EDITORIAIS
É um acinte pacote de bondades de Aras a
procuradores
O Globo
Num momento em que a elite do funcionalismo
pressiona de modo oportunista por reajustes salariais no ano eleitoral, é um
escândalo inaceitável a revelação, feita ontem pelo jornal O Estado de S.Paulo,
de quanto ganharam os procuradores mais privilegiados do Brasil no final do ano
passado. Em virtude de duas decisões tomadas pelo procurador-geral Augusto
Aras, 720 dos 1.145 integrantes do Ministério Público Federal receberam mais de
R$ 100 mil em dezembro. Dezoito deles, mais de R$ 400 mil. Um embolsou R$ 471
mil, valor superior ao bônus de diretores de grandes empresas como a Petrobras.
Que fizeram os excelentíssimos procuradores para ter direito à regalia? Nada. Apenas receberam de Aras autorização para solicitar licenças-prêmios acumuladas ao longo de anos, antecipação das férias de 2022 e outras regalias. Isso num momento de crise sem precedentes, em que todo o país precisa se esforçar para promover um ajuste fiscal que consiga trazer o Estado para um tamanho compatível com o que a sociedade pode financiar.
O teto dos salários no setor público,
estabelecido pela Constituição, equivale ao que ganha um ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), R$ 39.293,32. Qualquer centavo além disso precisaria
ser justificado com base em despesas realmente efetuadas. O caso demonstra mais
uma vez a urgência de uma reforma administrativa que extinga, entre tantos
outros privilégios, barbaridades como licenças-prêmios ou o direito a
transformar dias não usufruídos em dinheiro (dois artifícios da manobra de Aras
para encher o bolso dos procuradores).
A Procuradoria-Geral da República (PGR)
alega que, em virtude da redução de gastos durante a pandemia, havia caixa para
financiar os R$ 79 milhões do pacote de bondades. É um argumento ridículo. A
existência de folga contábil momentânea nada significa diante da necessidade
imperativa de ajuste estrutural nas contas públicas. Não será possível fazer
tal ajuste sem mexer na remuneração do funcionalismo — e obviamente os salários
mais altos devem ser prioridade.
Tragicamente, as categorias mais bem
remuneradas são as que exercem maior pressão em causa própria. É o que se vê
agora na chantagem de auditores da Receita Federal, advogados da União e outros
detentores dos maiores salários do setor público, mobilizados na ameaça de
greves e operações-padrão depois que o presidente Jair Bolsonaro incluiu no
Orçamento deste ano um jabuti prevendo aumentos apenas para policiais federais.
Ou na movimentação dos militares com cargos no governo para assegurar do
Ministério da Economia uma portaria autorizando o acúmulo de dois salários
equivalentes ao teto constitucional.
Enquanto isso, está paralisada há cinco
anos a tramitação do projeto de lei que regulamenta os supersalários,
disciplinando os abusos que elevam a remuneração de juízes, procuradores,
militares, advogados da União e outras categorias privilegiadas. No caso dos
procuradores, as benesses incluem ajudas de custo, auxílios pré-escolar,
alimentação, natalidade e outras prebendas. O projeto já aprovado no Senado
limita o uso dessas verbas indenizatórias para inflar a remuneração.
Infelizmente a Câmara reduziu o alcance das restrições, e o texto precisa ser
novamente examinado pelos senadores. Terá o Congresso coragem de enfrentar as
corporações do funcionalismo?
Ocupação de favelas é necessária, mas é
preciso evitar repetir erros
O Globo
A comunidade do Jacarezinho, na Zona Norte
do Rio, em maio do ano passado cenário da mais letal operação policial da
História do estado, com 28 mortos, começou a ser ocupada ontem pelas polícias
Militar e Civil, dando início ao projeto Cidade Integrada, do governo
fluminense. É uma nova tentativa de combater a facção criminosa que controla a
área e, ao mesmo tempo, levar serviços essenciais aos moradores.
O programa é uma reformulação das Unidades
de Polícia Pacificadora (UPPs), implantadas com estardalhaço em 2008, depois
abandonadas em meio a equívocos das políticas de segurança. Diferentemente da
truculenta operação de maio, desta vez a ocupação ocorreu sem sobressaltos,
como deve ser. Paralelamente, policiais começaram a ocupar também as
comunidades da Tijuquinha, do Morro do Banco e da Muzema, na Zona Oeste,
dominadas por quadrilhas de milicianos.
