quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Vinicius Torres Freira: PT contra Alckmin e mudanças reais

Folha de S. Paulo

Partido tem seus motivos políticos, mas dá sinal também de que não quer mudar

Petistas eram de Marte, e tucanos eram de Vênus. Parecia distância astronômica das maiores quando se dava de barato que a democracia não iria para o vinagre.

Depois de 2013, o caldo azedou até o ponto de se descobrir que, na lonjura dos infernos de Plutão, mora a extrema direita.

Inventar coalizões que tentem preservar a democracia a partir de 2023 é o mínimo que se espera dos candidatos do universo da razão e da decência elementares.

Um caso pode ser o da aliança do PT com Geraldo Alckmin e partidos e quadros que o ex-tucano possa atrais para a órbita de Lula da Silva. Mas, como é cada vez mais gritante, Alckmin desce quadrado, se desce, para muito petista e boa parte da esquerda.

Primeiro trata-se de uma disputa de poder: o PT não quer que gente de fora vá bicar um governo que, imagina, vai receber de bandeja em outubro; não seria preciso dar lugar para a direita (fora o centrão que receberá cargos caso Lula vença). Mesmo que a maioria dos petistas vá parar de tossir e mugir quando Lula bater o martelo, a ideia é vender caro a insatisfação.

Segundo, trata-se mesmo de diferença política, ideológica e de velhos acertos de contas, pois PT e PSDB paulista foram adversários de quase morte.

Terceiro, é um indício de que muito petista e companheiro de viagem acha que "os bons tempos vão voltar" ou que Lula 3 pode ir além das concessões que teria havido durante Lula 1 e 2.

Este jornalista já ouviu petista "histórico" fazendo comparação anacrônica de Lula com os Getúlio Vargas de 1930-45 e o do governo "nacional e popular" (diz a lenda) de 1951-54. Quase nenhum eleitor terá ideia do que se trata, mas não caiu bem.

Essa e outras conversas sugerem que o grosso do PT não tem lá muita preocupação com os problemas que a "direita" quer resolver com suas "reformas". No entanto, esses problemas emperram o país faz mais de 40 anos.

Pouco se ouve, ou ouve-se com tédio ou arrepios, a respeito do que Lula 3 faria dos problemas de eficiência econômica, sem o que não haverá crescimento e talvez nem democracia.

É preciso dizer o que vai ser feito de aumento da concorrência, da qualidade da alocação do capital (da escolha dos investimentos produtivos pela iniciativa privada). Para tanto, é preciso pensar o que fazer de abertura comercial, de reforma tributária, de subsídios e favores, de facilidades de investimento: de ter uma economia de mercado funcional. São apenas uns poucos exemplos cascudos, pois o crescimento depende de muito mais.

Um motivo para colocar Alckmin na chapa de Lula seria também "tranquilizar o mercado", essa frase idiota. Se Alckmin for um vice decorativo, para inglês ver, tanto faz. Se levar partidos e quadros, melhor (importam agora alianças quaisquer contra os hunos). Mas indicar uma reflexão nova do PT sobre os problemas do crescimento seria essencial.

Não quer dizer que o governo do PT deva ser um "Ponte para o Futuro", "neoliberal", com esmolas. Quer dizer apenas que é preciso mudar essa economia caquética, disfuncional e organizada por favores.

Rejeitar alianças é, mais do que soberba jeca, sinal de passadismo e de esquecimento de erros e desastres dos anos petistas. Bater em Alckmin (ou coisa que o valha) é indício dessa amnésia com burrice.

Coalizões, a do PT ou outras, são necessárias para levar a democracia adiante. Mas são um meio também de agregar quadros diversos e capazes a fim de pensar de modo novo e mais civilizado a reforma da economia, reforma sem aspas "liberais".

Por fim, é uma questão pragmática: sem planos viáveis para déficit, dívida, eficiência, o governo pode começar a acabar já em 2023. É preciso inventar uma geringonça brasileira.

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