EDITORIAIS
Desprezo pela ciência provoca fuga de
cérebros
O Globo
Em novembro, o brasileiro Tulio de Oliveira
reportou ao mundo o surgimento de uma nova variante do Sars-CoV-2, sequenciada
por ele e sua equipe na Universidade KwaZulu-Natal, na África do Sul. A nova
cepa, batizada Ômicron pela OMS, logo se tornaria dominante no planeta. Em
pouco mais de dois anos de pandemia, não foi raro ver brasileiros participando
de pesquisas, ajudando a desenvolver vacinas contra a Covid-19 ou integrando a
linha de frente do combate ao vírus noutros países. Cada um tem seus motivos
para o exílio. Eles integram uma legião cada vez maior de brasileiros das mais
diversas áreas que brilham longe da terra natal.
Não é uma tendência nova, mas ela se acentuou nos últimos anos. A falta de incentivo, os parcos financiamentos para projetos e pesquisas e os maus-tratos à ciência pelo governo Bolsonaro têm aumentado o êxodo. O mundo acadêmico já se refere à fuga de cérebros como uma diáspora. Como mostrou reportagem do GLOBO, há de 2 mil a 3 mil pesquisadores brasileiros trabalhando no exterior. Trata-se de mão de obra altamente qualificada (resultante de altos investimentos em educação), que parte em busca de melhores oportunidades, condições de trabalho e reconhecimento. O futuro do país está tomando o caminho do aeroporto.
Num governo que deixa a ciência à míngua,
não surpreende que as verbas definhem. A Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC) afirma que o orçamento para a Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes) caiu de R$ 5,13 bilhões em 2012 para R$
2,42 bilhões este ano. A verba do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) sucumbiu à metade em dez anos, de R$ 2 bilhões
para R$ 1 bilhão. No ano passado, R$ 600 milhões foram cortados do orçamento
para financiar pesquisas.
Não é que faltem recursos, porque eles
existem para dar aumentos salarias às categorias de servidores da base do
presidente Jair Bolsonaro, ampliando as despesas fixas do Estado. Sobra
dinheiro também para irrigar a lavoura sempre viçosa do orçamento secreto e
alimentar o apetite voraz do Centrão. O que falta é vontade de investir no que
realmente interessa e é necessário.
A escassez de verbas não é o único problema
a afligir a ciência. A postura do governo é um desestímulo ao setor. Em plena
pandemia, o cargo de secretário de Ciência, Tecnologia, Inovações e Insumos
Estratégicos do Ministério da Saúde é ocupado por um inimigo da ciência e do
conhecimento, o secretário Hélio Angotti Neto. No mês passado, ele não só
rejeitou parecer técnico que condenava o uso da cloroquina como ineficaz no
tratamento da Covid-19, mas publicou uma inacreditável nota técnica dizendo que
a droga era mais eficaz que as vacinas. O texto foi parcialmente mudado depois
da enxurrada de críticas, mas continuou exaltando a cloroquina, um absurdo.
Qualquer país que pretende pegar a estrada
do desenvolvimento não pode abrir mão de investir em educação, ciência,
tecnologia e inovação. É a lição dos que já trilharam esse caminho e chegaram
lá. Não há atalho. Desprezar a ciência e asfixiá-la com verbas pífias não nos
levará a lugar algum. Essa política torta pode se prestar a projetos eleitorais
imediatos e mesquinhos, mas não serve ao país. As eleições vêm aí. É hora de
cobrar dos candidatos compromisso inarredável com a ciência.
Emendas do relator trazem risco de
superfaturamento e corrupção
O Globo
O dispositivo orçamentário conhecido como
“emenda do relator”, principal moeda de troca usada para garantir apoio ao
governo no Congresso, é em geral criticado por duas características nefastas. A
primeira é a falta de transparência: em contraste com outros tipos de emenda
parlamentar, a do relator permite destinar recursos a projetos país afora sem
identificar o congressista responsável. A segunda é a consequente piora na
qualidade do gasto público, alocado segundo interesses paroquiais, em vez de
políticas públicas consistentes adotadas pelo Parlamento depois de debate.
Um relatório da Controladoria-Geral da
União (CGU) revelado pelo GLOBO expôs uma terceira característica das emendas
do relator que contribui para deteriorar ainda mais o Orçamento da União: a
abertura para a chaga do superfaturamento — e as inevitáveis suspeitas de
corrupção.