De acordo com o governo, o objetivo é
patrulhar ruas, cumprir mandados de prisão, apreender produtos roubados,
investigar as organizações criminosas e preparar as regiões para receber
intervenções urbanísticas e ações sociais. “Neste primeiro momento, a ideia é
que possamos fazer uma retomada do território”, afirmou o porta-voz da PM,
major Ivan Blaz.
Qualquer tentativa de retomar espaços
usurpados por quadrilhas de traficantes e milicianos que controlam amplas
extensões territoriais do Rio é sempre bem-vinda. Governos não podem se omitir
diante do descalabro que é o Estado paralelo imposto por organizações
criminosas nessas comunidades, onde imperam leis perversas, e não a
Constituição. Essas operações precisam ser baseadas em planejamento,
inteligência e tecnologia, e não na força bruta, como ocorreu em maio.
É também preciso cuidado para não repetir
erros do passado. O programa das UPPs tinha muitos méritos. Era auspiciosa a
ideia do “policiamento de proximidade”, em que a polícia interage de forma
pacífica com moradores, conjugado à presença maior do Estado nas comunidades.
Não se deve negar que as UPPs legaram ao Rio uma queda significativa nos
índices de violência. Infelizmente, o uso político de um programa que deveria
ser de Estado, e não de governos, pôs a perder uma das mais interessantes
experiências do Rio na área de segurança. Ampliou-se o projeto sem que houvesse
estrutura para sustentá-lo. O desfecho é conhecido. O Complexo do Alemão,
símbolo da ocupação, rapidamente se transformou em ícone do fracasso.
Não há dúvida de que o Rio precisa combater
de forma sistemática as quadrilhas de traficantes e milicianos que subjugam a
população e desafiam o Estado Democrático de Direito. Deve fazê-lo usando a
inteligência, e não a truculência, que nunca resolveu a criminalidade. É
fundamental, porém, evitar a armadilha de usar esses programas para propaganda,
especialmente em ano de eleições. O Alemão, ocupado numa operação midiática,
depois reconquistado pelo tráfico, está aí para provar.
A única meta bolsonarista
O Estado de S. Paulo.
Ao vetar as metas para a redução da
pobreza, Bolsonaro revela que prioridade em relação aos pobres não é retirá-los
da pobreza, mas amealhar seus votos
Contrariando os especialistas em contas
públicas, o governo alardeou a tese de que a ordem jurídica e a fiscal vigentes
eram incompatíveis com a redução da pobreza. Para aumentar em mais de R$ 100
bilhões os gastos em 2022, foi aprovada uma emenda constitucional autorizando o
descumprimento de sentenças judiciais (o calote nos precatórios) e a
determinação do limite anual de gastos não com base na inflação apurada no ano
corrente, mas estimada para o ano seguinte (o “orçamento-ficção”).
Assim foi possível robustecer o Bolsa
Família, rebatizado de Auxílio Brasil. Como paga por seus esforços, governo e
congressistas destinaram imensas parcelas dos novos recursos a mais emendas
parlamentares, Fundos Partidário e Eleitoral e benefícios corporativos. As
metas determinadas pela Justiça e pelo teto de gastos constitucional foram
abaladas, hipotecando a credibilidade do País e suas perspectivas de
crescimento, mas ao menos seria possível cumprir uma meta mais urgente: a
redução da pobreza.
A redução foi determinada pelo Congresso na
lei que instituiu o Auxílio Brasil. Em três anos, as taxas de pobreza e extrema
pobreza deveriam ser respectivamente reduzidas a 10% e 3%.
O presidente Jair Bolsonaro, contudo, vetou
essas disposições, por, segundo ele, contrariarem “o interesse público” ao
impor compromissos ao governo sem estimar seu impacto no Orçamento e as medidas
para compensá-lo.
O contrassenso salta aos olhos. A função
das metas é precisamente obrigar o Executivo a equacionar receitas e despesas,
sacrificando, se necessário, objetivos não prioritários para satisfazer um
imperativo, no caso, a prioridade consensual e constitucional da redução da
pobreza.
