EDITORIAIS
Banco Central persiste na batalha contra a
inflação
O Globo
O Comitê de Política Monetária (Copom) do
Banco Central (BC) confirmou na quarta-feira que a luta contra a inflação segue
firme. Como já era esperado, a taxa básica de juros da economia, a Selic, saiu
de 9,25% para 10,75% ao ano. Foi a oitava elevação consecutiva em pouco mais de
um ano. Desde julho de 2017, o principal instrumento da política monetária para
alcançar a estabilidade de preços não chegava aos dois dígitos. Embora nunca
comemorada por contrair a atividade econômica, a alta da Selic era, sem dúvida,
necessária. Novos aumentos são esperados até que o BC consiga ancorar as
expectativas de altas de preços às metas de inflação do país. É uma grande
lástima que o presidente Jair Bolsonaro esteja tornando essa missão mais
difícil.
Como todos sentiram em 2021 quando foram às compras, os valores cobrados por produtos e serviços dispararam. O ano terminou com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 10,06%, quase o dobro do teto da meta. De acordo com o regime monetário adotado desde 1999, o BC se compromete a garantir uma meta preestabelecida que conta com um intervalo de tolerância. O objetivo central de 2021 era de um IPCA de 3,75%, podendo, no máximo, chegar a 5,25%. Ficou longe disso.
Foi justamente para voltar a controlar a
alta de preços que o BC começou a escalada dos juros. A meta para este ano é de
um IPCA de 3,50% e um teto de 5%. A mediana das projeções dos analistas ouvidos
pelo boletim Focus, do próprio BC, ainda está acima, em 5,38%. O mesmo acontece
com a meta para 2023. O objetivo é um IPCA de 3,25%. O mercado estima 3,5%.
Essa é a foto hoje. Mas, no radar do BC, há
riscos que podem se tornar realidade mais para frente e elevar as previsões dos
analistas econômicos. Entre eles, eventuais pressões negativas nos mercados
emergentes provocadas pela esperada alta dos juros americanos e os
desdobramentos da pandemia e suas consequências nas já enroladas cadeias
globais de produção. Quem pagou e está esperando para receber um carro novo
sabe bem do problema nos suprimentos de peças e dos preços em patamares altos.
É por isso que o comunicado após a reunião
desta semana fala em “próximos passos”. Novas elevações dos juros são
esperadas, talvez num ritmo inferior ao das últimas. O BC faz bem ao reconhecer
que podem surgir boas notícias para quem está preocupado com a inflação. Uma
delas seria a queda dos preços das commodities, as matérias-primas com cotações
internacionais, como soja e minério de ferro. Mas os diretores do BC, um órgão
independente, também sabem que estão lutando sozinhos.
O comunicado foi direto ao ponto. “Apesar
do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que a
incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de
desancoragem das expectativas de inflação”. Traduzindo: o presidente Jair
Bolsonaro, obcecado em ter chances nas eleições deste ano, só pensa em gastar e
gastar, mesmo que isso represente a elevação da inflação com o aquecimento da
demanda por produtos e serviços. A batalha do BC ainda não foi vencida.
STF acerta ao cobrar redução da letalidade
policial em favelas do Rio
O Globo
O Supremo Tribunal Federal (STF) faz bem em
cobrar do governo do Rio um plano para reduzir a letalidade policial nas
operações em favelas. Evidentemente, num estado que tem grandes extensões de
seu território dominadas por quadrilhas de traficantes de drogas e milicianos,
intervenções policiais são mais do que necessárias. Mas elas precisam ser
feitas dentro dos limites da lei, e de acordo com protocolos que evitem ao
máximo as mortes de inocentes.
Em junho de 2020, em resposta a uma ação do
Partido Socialista Brasileiro (PSB), o ministro Edson Fachin, do STF, concedeu
liminar restringindo a realização de operações policiais em comunidades
fluminenses durante a pandemia. A decisão aconteceu após a morte do menino João
Pedro no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio. À
época, Fachin disse que “nada justifica que uma criança de 14 anos de idade
seja alvejada mais de 70 vezes”.
