quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Claudia Antunes*: Será Boric um novo Obama?


O Globo

O fascínio provocado por Gabriel Boric, o presidente eleito do Chile, evoca o impacto do frescor de Barack Obama na primeira campanha à Presidência, em 2008. Ambos passaram de movimentos sociais ao Legislativo, mas sem ter adquirido, no momento em que concorreram, ares de raposa política. Obama emergiu no pós-Guerra Fria; Boric, na democracia, questionando as certezas da velha esquerda. Sua conta no Twitter é encimada por uma citação de Albert Camus: “A dúvida deve seguir a convicção como uma sombra”.

O americano disputou as primárias democratas com uma mobilização em que recebeu milhares de pequenas doações. Boric venceu as primárias do seu campo, derrotando o pré-candidato comunista, depois do movimento maciço que pôs em xeque o modelo socioeconômico chileno. Apoiou os protestos, mas teve embates com ativistas que recusavam o diálogo com os políticos.

A despeito do slogan de campanha — “Sim, nós podemos” —, Obama pôde pouco. No discurso de posse, convocou à unidade, sem levar em conta que a oposição republicana já estava tomada por uma vertente reacionária que negava qualquer conciliação e viria a assombrar o governo do primeiro presidente negro dos Estados Unidos.

Tendo assumido depois da crise financeira gerada por mercados desregulados, Obama trouxe para si os economistas que acompanhavam os democratas desde Bill Clinton. À base de estímulos, a economia cresceu, mas a desigualdade ficou intacta. Seu projeto para ampliar o acesso à saúde ficou longe de um sistema universal. Na política externa, dizia que “os Estados Unidos devem liderar pelo exemplo”, mas manteve a essência da “guerra ao terror” de George W. Bush. Para lhe fazer justiça, já no segundo mandato, quando os republicanos haviam reconquistado o controle do Congresso, bloqueando qualquer avanço interno, restabeleceu relações com Cuba e negociou o acordo nuclear com o Irã.

De seu lado, Boric também atrai interesse por ter buscado alianças na centro-esquerda e incluído novas ênfases em sua campanha do segundo turno, quando enfrentou José Antonio Kast, admirador de Pinochet. Uma das questões a que deu mais atenção foi a segurança pública. “Os revolucionários se provam quando são capazes de gerar ordem. Uma nova ordem, nova porém ordem, que dê certezas e inclua também a maior parte dos que estavam contra eles”, postou o chileno recentemente, reproduzindo texto do espanhol Íñigo Errejón, deputado do Mais País.

Boric, que assume em março, busca acalmar as expectativas que o cercam, refletidas nos milhares de chilenos que vão todos os dias ao escritório de sua equipe de transição levar presentes, fazer pedidos e contar suas histórias. Em sua primeira entrevista depois de eleito, ele disse: “Tenho uma responsabilidade que assumo com orgulho e humildade, mas convido a não idealizar pessoas (...). Todo líder que se torna imprescindível termina sendo um mau líder”.

O chileno sabe, porém, que sua eleição está ligada às demandas das ruas. Ele se compromete com o equilíbrio fiscal, mas ressalta que tem de entregar reformas sociais. Nessa equação, o Estado chileno, com uma das menores cargas tributárias da América Latina (20,7%), precisa arrecadar mais. “Convido-os a que esse processo seja visto não como uma disputa entre os que têm mais e os que têm menos, mas que os que têm mais hoje entendam que a maneira de garantir o crescimento é por meio de uma maior coesão social e, para isso, é preciso distribuir melhor”, afirmou na entrevista.

Na semana passada, Boric foi ao encontro anual dos grandes empresários chilenos, que em boa parte apoiaram Kast. Depois de abrir sua fala com uma citação do poeta Enrique Lihn sobre o cemitério de Punta Arenas, onde “nem a morte pôde igualar os homens”, de novo reiterou seu compromisso com a gradualidade. Foi aplaudido.

Obama se reelegeu, mas não ensejou um movimento em defesa do próprio legado e, em meio a embates entre os democratas, Donald Trump lhe sucedeu — é verdade que sem ganhar no voto popular, como já acontecera com Bush em 2002. Uma vez que, no Chile, não há reeleição consecutiva, a tarefa de Boric se quiser marcar época será tão ou mais complexa.

*Editora de Mundo do GLOBO

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