No universo gigantesco das emendas do
relator, responsáveis pela execução de R$ 19,7 bilhões no Orçamento de 2020 e
R$ 16,7 bilhões no de 2021, os auditores da CGU se debruçaram sobre dois
contratos para pavimentação de ruas e estradas em 28 municípios alagoanos,
somando R$ 46,6 milhões. Constataram um sobrepreço que estimaram em 9,3% (ou R$
4,3 milhões) nos dois pregões eletrônicos realizados para a contratação dos serviços
pela Codevasf, empresa responsável pelas obras em Alagoas e um dos principais
destinos das emendas do relator.
Tornou-se hoje impossível viajar pelas
estradas alagoanas sem deparar com as indefectíveis escavadeiras da Codevasf,
as novas pontes e estradas em obras, as unidades de saúde recém-inauguradas ou
reformadas e os novos postos policiais — ao mesmo tempo que as crianças
continuam jogando futebol na praia em pleno horário escolar. Será mesmo essa a
melhor forma de destinar recursos para suprir a necessidade da população local?
O exemplo pinçado pelos auditores da CGU é
minúsculo diante do poder de estrago das emendas do relator, expediente que
tornou prefeitos e até governadores reféns das idiossincrasias dos
congressistas para obter recursos de que necessitam. Os R$ 38,1 bilhões (em
valores corrigidos) executados entre 2020 e 2021 teriam sido suficientes, entre
outros destinos possíveis, para tornar o Bolsa Família um programa mais amplo e
eficaz que seu sucessor, o Auxílio Brasil. Sem romper o teto de gastos nem pôr
em risco o equilíbrio fiscal.
A deterioração do Orçamento e da disciplina
fiscal provocada pelas emendas do relator talvez seja um dano menos vistoso que
outros provocados pelo governo Bolsonaro ao país, como a tragédia na saúde, o
retrocesso na educação e na cultura, a devastação ambiental ou o armamentismo
temerário. Mas tem um caráter insidioso e politicamente perverso, na medida em
que torna o Executivo ainda mais dependente do Legislativo para governar.
Tornará mais difícil a vida do próximo presidente, quem quer que vença a
eleição deste ano.
Voo cancelado
Folha de S. Paulo
Fiasco da concessão do Galeão deriva de
erros que felizmente têm sido corrigidos
Com menção à crise econômica ocasionada
pela pandemia, a RIOGaleão, responsável por operar o aeroporto internacional
Tom Jobim, resolveu devolver
a concessão ao governo federal. A decisão confirma o fracasso do negócio,
que sofre com problemas financeiros desde seu início, em 2013.
O contrato do Galeão reúne algumas das
principais más práticas que foram comuns nas privatizações realizadas no
período, durante a Presidência de Dilma Rousseff (PT). Modelagem frágil,
participação minoritária estatal e presença de empreiteiras mais interessadas
em aditivos e sobrepreços nas obras são alguns desses vícios.
No caso do aeroporto, a concessão foi
arrematada por R$ 19 bilhões, quase quatro vezes o valor mínimo exigido (R$ 4,8
bilhões). O pagamento anual de outorga foi fixado em R$ 1,2 bilhão. O consórcio
vencedor reunia a Odebrecht, a Infraero e a Changi Airports, a operadora do
aeroporto de Singapura.
A esperada credibilidade do negócio por
envolver um operador consagrado foi logo destruída por uma coletânea de falhas,
a começar pela rentabilidade insuficiente para arcar com a outorga e os investimentos.
As mazelas da Odebrecht e a debilidade financeira da Infraero agravaram o
quadro.
A crise chegou ao auge com a Covid-19, que
fez despencar o movimento no transporte aéreo.
Houve progresso com as concessões nos
últimos anos. Os aeroportos privatizados desde 2016 dispõem de modelos
contratuais mais sólidos, com participação de fundos de investimento e
operadores de bom nome, sem presença estatal ou de empreiteiras.
Tem sido bem-sucedida a prática de agregar
terminais rentáveis a outros de menor movimento, que não atrairiam
investimentos sozinhos. São notáveis as melhorias em muitos deles.
A devolução do Galeão abre uma nova
oportunidade num momento em que o governo prepara a concessão do outro
aeroporto da cidade do Rio, o Santos Dumont, uma das joias da coroa, assim como
o de Congonhas, em São Paulo.