A liminar de Fachin determinava que as
operações fossem realizadas apenas em situações excepcionais e que, mesmo
nesses casos, deveriam ser informadas ao Ministério Público. Segundo a
Defensoria Pública do Rio, após a decisão houve uma redução de 34% na
letalidade policial. Mas ações truculentas não cessaram. Em maio do ano
passado, 28 pessoas foram mortas no Jacarezinho, na mais letal operação já
registrada no Rio. Em novembro, nove pessoas foram encontradas mortas num
manguezal do Complexo do Salgueiro após uma incursão da PM.
Ontem, ao terminar de julgar a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental 635, a ADPF das Favelas, a maioria dos
ministros do Supremo votou por exigir que o estado apresente em até 90 dias um
plano para redução da letalidade policial, além da criação de um Observatório
Judicial da Polícia Cidadã, prioridade para investigação de operações que
resultem em mortes de crianças e adolescentes, disponibilização de ambulâncias
em locais de confrontos, prioridade para instalação de câmeras em fardas e
viaturas da polícia e a determinação de que buscas em residências sejam feitas
somente durante o dia e com justificativa.
Ações menos letais são possíveis. No mês
passado, a polícia ocupou a comunidade do Jacarezinho para implantar o projeto
Cidade Integrada, espécie de reformulação do programa das Unidades de Polícia
Pacificadoras (UPPs). A ocupação em nada lembrou a desastrosa operação de maio
do ano passado.
A violência perpetrada por traficantes e
milicianos no Rio precisa ser combatida de forma sistemática, e o Estado não
pode abrir mão de suas obrigações na segurança pública. Mas as operações
policiais devem ser baseadas em planejamento, inteligência, tecnologia e
cooperação entre as diversas forças de segurança, e não em truculência ou
revanchismo. Não é admissível o festival de balas perdidas que a todo momento
tira a vida de inocentes nas favelas do Rio. Policiais que entram nas
comunidades para combater ações criminosas têm o dever de agir dentro da lei.
Juros anômalos
Folha de S. Paulo
Taxa do BC, que chega a 2 dígitos, é
alimentada pelo populismo de Bolsonaro
Em decisão esperada, o Banco Central elevou
novamente a taxa básica de juros, para 10,75% ao ano, o maior nível desde
2017. A volta do custo do dinheiro aos dois dígitos decorre de persistentes
pressões inflacionárias, em parte globais, mas também relacionadas ao malogro
da gestão econômica do governo.
A alta foi de 1,5 ponto percentual, a
terceira seguida dessa magnitude. Sensível ao fato de que em seus modelos de
projeção o nível atual da Selic já abala fortemente a atividade produtiva, o BC
indicou que deverá reduzir a dose do aperto nas próximas reuniões.
É o primeiro sinal de que a campanha se
aproxima do final, embora os ajustes residuais possam levar a taxa para algo em
torno de 12% nos próximos meses. De todo modo, o quadro permanece incerto.
O ano ainda começou ruim, com leituras
elevadas de inflação —inclusive nos itens mais sujeitos à inércia, como
serviços, que mostram variação muito acima das metas para 2022 e 2023 (que são
de 3,5% e 3,25%, respectivamente).
A prévia referente a janeiro do principal
índice ao consumidor, o IPCA, ficou acima das expectativas e acumula 10,2% em
12 meses.
Enquanto isso, o encarecimento das
matérias-primas e da energia no mercado internacional mantém o risco de novos
repasses. A resposta do governo Jair Bolsonaro, como sempre tem sido o caso,
recai no populismo destrutivo.
A proposta de isentar de impostos os
combustíveis prejudica as claudicantes contas públicas e ameaça efeitos
colaterais, como uma nova escalada do dólar, o que agravaria o problema
—fenômeno, aliás, observado no ano passado, quando o governo alterou o teto
constitucional de gastos e promoveu um calote nos precatórios.
Um dos principais elementos considerados
pelo Banco Central é justamente a falta de compromisso com a solidez fiscal.
Mesmo com essas incertezas, o aperto desde
março do ano passado (quando a Selic estava em 2%) já atingiu dimensão
suficiente para controlar a inflação, que deve cair nos próximos meses. A
projeção mediana de analistas para 2022 está em 5,38%, ainda muito acima da
meta. Mas já se antevê uma convergência no ano seguinte.