As metas foram inspiradas pelo Projeto de
Lei de Responsabilidade Social, o mais robusto esforço de compatibilizar a
inclusão social com o equilíbrio fiscal. Apresentado em 2020 pelo senador Tasso
Jereissati, o projeto prevê diversos mecanismos no caso de descumprimento das
metas, como a redução de gastos tributários, o acionamento de gatilhos do teto
de gastos ou a suspensão de descontos no Imposto de Renda.
No texto da Lei do Auxílio Brasil não há
previsão de aumento de gastos nem de punição aos gestores e nem sequer dos
mecanismos compensatórios. Há somente uma previsão genérica atribuindo ao
próprio Executivo a discricionariedade de determinar as medidas que julgar
cabíveis para cumprir as metas, e, caso não sejam, justificar os motivos e
estabelecer providências para reajustar a rota. Mas um planejamento como esse
implicaria compromisso demais com uma prioridade que, indisfarçavelmente, não é
a de Jair Bolsonaro.
“Realmente não dá para entender, porque não
há nenhuma lógica, nenhuma coerência nesse veto”, disse Jereissati. “A única
consistência que pode haver é que não é um programa de ataque à pobreza. É um
programa de curto prazo, eleitoreiro.”
A manobra escancara a maneira demagógica
com que a pobreza é tratada no Brasil. Já em 2015, o Congresso aprovou um plano
de metas de redução da pobreza, mas foi vetado pela gestão lulopetista de Dilma
Rousseff. Entra governo, sai governo e, quanto mais se multiplicam os
salvadores do povo, mais o povo é negligenciado.
Metas trazem para o mundo real da ação
aquilo que está só na esfera ideal das palavras. Obrigam os gestores da
República a implementar os meios para concretizar seus fins últimos, inscritos
na Constituição. Por isso foram estabelecidas metas para a inflação, juros,
gastos, alfabetização, desmatamento e outras prioridades.
As metas para a pobreza estabelecidas pelo
Legislativo fixam um parâmetro objetivo para que o Executivo discuta, formule e
execute a sua solução à equação entre gastos sociais, para garantir as
necessidades básicas de todos os pobres, e investimentos e reformas, para
garantir o crescimento econômico e, consequentemente, o mecanismo mais eficaz para
libertar os pobres da pobreza: o emprego.
Mas, com seu veto, Bolsonaro revela que sua
única meta em relação aos pobres é amealhar seus votos. Resta ao Congresso
derrubá-lo.
O festim dos partidos com dinheiro público
O Estado de S. Paulo.
Os partidos políticos se esbaldam com os
recursos do Fundo Partidário porque o TSE é lento para julgar as contas e
aplicar a lei em caso de irregularidade
O Fundo Partidário, que anualmente irriga
as contas dos partidos políticos com milhões de reais dos contribuintes, nem
sequer deveria existir. Os partidos – como temos defendido há um bom tempo
nesta página – são organizações privadas e, como tais, devem ser financiados
exclusivamente pelas contribuições voluntárias de seus filiados e
simpatizantes.
Argumenta-se que “a democracia tem um
custo” como tática para induzir o contribuinte a pensar que, sem o aporte anual
do Tesouro para os partidos, sem falar no bilionário Fundo Eleitoral, pago a
cada dois anos, a democracia soçobraria. Trata-se de uma falácia. A existência
desses canais ilegítimos de custeio de atividades partidárias e campanhas
eleitorais, ao contrário, só enfraquece a democracia representativa. Os fundos
públicos (ou, em linguagem mais direta, o dinheiro fácil) acomodam as
lideranças partidárias que deveriam levar as legendas a se aproximarem cada vez
mais dos eleitores que dizem representar, convencendo-os do valor social da
agremiação a fim de angariar doações.
Dito isso, uma vez que o Fundo Partidário
aí está e nada indica que será extinto no futuro próximo, o mínimo que se
espera é que os vultosos recursos públicos que o abastecem não sejam utilizados
de forma antirrepublicana, quando não flagrantemente ilegal, por próceres das
legendas.