O modelo proposto nesse caso, que concentra
voos regionais e aviões de menor porte, vinha sofrendo críticas de autoridades
fluminenses e de especialistas, preocupados com o risco de concorrência
predatória com o Galeão, que recebe aviões maiores e detém o maior movimento de
carga.
Aventa-se agora uma opção que alinhe melhor
o uso dos dois terminais. Potencialmente, ambos poderão ser operados pelo mesmo
grupo, o que reforça a necessidade de regulação competente.
Dada a nova conjuntura, o aguardado leilão
do Santos Dumont tende a ser adiado. Espera-se que o próximo governo faça uso
do aprendizado recente e não interrompa a modernização do setor.
Escola sem tabu
Folha de S. Paulo
Debate sobre gênero deve buscar mais
embasamento e menos estridência militante
Aprovou-se no estado americano da Flórida,
na semana passada, uma lei
que bane o debate sobre orientação sexual e identidade de gênero no
ensino primário. A medida se insere na batalha cultural em torno da mal
denominada "ideologia de gênero".
A expressão surgiu pela primeira vez em
1998, a partir de embates na Igreja Católica, em uma nota da Conferência
Episcopal do Peru. Desde então, tornou-se bandeira de movimentos reacionários
nos EUA e na América Latina.
Tais grupos alegam ser necessário proteger
crianças de temas inadequados para a idade —uma preocupação pertinente.
Entretanto sua causa descamba para uma ofensiva censória sobre o ensino, que
ameaça marginalizar meninos e meninas que venham a se identificar como
LGBTQIA+, bem como dificultar o combate a gravidez na adolescência e violência
de gênero.
No Brasil, iniciativas do tipo têm se
espalhado. Segundo levantamento do Movimento Educação Democrática, em 2018
havia ao menos 181 projetos de lei municipais e estaduais com teor semelhante
ao da legislação da Flórida.
Coibir abordagens sobre gênero em sala de
aula é também pauta ideológica do governo Jair Bolsonaro (PL), em especial após
a nomeação de Milton Ribeiro para o Ministério da Educação e de Sandra Ramos,
adepta do Escola sem Partido, para a coordenação de materiais didáticos da
pasta.
Após sofrer derrotas em série no Supremo
Tribunal Federal, a tentativa de censura nas escolas encontra-se juridicamente
enfraquecida. Em 2020, por exemplo, o STF considerou inconstitucional parte do
plano de educação de Cascavel (PR), que proibia a "adoção de politicas de
ensino que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou
‘orientação sexual’".
Uma proibição como essa, segundo o relator
do caso, o ministro Luiz Fux, "desvaloriza o professor, gera perseguições
no ambiente escolar, compromete o pluralismo de ideias, esfria o debate
democrático e prestigia perspectivas hegemônicas por vezes sectárias".
Pesquisa Datafolha realizada em 2019
apontou que 54% dos brasileiros defendem que a educação sexual seja abordada nas
escolas, contra a opinião de expressivos 44%. Em tema tão divisivo, convém que
todos os lados privilegiem o convencimento com base pedagógica, em vez da
militância estridente.
O retrocesso como ativo eleitoral
O Estado de S. Paulo.
Para agradar à sua base eleitoral, Bolsonaro tenta promover no ano eleitoral perigosas pautas
Na lista de prioridades do governo
Bolsonaro, o interesse eleitoral vem muito antes do que eventual
responsabilidade fiscal. Neste ano de 2022, Jair Bolsonaro tem sido pródigo não
apenas em anunciar aumento de benefícios sociais, mas também em prometer
reajustes e benesses para setores do funcionalismo. É o velho e conhecido
populismo fiscal, com dinheiro público sendo usado para angariar votos.
Mas não é apenas a irresponsabilidade
fiscal que requer, neste ano, cuidados especiais. Com Jair Bolsonaro na
Presidência da República, outro tema exige vigilância redobrada: o retrocesso
civilizatório e institucional. Sem ter o que apresentar nas áreas fundamentais
de um governo – ao contrário, há muito a esconder na saúde, na educação e na
economia –, o bolsonarismo, com a proximidade das eleições, volta sua atenção a
demandas específicas dos grupos que o apoiam, além de ressuscitar algumas de
suas pautas ideológicas. Mais do que simples bizarrices, essas pautas causam
danos.