O custo para tal trajetória é uma sensível
desaceleração da atividade econômica, que já se fez sentir nos últimos meses.
Será surpresa se o PIB crescer mais de 0,5% neste ano. Por essa razão, fará bem
o BC em dosar restrições adicionais, que devem ser mais moderadas.
Novamente a tarefa de controlar a inflação
é conduzida apenas com a ferramenta usual dos juros altos, com enormes
prejuízos para o país. Recuperar a credibilidade da política econômica será
tarefa urgente da próxima administração.
Buraco metropolitano
Folha de S. Paulo
Obra que provocou cratera em SP resume
trapalhadas da gestão tucana do metrô
O acidente desta semana nas obras da linha
6 do metrô de São Paulo, que gerou uma enorme
cratera numa das vias da marginal Tietê, chama a atenção para os problemas
crônicos da expansão metroviária paulista e mancha uma das principais vitrines
eleitorais do governador João Doria e de seu vice, Rodrigo Garcia, ambos do
PSDB.
Segundo a Sabesp, uma tubulação de esgoto
acabou rompida durante a passagem do tatuzão, o mastodôntico equipamento
responsável por perfurar os túneis do metrô, fazendo ceder o asfalto.
Anunciada no longínquo ano de 2008, ainda
no governo José Serra, a linha 6 constitui uma espécie de epítome das
tribulações que marcam a longa gestão tucana do metrô —e o desmoronamento,
apenas o revés mais recente de uma história de atrasos, interrupções,
acidentes, rescisões de contratos e prejuízos para os paulistanos.
A expectativa original era que as obras
teriam início em 2010, com as primeiras estações sendo entregues já em 2012.
Tais esperanças, porém, logo foram frustradas.
Os trabalhos na linha, concebida como uma
parceria público-privada e planejada com 15 estações, só começaram de fato em
2015, após o consórcio formado pelas construtoras Odebrecht, Queiroz Galvão e
UTC Engenharia ter vencido a licitação para construí-la e operá-la.
No ano seguinte, contudo, as ações foram
paralisadas. Investigadas pela Lava Jato, as três empreiteiras desistiram do
empreendimento, que permaneceu por anos praticamente abandonado.
Ao tornar-se o governador, em 2019, Doria
retomou a obra, que foi assumida pela empresa espanhola Acciona e tinha
inauguração estimada em 2025 —mais de uma década além da previsão inicial.
O governador pretendia fazer do projeto um
de seus trunfos na corrida presidencial, além de cartão de visitas da
candidatura de Garcia ao governo paulista.
Com investimentos na casa dos R$ 15
bilhões, a linha 6 era anunciada, na propaganda oficial, como a "maior
obra de infraestrutura em execução" na América Latina e o
"investimento de maior impacto" na economia do estado.
A operação de marketing tende, agora, a se
voltar contra Doria e Garcia, já que o episódio será explorado pelas campanhas
adversárias. Jair Bolsonaro, por exemplo, fez troça do incidente, afirmando
tratar-se da transposição do rio Tietê. Resta, além de suportar a zombaria,
apurar responsabilidades.
O Congresso também resiste
O Estado de S. Paulo
Seguindo o exemplo do Judiciário, o
Congresso fez contundente defesa da democracia. Bolsonaro está isolado em sua
ameaça contra o processo eleitoral
Um dia depois da contundente defesa da
democracia e do sistema eleitoral por parte da cúpula do Judiciário, os
presidentes do Senado e da Câmara também rechaçaram qualquer possibilidade de
contestação das eleições de outubro. Os discursos na abertura do Ano Judiciário
e do Ano Legislativo mostram que a ameaça de Jair Bolsonaro contra as eleições
não foi esquecida ou relevada. Confirmam também o total isolamento do chefe do
Executivo federal em seu intento liberticida. Nem mesmo o fiel aliado do
governo federal Arthur Lira, presidente da Câmara, deseja dar trela a esse
delírio bolsonarista.