No entanto, o País está longe desse patamar
de decência e moralidade pública. Um levantamento feito pela iniciativa Freio
na Reforma, que congrega entidades da sociedade civil contrárias a projetos de
reforma política em tramitação no Congresso com o objetivo de afrouxar o
controle dos gastos dos partidos, revelou que 10%, em média, dos recursos do
Fundo Partidário destinados às legendas em 2015 foram usados de forma
irregular. Dos R$ 811 milhões distribuídos aos partidos naquele ano, R$ 77
milhões foram gastos de forma irregular, segundo o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). O TSE reprovou as contas de nada menos do que 20 partidos políticos. As
contas de outras 13 legendas foram aprovadas com ressalvas.
Os campeões de mau uso do Fundo Partidário,
como custeio de festas, reformas de imóveis de dirigentes partidários, compra
de automóveis e aeronaves, entre outras barbaridades, são o PCB (52,2% do fundo
com irregularidades identificadas), o PROS (48,39%), o PMB (46,62%), o PSOL
(40,79%) e o PEN (Patriota, desde 2018, com 33,10%).
É forçoso dizer que os partidos políticos
só se esbaldam com o dinheiro dos contribuintes porque sabem que o TSE é lento
para julgar suas prestações de contas, que, na prática, não passam de um ato
meramente formal, mero cumprimento de um rito burocrático sem consequências
mais gravosas. Os chefões das legendas arrogaram-se donatários de um quinhão
cada vez maior do Orçamento da União e dele dispõem sem maior parcimônia porque
não se sentem compelidos para cumprir a lei e limitar o uso do Fundo Partidário
à finalidade a que se destina: custear despesas estritamente ligadas à
atividade partidária. Os caciques contam com a lentidão da Justiça Eleitoral
para julgar as contas partidárias e com a demora na aplicação de sanções
decorrentes do mau uso dos recursos.
Em caso de irregularidade confirmada pelo
TSE, o partido político é obrigado a devolver o dinheiro despendido indevidamente,
uma quantia que, por incrível que pareça, volta para o próprio Fundo
Partidário. Já punições individuais, ainda mais raras, ocorrem apenas nos casos
em que restar comprovada a ação dolosa que configure enriquecimento ilícito do
candidato ou mandatário ou dano ao patrimônio do partido. A impunidade, nesse
caso, é praticamente assegurada pelo longo tempo transcorrido entre a
descoberta da ilegalidade e a conclusão da ação eventualmente proposta pelo
Ministério Público Eleitoral. Um convite à prescrição.
O festim dos partidos políticos com o dinheiro do Fundo Partidário – até serviços de prostitutas já foram bancados com esses recursos – só terá fim quando o TSE resolver agilizar o julgamento das contas partidárias e aplicar rigorosamente a lei nos casos em que houver ilegalidades. Se acontecer, já será um bom começo, até o fim definitivo da excrescência.
Na ponta do lápis
Folha de S. Paulo
Ajuda a estados, se inevitável, deve se
pautar por técnica; judicializar é risco
Estão longe de serem animadores os
resultados do regime de recuperação financeira dos estados, instituído em 2017.
Na época, apenas o Rio de Janeiro aderiu à iniciativa, que acabou reformulada
no ano passado. Agora, o mesmo Rio se tornou objeto de um impasse na nova
versão do programa.
Na avaliação da área técnica do Ministério
da Economia, o plano do governo fluminense para o ajuste de suas contas —uma
exigência para o generoso socorro federal— está baseado em "premissas
técnicas frágeis". Em bom português, não se notou no documento real
intenção de equilibrar receitas e despesas num futuro próximo.
Bastaria dizer que o governador Cláudio
Castro (PL) pretende continuar elevando os gastos com servidores, a rubrica
mais onerosa dos orçamentos estaduais. Só neste ano a folha de pessoal
cresceria 17,1%; em 2023, mais 8,9%; a partir daí, correção inflacionária.
Mas não é só. Prevê-se aumento contínuo de
investimentos —que magicamente levariam a uma alta da arrecadação de impostos—
e deixa-se a parcela fundamental do ajuste para um longínquo 2030, ano
derradeiro do plano.
Ante a perspectiva de pareceres técnicos
contrários que inviabilizam a adesão ao regime, o
governador politiza e sua administração ameaça judicializar a questão. Trata-se
de um grande risco.
