Folha de S. Paulo
Mesmo sem Bolsonaro o extremismo
antidemocrático continuará atuante
É possível derrotar Bolsonaro nas urnas e
virar esta página infame da história brasileira. Mais: é provável que isso
venha a acontecer em outubro que vem, embora o caminho até lá seja tudo menos
tranquilo, mesmo para quem, como o desafiante Lula, desfruta de folgada
dianteira nas pesquisas.
Afirmar que a derrota espreita o ex-capitão
não significa ignorar que ele fará o que puder "dentro das quatro linhas
constitucionais", se bastar, e além delas, se necessário, para tumultuar o
processo eleitoral e desqualificar os resultados caso lhe sejam adversos a fim
de continuar no Planalto a qualquer preço, tratorando as instituições
democráticas.
Além disso, mesmo que o império das leis e a força dos fatos o obriguem a passar a faixa ao sucessor, continuará existindo espaço político para a extrema direita, sob sua liderança ou de outro político do gênero.
Tem razão o professor Oliver Stuenkel
(FGV-SP) ao ressaltar, em artigo na edição eletrônica da revista Piauí de 11 de
janeiro, que o fortalecimento político de Donald Trump, nesses 12 meses desde a
malograda invasão do Capitólio, ensina que a derrota eleitoral não zera o jogo
e que a aposta continuada na radicalização pode recompensar quem aspira a
conduzir forças extremistas.
Na verdade, por circunstanciais que possam
ter sido seus resultados, as eleições brasileiras de 2018 produziram uma
liderança nacional para as falanges do ódio, da violência, da ignorância
prepotente e do irremissível atraso existentes no país. Até então, tinham
expressão política dispersa em organizações e indivíduos militando nas redes
sociais, nos meios de comunicação, nas eleições legislativas, nutrindo assim as
reservas do baixo clero, desde as câmaras municipais ao Congresso.
A prolongada crise política da década
passada tirou o PT da Presidência, mas também destruiu a capacidade do PSDB de
aglutinar, para fins da disputa presidencial --e só para ela--, os partidos
perfilados do centro à extrema direita do espectro político.
Ativistas e eleitores sem compromisso com
regras e valores democráticos, antes participantes indistinguíveis da grande
fronda antipetista, adquiriram visibilidade e expressão nacional própria.
É difícil imaginar que uma possível derrota
eleitoral de seu mais autêntico representante torne a colocar a escolha do
titular do governo nos trilhos da competição relativamente civilizada entre
candidatos dos dois lados do centro.
Com ou sem Jair Bolsonaro, o extremismo
antidemocrático, embora minoritário, continuará a ser uma presença visível,
atuante e ameaçadora no país.
O passado se foi de vez.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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