Ao afirmar que um dos desafios do ano de
2022 será a “defesa da democracia”, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
alertou para a necessidade de estar vigilante “contra a mínima insinuação de
investida autoritária” no País. No dia anterior, o presidente do Supremo,
ministro Luiz Fux, tinha dito que “as agendas da estabilidade democrática e da
preservação das instituições políticas do País” são uma das prioridades da
pauta de julgamentos da
Corte neste ano. É sintomático que as
autoridades explicitem de forma tão incisiva sua preocupação com a democracia.
Trata-se de um ambiente completamente diferente ao que se viu nas eleições
anteriores.
Jair Bolsonaro conseguiu de fato retroceder
a pauta institucional do País. O presidente do Senado precisou até mesmo
lembrar que, na democracia, os perdedores aceitam a derrota. “Num ano de
eleições gerais, caberá ao povo escolher bem seus representantes; aos
vencedores, fazer de seu mandato um verdadeiro serviço; e aos perdedores,
respeitar o resultado das urnas”, disse.
Ao alertar sobre os perigos que rondam
atualmente a democracia, Rodrigo Pacheco citou uma das práticas habituais do
bolsonarismo, a difusão de desinformação pelas redes sociais. “É fundamental
garantir que o processo eleitoral não seja afetado por manipulação, por
disparos que gerem desinformação”, lembrou.
Por sua vez, o presidente da Câmara, Arthur
Lira, explicitou que até mesmo o seu alinhamento com o Palácio do Planalto –
que assegura fartos nacos do Orçamento Federal a seus interesses políticos –
tem limites. Não pactuará com retrocessos antidemocráticos. “Quero ressaltar
que, independentemente da conjuntura futura, o que o Brasil conseguiu aqui é
definitivo. E como Poder mais transparente e democrático da República não
permitiremos retrocessos discricionários e quiçá imperiais”, disse Lira.
Perante esse cenário, é de justiça
reconhecer o absoluto isolamento de Jair Bolsonaro quando o tema é a ameaça
contra o processo eleitoral. A atual legislatura tem muitos defeitos. Têm sido
frequentes, por exemplo, as ocasiões de flerte do Congresso com a irresponsabilidade
fiscal, com o populismo irracional e com a manutenção de privilégios. No
entanto, mesmo com todas essas deficiências graves, o Legislativo não quer
nenhuma proximidade com a ameaça de Jair Bolsonaro de que, dependendo do
resultado das eleições de outubro, poderá não aceitá-lo, em uma ridícula
imitação da tentativa de golpe protagonizada por Donald Trump nos Estados
Unidos.
Eis a conclusão inexorável. Mesmo a pior
legislatura é muito melhor do que Jair Bolsonaro. Mesmo a composição atual do
Congresso, que não deixará nenhuma saudade, é mais comprometida com o regime
democrático do que o atual chefe do Executivo federal.
Diante da leviandade bolsonarista, atiçando por antecipação a turba para que não respeite a vontade a ser expressa nas urnas, é preciso recordar um elemento fundamental do Estado Democrático de Direito. Os ataques contra a democracia são passíveis de punição. Como disse o presidente do Senado, “esperemos (das instituições da República) a fiscalização e punição daqueles que atentem contra o processo eleitoral”.
A linha foi traçada. Não haverá tolerância
com quem atentar contra o regime democrático e o sistema eleitoral. Jair
Bolsonaro pode iludir-se achando que é imune ou que a lei não o atinge. Mas o
Judiciário e o Legislativo alertaram que não é bem assim. Os atos têm
consequências.
Remédio amargo contra inflação
O Estado de S. Paulo
Novos aumentos poderão ser mais moderados,
mas os juros continuarão subindo e dificultando a recuperação econômica
Com novas altas de juros, o aperto
financeiro vai continuar, nos próximos meses, dificultando o crescimento
econômico, atrapalhando a criação de empregos e impondo maiores custos ao
Tesouro Nacional e aos consumidores endividados. Esta é a promessa mais
importante do Banco Central (BC), empenhado em conduzir a inflação à meta neste
ano ou no próximo. Mas os novos aumentos da taxa básica de juros poderão ser
mais moderados. Esta foi a única mudança anunciada pelo Copom, o Comitê de
Política Monetária do BC, depois de elevar a taxa de 9,25% para 10,75% na
reunião encerrada na quarta-feira. Não será uma trégua, porque o crédito,
afinal, continuará encarecendo. Só o ritmo do aperto deverá ser diminuído.