O federalismo brasileiro tem longa tradição
de paternalismo no tratamento de estados e municípios. As demandas de entes
subnacionais em dificuldades em geral contam com a boa vontade do Congresso e
do Supremo Tribunal Federal, sempre às custas dos contribuintes do restante do
país.
O resultado é um incentivo a gestões
perdulárias e composições políticas em benefício das corporações do setor
público, enquanto se mantêm pressões constantes por novos programas para o
refinanciamento de dívidas com a União.
Na avaliação que o Tesouro faz da
capacidade de pagamento dos estados, o Rio amarga a nota mais baixa, D, ao lado
de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A dívida fluminense, equivalente a 324% da
receita anual conforme boletim de 2021, supera com folga as demais.
Pela medição mais recente, saltou de 10
para 20 o número de administrações com notas A e B, tidas como satisfatórias. O
dado mostra que não se devem encarar com fatalismo as mazelas orçamentárias dos
entes federativos: melhoras são factíveis, e governos responsáveis podem fazer
a diferença.
Na maior parte dos casos, a agenda
reformista passa pela revisão de despesas administrativas e por privatizações,
de modo que os estados possam priorizar seu papel fundamental de prover
educação, saúde e segurança pública.
A pândega do premiê
Folha de S. Paulo
Descoberta de festas na pandemia alonga
crise de governabilidade do Reino Unido
As últimas semanas têm sido atribuladas no
Reino Unido. Enquanto enfrenta uma nova e avassaladora onda de Covid-19, o país
acompanha, em suspense, o desenrolar de outra crise —intimamente ligada à
pandemia, mas de repercussão política— que sacode o governo e ameaça o cargo do
primeiro-ministro, Boris Johnson.
O motivo é a revelação
de uma série de festas realizadas no interior da residência oficial do
premiê durante as restrições provocadas pela emergência sanitária. A mais
rumorosa delas ocorreu em maio de 2020 e contou com a presença do próprio
Johnson.
Estima-se que o número 10 da Downing Street
tenha abrigado algo como uma dezena de encontros durante a pandemia —um deles
na véspera do funeral do príncipe Philip, ex-marido da rainha Elizabeth 2º, que
permaneceu solitária durante as exéquias devido às regras de distanciamento.
Embora a pândega tenha ocorrido em
diferentes momentos, em maio de 2020 o país vivia, talvez, seu pior momento na
crise sanitária, com centenas de mortos por dia e um severo lockdown. Quase
todo o comércio estava fechado e os encontros eram limitados a duas pessoas, em
locais abertos e a dois metros de distância.
Com o escândalo ganhando proporções cada
vez maiores, o premiê viu-se obrigado a dar explicações ao Parlamento.
Desculpou-se por ter participado da festa de maio, mas alegou que imaginava
tratar-se de um encontro de trabalho.
Não bastasse a justificativa inverossímil,
soube-se depois que um auxiliar de Johnson pedira aos convidados que levassem
bebidas ao evento —fazendo com que o primeiro-ministro passasse também a ser
acusado de mentir a seus pares.
A situação do premiê é sem dúvida
periclitante. Membros do próprio Partido Conservador já defendem sua saída do
cargo e uma investigação interna foi aberta.
Mas mesmo que o resultado lhe seja
favorável, Johnson dificilmente se livrará do enorme peso simbólico de ter
violado a quarentena num momento sombrio da pandemia, transmitindo ao público a
sensação, terrível para a credibilidade de um líder, de que alguns estão imunes
às regras que deveriam valer para todos.
Pode não ser o fim da linha para ele, mas as esperanças de que sua acachapante vitória eleitoral em 2019 representaria o fim da crise de governabilidade nascida no referendo do brexit caíram por terra.
Agressão à Amazônia segue em ritmo
preocupante
Valor Econômico
Os atos negacionistas de Bolsonaro não são
apenas ideologia: trazem bons lucros diretos
O presidente Jair Bolsonaro voltou sua mira
destruidora para as cavernas. Em um absurdo decreto, de 13 de janeiro,
determinou que mesmo as classificadas de relevância máxima possam sumir para
dar lugar a empreendimentos de “utilidade pública”. O ministro do Meio
Ambiente, Joaquim Leite, o do “ambientalismo de resultados”, apoiou o decreto
do chefe, que “cria possibilidades de investimentos em projetos estruturantes
fundamentais geradores de emprego e renda, como rodovias, ferrovias, mineração,
linhas de transmissão e energia renováveis”. A maré da devastação ambiental
sobe em todo o país, mesmo após a saída de Ricardo Salles.
