Valor Econômico
Desestatização tem que pensar o que se quer
do Estado
A dificuldade para fazer avançar a
privatização da Eletrobras, anunciada em 2018 no governo Temer e ainda cercada
de incerteza, mostra como é tortuoso o caminho para o Estado se desfazer de
empresas estatais. Trabalho inédito do economista Cláudio Frischtak, sob
encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI), indica que o Brasil
tinha 48 empresas federais sob controle direto da União em 2016, número que
cinco anos depois, em 2021, permanecia o mesmo. O retrato é simbólico da
complexidade que é levar adiante a desestatização no Brasil.
O levantamento feito por Frischtack, da consultoria Inter B, mostra ainda que o universo de subsidiárias de holdings estatais se reduziu no mesmo período. Eram 182 subsidiárias em 2016, contingente que caiu para 107 em 2021. Nesse grupo estão empresas ligadas a Banco do Brasil, BNDES, Caixa, Correios, Eletrobras, Petrobras e Telebras.
O resultado final do estudo é que a
quantidade de empresas federais, incluindo aquelas sob o guarda-chuva direto da
União e subsidiárias de holdings, caiu de 230, em 2016, para 155 em 2021 (ver tabela acima).
Especialistas fazem ressalvas a se
considerar como privatização a venda de subsidiárias de holdings estatais. A
razão é que o dinheiro da venda vai para a holding, e não para o Tesouro. A
União pode se beneficiar na forma de impostos e dividendos. Mas a venda de
subsidiárias seria uma maneira de as estatais se financiarem. “É uma forma de
embolsar caixa ou tirar da estrutura corporativa uma empresa deficitária”, diz
Luiz Henrique Vieira, sócio do escritório Bichara Advogados.
A razão primeira das privatizações no
Brasil também tem sido a necessidade de o ente público fazer caixa. Mas o
objetivo final, ao se transferir uma estatal para a iniciativa privada, deve
ser a melhoria dos serviços prestados à sociedade, o que resulta do avanço na
performance operacional da companhia. A privatização também tende a melhorar a
governança corporativa, a forma como uma empresa é gerida.
No começo do atual governo, em 2019, o
ministro da Economia, Paulo Guedes, estimou que as privatizações poderiam
render R$ 1 trilhão. O número exigiria vender “tudo”, dentro do conceito de
Estado mínimo de Guedes. A meta se mostrou inexequível. Acabar com todas as
estatais também não faria sentido, uma vez que há necessidade de ter empresas
públicas que conseguem ser eficientes em setores que não dão lucro, em que há
“imperfeições de mercado”, casos da mobilidade urbana ou da produção de
determinados medicamentos, diz Joelson Sampaio, do Observatório de Estatais da
FGV. Difícil imaginar também que alguém iria privatizar a Embrapa, por exemplo.
Frischtak avalia que, ao fazer a previsão,
Guedes subestimou o grau de complexidade que é privatizar no Brasil. Privatizar
requer incluir as empresas-alvo no Programa Nacional de Desestatização (PND) e,
ao fazê-lo, o governo indica que vai vender o controle acionário da estatal,
como se fez com a Eletrobras e os Correios.
Há quem entenda que o PND tem que parar de
olhar no “varejo”, e pensar o que se quer do Estado, onde o capital público
pode ser melhor alocado. A Eletrobras é uma das últimas grandes privatizações a
serem feitas depois do ciclo dos anos 1990, nos governos Itamar Franco e FHC,
quando se vendeu Vale, Telebras, portos, ferrovias e siderúrgicas, estas um dos
símbolos da era Vargas. A Petrobras também é lembrada no rol das privatizáveis,
apesar dos obstáculos a uma eventual venda. “É preciso ter lideranças
comprometidas para levar um processo desses adiante”, disse à coluna Roberto
Castello Branco, ex-presidente da estatal.
Para que qualquer privatização avance, se
requer ter projetos técnicos consistentes, o que nem sempre é o caso, e fazer
com que os ministros se envolvam diretamente nas discussões com o Congresso.
O governo eleito também deve usar o capital
político do começo da gestão para impulsionar essa agenda e ganhar o apoio da
opinião pública, o que leva tempo e muitas vezes ultrapassa o ciclo do mandato
eleitoral.
Na atual administração federal, a promessa
de Guedes esbarrou na realidade e em um governo pouco afeito a privatizações.
Agora, no último ano do mandato de Jair Bolsonaro e com eleições pela frente,
privatizar vai ser difícil, ainda mais considerando a aliança com o Centrão,
que tem viés estatizante. “Se não vender a Eletrobras até junho, game over”,
diz um analista do setor.
Se as grandes privatizações não andaram
neste governo, o mesmo não se pode dizer das concessões de serviços públicos
delegados a empresas privadas. É uma área em que o Brasil tem experiência e na
qual o BNDES faz a diferença na estruturação de projetos. Mesmo assim, os
diferentes setores não avançam nas concessões com a mesma velocidade e o
destaque, sem dúvida, tem sido o saneamento básico, área na qual o país tem
dívida social histórica.
O que alguns especialistas questionam é por
que o governo ainda mantém empresas como Valec e EPL, que podiam ser extintas,
com os funcionários sendo incorporados a outras áreas da atuação da
infraestrutura no governo.
*Francisco Góes é chefe de Redação no Rio.
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