Acuado pela inflação e esfolado pelos
juros, o brasileiro pode encontrar pelo menos um sinal positivo na mensagem do
Copom. Há um toque de otimismo na mudança anunciada: a inflação deverá cair
neste ano e no próximo, segundo o comunicado, quando se manifestarem os efeitos
cumulativos dos aumentos de juros. Esses dois anos compõem, neste momento, o
“horizonte relevante” para a política monetária.
Mas antes do alívio será preciso passar
pelo Purgatório. No cenário de referência mencionado pelo Copom – e baseado em
projeções do mercado –, os juros básicos deverão chegar a 12% e em seguida
recuar para 11,75%, taxa prevista para o final de 2022. Se as projeções
estiverem corretas, a inflação ainda poderá superar 5% neste ano. Se isso
ocorrer, mais uma vez a alta dos preços ao consumidor terá ultrapassado o teto
da meta.
Esse desvio aconteceu em 2021, quando o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aumentou 10,06%, passando
muito acima do limite de tolerância, fixado em 5,25%. Cumprindo uma regra
estabelecida em 1999, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, mandou uma carta
de explicações ao ministro da Economia, Paulo Guedes, presidente do Conselho
Monetário Nacional (CMN). O teto, neste ano, é 5%.
O aumento recém-anunciado levou os juros ao
nível mais alto desde maio de 2017, quando chegaram a 10,25%, num recuo de 1
ponto em relação à taxa anterior. A redução continuou nos anos seguintes, até
se alcançar, em agosto de 2020, a taxa de 2%. Essa taxa foi mantida até março
de 2021, quando o Copom decidiu reagir à alta de preços.
A reação foi lenta e, segundo muitos
analistas, iniciada com atraso. O novo surto inflacionário foi descrito pelo
Copom, durante meses, como passageiro – um engano comparável àquele cometido
pelo Federal Reserve, o banco central americano. Lá, como no Brasil e na
Europa, o ressurgimento da inflação, depois da primeira fase da pandemia, foi
muito mais forte e mais duradouro do que indicaram, por algum tempo, as
autoridades monetárias.
O erro foi percebido, afinal, e a
orientação começou a mudar. Nos Estados Unidos uma reação mais forte poderá
ocorrer a partir de março. Juros mais altos na economia americana produzem
efeitos no mercado financeiro internacional e nos fluxos de dólares, tornando
impraticáveis políticas brandas no Brasil e em muitos outros países.
Também por isso seria irrealista esperar
uma orientação mais frouxa do Copom. Os ajustes adicionais poderão ser mais
suaves, mas a mensagem é clara quanto à continuação da política restritiva: por
enquanto, “é apropriado que o ciclo de aperto monetário avance
significativamente em território contracionista”.
A evolução do conjunto de preços continuará
a depender das cotações internacionais de produtos básicos, do funcionamento
das cadeias de suprimentos de insumos industriais, da cotação do dólar e das
expectativas dos empresários e dos investidores financeiros. O dólar e essas
expectativas serão em grande parte determinados pelas perspectivas das finanças
federais, da evolução da dívida pública e, portanto, das atitudes e decisões do
presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados num ano de eleições. Sem autoridade
para impedir desmandos na Praça dos Três Poderes, resta ao Copom tentar cuidar
das consequências, apertando sua política, se for necessário.
Perto do fim do ajuste, BC reduz o ritmo de
alta de juros
Valor Econômico
Em ano de eleições, é no mínimo provável
grande volatilidade do real
O Comitê de Política Monetária assinalou
com clareza o que não vai fazer no futuro, se a evolução da inflação permitir:
o ritmo de ajuste da taxa básica de juros de 1,5 ponto percentual será
reduzido. Diante disso, abre-se um leque de variações possíveis, sugerindo que
dificilmente o fim do ciclo de aperto ultrapassará 12,5%.