Tudo isso é parte da grande farsa de tentar
apresentar o bolsonarismo como uma causa política relevante, com um propósito
definido, capaz de oferecer alguma contribuição ao País. No conto bolsonarista
– que não é apenas distante dos fatos, mas rigorosa manipulação –, Jair
Bolsonaro estaria travando quixotescamente batalhas ideológicas decisivas
contra o comunismo, em prol da família e da liberdade.
Ainda que a farsa convença cada vez menos
incautos, é preciso estar em alerta contra a ruína dos padrões mínimos de
convivência social e democrática promovida pelo bolsonarismo. Incapaz de
construir alguma coisa, o bolsonarismo é hábil em destruir o que outros
fizeram. O exemplo mais recente, que está longe de ser o mais grave, foi o novo
ataque do governo à Lei Rouanet, publicando novas regras e limitações
totalmente arbitrárias para o programa de apoio à cultura.
É impressionante como esse tema ocupa o
imaginário bolsonarista. Entre outros efeitos, tal obsessão com a Lei Rouanet,
que está longe de ser perfeita, mas tampouco é o horror que os bolsonaristas
pintam, manifesta a disfuncionalidade de um governo que faz da perseguição à
classe artística uma de suas prioridades. É conduta imoral e inconstitucional.
Na mesma linha do retrocesso eleitoreiro,
veem-se movimentos do governo Bolsonaro para diminuir ainda mais o controle
sobre as armas de fogo. Tenta-se, por exemplo, dar andamento ao Projeto de Lei
3.723/2019, de autoria do Executivo e que tramita no Senado. É uma proposta
perversa. Sob o pretexto de dar segurança jurídica para caçadores, atiradores
desportivos e colecionadores, o projeto extingue, entre outros pontos, a
marcação que permite rastrear as armas e munições e investigar seus desvios.
Por mais que Bolsonaro queira, não é hora de alterar o Código Penal e o
Estatuto do Desarmamento para facilitar a vida da milícia e de outros
criminosos.
Como se não bastasse, há rumores de
possível medida provisória para anistiar armas ilegais, o que seria
constrangedor escracho com a lei e o interesse público. E tudo isso é apenas
para angariar votos – que, esperase, sejam insuficientes para que Bolsonaro
complete sua ruinosa obra.
Entre o ruim e o pior
O Estado de S. Paulo.
Ante o desafio da adequação das leis às
inovações do mercado de trabalho, o bolsonarismo só oferece a anarquia, e o
lulopetismo, o retrocesso
Um mercado de trabalho em acelerada
transformação exige uma legislação trabalhista em constante renovação. Essa
obviedade seria indigna de nota se o atual presidente da República, Jair
Bolsonaro, não tratasse os direitos do trabalho como meros empecilhos a serem
removidos, e se o líder das pesquisas de intenção de voto à Presidência não
propusesse o oposto de uma modernização desses direitos: longe de revisar a
reforma de 2017, muito menos aprimorá-la ou complementar suas lacunas, Luiz
Inácio Lula da Silva propõe revogá-la por completo.
Promovida pelo governo Temer e
laboriosamente deliberada pelo Congresso, a reforma foi um marco jurídico
sofisticado de raro equilíbrio social e econômico que atualizou a legislação
anacrônica herdada da era Vargas, proporcionando mais liberdade e flexibilidade
nas condições de trabalho.
O ex-presidente Lula repete o mantra de que
a reforma não gerou empregos e de que flexibilização é sinônimo de
precarização.
Em primeiro lugar, não há uma relação
causal direta entre reforma e emprego. Uma boa legislação é condição necessária
para criar empregos, mas não suficiente. Ofertas de empregos e boas condições
de trabalho dependem de investimentos e crescimento econômico. Mas justamente a
irresponsabilidade fiscal da gestão lulopetista mergulhou o País na recessão
que destruiu milhões de empregos não resgatados até hoje.
Lula gosta de citar como modelo a
contrarreforma recém-aprovada na Espanha. De fato, após a crise de 2008, os legisladores
espanhóis apostaram na redução à proteção de diversas formas de contratação
como uma tentativa de estimular as empresas a empregarem.
Mas a reforma aprovada no Brasil não
extinguiu um único direito. Ao contrário, criou novas formas de proteção não
contempladas antes dela, como no caso dos trabalhadores terceirizados. Todas as
novas modalidades criadas garantem as proteções previstas na Consolidação das
Leis do Trabalho e na Constituição.