Bolsonaro tem muitos seguidores nesta
tarefa. No final de 2021 e início do ano, governadores e Assembleias
Legislativas seguiram os intentos do presidente. O governador de Rondônia,
Marcos Rocha (PSL), sancionou lei que proíbe a destruição de equipamentos
usados em atividades ilegais nas fiscalizações ambientais. Os deputados
estaduais do Mato Grosso, Estado no qual o apoio a Bolsonaro é significativo,
foram mais longe. Aprovaram projeto que permite que as áreas de reserva
ambiental possam ser exploradas - ou simplesmente, varridas do mapa. Sancionada
pelo governador Mauro Mendes (DEM), a lei prevê até mesmo a supressão da
reserva em casos de “interesse social”, “utilidade pública”, exploração mineral
etc - na mesma linha do decreto para a destruição das cavernas.
Há sinais de incentivos à grilagem de
terras no Pará, o campeão do desmatamento no país e onde ocorre 40% da
devastação na Amazônia. Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia (Imazon), o decreto 1.684, de junho, reduziu o valor pago para a
regularização de terras públicas. A preços de mercado, elas valem R$ 3.684 o
hectare. Antes do decreto, o governo pagaria R$ 137 e, depois dele, R$ 44 o
hectare, uma pechincha para os grileiros que destroem a floresta (O Globo, 6 de
janeiro). O governo abriria mão, se tudo for “regularizado”, de R$ 6,7 bilhões.
O governo federal deu sinal verde para que
garimpeiros e mineradores façam o que quiser, ao retirar recursos e pessoal dos
órgãos reguladores e desaprovar a fiscalização, quando não submetê-la à
desmoralização pública, como fez o presidente na segunda-feira. “Paramos de ter
grandes problemas com a questão ambiental, especialmente no tocante à multa”,
disse Bolsonaro. Ele talvez seja o primeiro presidente a achar que a multa não
é um problema de quem a recebeu e transgrediu a lei, mas do Estado que a
aplica. Essa execrável visão de mundo, no entanto, reverbera nos Estados em que
a devastação aumentou e onde o poder de empresários retrógrados e bandos
fora-da-lei têm considerável influência nos Legislativos e no Judiciário.
A peripécia da maior apreensão de madeira
ilegal feita no país - 141 mil m3 -, na Operação Handroanthus GLO, em 22 de
dezembro de 2020, é exemplo de como é difícil aplicar a lei em ambientes onde
outros poderes falam mais alto - e o estímulo do Planalto importa. O
superintendente da Polícia Federal do Amazonas, Alexandre Saraiva, foi
exonerado após apresentar notícia crime contra o então ministro Ricardo Salles
que se colocou ao lado dos madeireiros. Salles é objeto de inquérito do Supremo
Tribunal Federal por advocacia administrativa, organização criminosa e
obstrução da fiscalização.
A Justiça do Amazonas e do Pará começaram a
liberar a carga apreendida por meio de liminares, o que levou a Polícia Federal
a pedir em maio que os inquéritos saíssem da Justiça Federal para o STF, porque
haveria “agentes políticos” agindo em favor dos investigados (G1, 15-6). O
temor era motivado. Em dezembro, o desembargador Ney Bello, do TRF-1, concedeu
liminar para liberar parte da madeira apreendida da MDP Madeiras. Eis que
surge, todo pimpão, como autor do pedido, Frederick Wassef, advogado de
Bolsonaro, o mesmo que escondeu Fabrício Queiroz quando ele fugia de
depoimentos no caso das “rachadinhas”, que envolvem Flávio Bolsonaro.
O argumento aceito para a medida judicial tem lógica, mas formal apenas. Ela determina a imediata restituição apenas da madeira “legalmente extraída”, quando todas as árvores da Amazônia sabem que ela é usada para “esquentar” a maioria das cargas, ilegais. Os atos negacionistas de Bolsonaro não são apenas ideologia: trazem bons lucros diretos, ou por intermediação, de quem sabe interpretar as invectivas de Bolsonaro.
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