Pelos sinais do comunicado do Copom, o
ciclo de alta está mais próximo do fim, como já havia dito o presidente do
Banco Central, Roberto Campos Neto, já que os efeitos cumulativos da elevação
de 8,75 pontos percentuais na Selic “se manifestarão ao longo do horizonte
relevante” - 2022 e, a partir de março, 2023. O comunicado sugere também que
haverá pelo menos dois ajustes antes do fim do ciclo. A avaliação do cenário
básico das duas últimas reuniões do comitê dão as balizas de seus próximos
passos.
A persistência da inflação em nível elevado
exigirá mais do que os 11,75% do cenário traçado na reunião de dezembro, que
teria, segundo o BC, um IPCA no topo do teto da meta, 5% neste ano, e um pouco
acima do centro, 3,5% no ano seguinte. Esse cenário, baseado nas projeções do
Focus e câmbio de R$ 5,65 por dólar, porém, pressupunha redução da Selic para
11,25% no fim do ano.
As projeções do Focus pioraram, as do BC
também: “A inflação ao consumidor seguiu surpreendendo negativamente... tanto
nos componentes mais voláteis como principalmente nos itens associados à
inflação subjacente”. Na reunião desta semana, a projeção foi de 5,4% este ano
e 3,2% em 2023. O BC chegou a esses números usando um ponto de partida mais
suave para a evolução do dólar (R$ 5,45), e piora expressiva na trajetória dos
preços administrados - de 3,8% em dezembro para 6,6% em fevereiro, para 2022, e
de 5,2% para 5,4% no ano que vem. A Selic chegaria a um pico de 12% e cairia ao
fim do ano para 11,75%.
É claro que o BC terá de fazer um esforço
adicional, que não deverá ser grande, para cumprir sua sinalização de que o
aperto nos juros “avance significativamente em território contracionista” e
“até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a
ancoragem das expectativas em torno de suas metas”.
Mesmo com tal nível de juros, o IPCA
ultrapassará o teto da meta de inflação pelo segundo ano consecutivo, o que é
muito ruim para a reputação do BC. Como em março será feito o último encontro
do Copom que terá como horizonte a meta de 2022 para decisão dos juros, um
aumento maior da Selic é necessário para que pelo menos exista chance real de o
IPCA retornar para o interior da banda de inflação permitida. O Copom apenas
indicou que o ajuste do juro será menor que 1,5 ponto percentual.
A partir daí há vários caminhos possíveis.
Como a meta de 2023 estaria garantida com juro de 11,75% ao final do ano, um
aumento de um ponto em março e outro residual de 0,5 ponto em seguida levariam
a taxa a 12,25%, que permaneceria ao longo do ano todo, se isso puder trazer o
IPCA para 5% ou menos. Outro caminho é elevar a Selic em 1,25 ponto em março,
para 12%, mantê-la pelo tempo necessário até alinhar as expectativas e deixar a
comunicação em aberto para ajustes eventuais necessários.
Essas possibilidades só existem caso não
haja novas surpresas negativas na inflação. A disseminação da ômicron continua
a espalhar incertezas sobre a normalização da produção e dos serviços por aqui
e no mundo. O início do aperto monetário nos Estados Unidos deverá ter um ritmo
mais acelerado do que se previu até agora, pressionando o dólar, depreciando o
real e impedindo que a inflação doméstica caia no ritmo desejado. Como o juro
real em março será de pelo menos 6%, bem acima da taxa neutra estimada pelo BC,
de 2,5%, o diferencial da Selic em relação aos fed funds, mesmo na hipótese de
mais de quatro altas (de 1,25% ou 1,75% no fim do ano), é suficiente para
suavizar as saídas de capital do país, caso esse processo não seja turbulento,
algo mais que duvidoso.
O aperto monetário global, sinalizado ontem também pelo Banco Central Europeu, pode esfriar o movimento altista das commodities, reduzindo seu preço em reais, uma hipótese benigna considerada pelo BC para que a inflação caia abaixo do cenário de referência. Mas as estripulias eleitorais de Bolsonaro apenas começaram e a incerteza fiscal segue pesando no pêndulo dos riscos de inflação para o lado “altista”. Em ano de eleições, é no mínimo provável grande volatilidade do real, que não ajuda no combate à inflação, mesmo que a economia esteja na lona, como se prevê.
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