura popular. Ainda assim, Arendt não
escapou à armadilha descrita no parágrafo anterior.
Hannah Arendt perdoou Martin Heidegger, filósofo que ganhou uma cadeira de reitor por bajular Hitler, que manteve a carteirinha do partido até 1945 e que jamais fez uma autocrítica de sua ligação com os nazistas, mesmo tendo morrido só em 1976. Heidegger fora mentor e amante de Arendt, e eles voltaram a ver-se e a escrever-se após a guerra.
Essa é uma daquelas situações que, se já
são difíceis para quem as vive, se tornam um desafio para biógrafos que tentam
explicá-las. Ann Heberlein, autora da nova biografia de Arendt que acaba de
sair no Brasil (“Arendt:
Entre o Amor e o Mal: Uma Biografia”), não se sai mal. Para ela, o amor
venceu a lucidez, marca tão característica da filósofa, e ela acabou criando
para si uma narrativa meio fantasiosa na qual o envolvimento de Heidegger com o
mal se torna muito menor do que de fato foi.
O livro de Heberlein, embora, a meu juízo,
não supere a biografia escrita por Elizabeth Young-Bruhel (“Por Amor ao
Mundo”), é esclarecedor, gostoso de ler e produz alguns bons “insights”,
principalmente quando traz ideias de autores como Koestler, Norbert Elias,
Merleau-Ponty, entre tantos outros, para iluminar passagens da vida da
filósofa.
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