Valor Econômico
Dilma rompeu com dois dos três acordos que
FHC e Lula seguiram
Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), os dois primeiros presidentes da era pós-estabilização da
economia, governaram o país durante 16 anos, amparados por uma espécie de três
consenso: social, econômica e política. Respectivamente, o primeiro consenso,
consagrado na Constituição de 1988, diz respeito à necessidade de o país,
depois de um longo regime de exceção, dar prioridade ao chamado resgate da
dívida social; o segundo, rever o modelo econômico predominante desde meados da
década de 1970; e o terceiro, dadas as desigualdades sociais, econômicas e
culturais que caracterizam o país desde sempre, governar por meio de alianças
que assegurem sua estabilidade política, historicamente, ameaçada por
movimentos antidemocráticos.
Deu-se ainda no governo Sarney (1985-1990),
após três tentativas fracassadas de estabilização econômica (os planos Cruzado,
em 1986, Bresser, 1987, e Verão, em 1989), a criação do novo consenso
econômico. O modelo econômico vigente no país desde a ditadura militar
precisava mudar. O modelo anterior, de substituição de importações, baseava-se
numa economia fechada e fortemente dependente da atuação do Estado. Este não
era apenas regulador das atividades econômicas, mas também o principal
empresário.
Com a crise da dívida, em 1982, o Brasil
quebrou e, por isso, não foi mais possível sustentar o Estado-empresário. O que
se viu nos anos seguintes foi o sucateamento contínuo das estatais e da
infraestrutura. Isso ocorreu não por razões ideológicas, mas por escassez de
recursos públicos para investimento. O modelo anterior faliu. Uma das razões do
fracasso dos planos de estabilização era o fato de a economia ainda viver sob a
égide do modelo fracassado.
Com os preços internos congelados, o forte aumento da renda real provocado pela queda súbita da inflação durante o Plano Cruzado estimulou o consumo. A oferta, por sua vez, não conseguiu atender à explosão da demanda. Como a economia era fechada, não havia produto importado para ampliar a oferta, concorrer com o nacional e segurar os preços. Além disso, as dívidas interna e externa herdadas da ditadura forjaram situação fiscal insustentável, cujo enfrentamento dependia, ironicamente, da inflação nas alturas, fenômeno que corroía o valor das despesas públicas Ainda no governo Sarney, iniciou-se movimento de saída daquele modelo. A gênese do programa de privatizações surgiu ali, bem como o desmonte do Estado-empresário.
O governo Collor (1990-1992) teve o mérito
não de criar a agenda da qual o país não tinha mais como fugir, mas de
escancará-la. Privatizações, fechamento de estatais ineficientes, abertura da
economia, fim do tabelamento de preços, controle de gastos e busca do
equilíbrio fiscal, abertura da conta de capitais: estas foram medidas tomadas
para não só mudar o modelo econômico que fracassou, mas também para eliminar
fontes da hiperinflação que assolava o país havia quase duas décadas.
Juntamente às primeiras críticas a
inconsistências fiscais trazidas pela Constituição de 88 (ver tabela), esses
pontos compunham o novo consenso, aquele que criou as condições para, em 1994,
o governo Itamar Franco (1992-1994) lançar o bem-sucedido Plano Real.
O que se vê em perspectiva é que o novo
consenso foi uma resposta à falta de sustentabilidade do modelo anterior. O
mundo se transformara nos anos 80 após o advento da segunda crise do petróleo.
Com os subsequentes ventos liberalizantes soprados nos Estados Unidos e na
Europa, o Brasil não tinha mais como ficar ilhado. É importante lembrar que, na
segunda metade da década de 1980, o país quebrou e ficou à margem do sistema
financeiro internacional.
O governo Fernando Henrique (1995-1998 e
1999-2002) foi o que mais deu consequência ao novo consenso. Mudou a Carta
Magna de 88 para quebrar monopólios estatais, vendeu várias estatais, promoveu
a primeira reforma da previdência social, saneou os bancos federais, aprovou a
Lei de Responsabilidade Fiscal, deu autonomia operacional ao Banco Central
(BC), apostou na estabilidade da economia.
Eleito em 2002 sob forte desconfiança dos
mercados, o governo Lula (2003-2006 e 2007-2010) redobrou a aposta de FHC na
estabilidade. O sucesso da estratégia foi absoluto, a ponto de catapultar Lula
à condição de líder popular. O então presidente fez também a reforma da
previdência do setor público. A inflação foi domada, o país quitou a dívida com
o FMI, fortaleceu as contas externas e obteve, em 2008, o grau de investimento
das agências de risco, um marco na superação da crise da dívida. Avançou-se
pouco, porém, nas reformas institucionais e na retirada de entraves necessária
ao aumento da produtividade.
Já a presidente Dilma Rousseff (PT), eleita
apenas porque Lula, do alto de popularidade em 2010 em torno de 80%, a escolheu
para sucedê-lo, rompeu dois dos três consensos. Na política, desprezou o
presidencialismo de coalizão e, na economia, o arcabouço macroeconômico que
prevaleceu nas duas décadas anteriores à sua chegada ao poder. As consequências
vieram "depois": Dilma reacendeu a polarização, acordando extrema
direita, que talvez nunca tivesse sonhado chegar ao poder no Brasil por meio de
eleição. (NR: a saga continua na próxima coluna)
*Cristiano Romero é diretor-adjunto de redação
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