Entre outras conquistas, a reforma
introduziu a regulação do trabalho remoto; criou novas modalidades de
contratação temporária, intermitente ou terceirizada; reduziu o excesso de
litígios que sobrecarregavam a Justiça do Trabalho; reduziu a insegurança
jurídica e consagrou a autonomia e a liberdade de empregados e empregadores ao
ampliar suas prerrogativas de negociar condições específicas de suas relações
de trabalho; e eliminou a imoral e inconstitucional “contribuição” obrigatória
dos trabalhadores aos sindicatos.
A maior crítica que se pode fazer à reforma
é que ela não foi suficientemente abrangente. A mazela possivelmente mais grave
do mercado brasileiro, a alta taxa de informalidade, que atinge cerca de 40% da
força de trabalho, e a consequente lacuna entre os custos e proteções do
trabalhador formal e do informal, ainda precisa de soluções mais robustas.
Tampouco a legislação brasileira oferece uma regulação satisfatória para
contratos entre trabalhadores nacionais e empresas internacionais, ou
vice-versa, essencial em uma economia cada vez mais digitalizada e globalizada.
Isso sem falar das megatendências que estão
desafiando todo o mundo, como o envelhecimento da população ou as inovações
tecnológicas, que exigirão políticas capazes de recriar os sistemas de formação
e realocação dos profissionais.
Como já dito neste espaço (O PT não sabe o
que é cidadania, 9/1/22), “assim como todo Direito, a legislação trabalhista
deve proporcionar, por meio de uma regulação adequada das relações sociais,
autonomia e liberdade. Não é barbárie ou anarquia (como propõe Jair Bolsonaro),
como também não é cabresto ou sujeição (como propõe Lula)”.
A reforma trabalhista não é um dogma. Como
toda legislação ou política pública ela deve ser reavaliada e pode ser revisada
pelo Parlamento. Mas não é isso o que propõe o PT. Em seu negacionismo
econômico característico, ele quer não só resgatar as políticas que mergulharam
o País no desastre econômico no qual agoniza até hoje; deseja retroceder a
legislação trabalhista em mais de meio século, de volta às leis da ditadura
varguista.
Um debate estéril sobre a Petrobras
O Estado de S. Paulo.
Privatizar ou não privatizar a empresa não
diz nada se o debate não estiver orientado por um planejamento estratégico para
o Estado no futuro
A Petrobras, mais uma vez, está no centro
do debate entre os pré-candidatos à Presidência da República. Há alguns dias,
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Simone
Tebet (MDB) e Sergio Moro (Podemos) vieram a público dizer o que pensam sobre a
empresa e seu valor estratégico para o País. O estímulo para as manifestações
dos pré-candidatos é essa renitente tentativa do presidente Jair Bolsonaro de
interferir nos rumos da organização, sobretudo em sua política de preços, a fim
de auferir ganhos eleitorais.
Como sói acontecer a cada quatro anos, há
muito tempo, os postulantes à Presidência da República apresentam aos eleitores
as suas visões e planos para a Petrobras ao longo da campanha eleitoral. É
natural. Trata-se de uma empresa de economia mista cujo principal acionista
ainda é a União, além de atuar em um segmento estratégico para qualquer país do
mundo, o setor de energia. Portanto, esse confronto de ideias sobre o que fazer
com a Petrobras faz parte do debate democrático. O problema é a qualidade e o
alcance desse debate.
Em primeiro lugar, as manifestações
públicas dos pré-candidatos sobre a empresa revelaram que, para alguns deles, a
Petrobras é vista como uma extensão do governo federal, uma espécie de
puxadinho do Palácio do Planalto para instrumentalizar a execução de políticas
públicas. Nada mais equivocado. A Petrobras é uma empresa que tem vida própria,
que deve satisfação aos seus acionistas e, portanto, tem de ser administrada de
forma competente, como qualquer outra. Seus interesses empresariais não podem
ser subjugados por interferências políticas de ocasião.
Os prejuízos dessa má concepção sobre a
Petrobras, tanto para os acionistas da empresa como para o Tesouro Nacional,
são gigantescos. Lula da Silva tem se esforçado para esconder, mas ainda estão
muito frescos na memória dos cidadãos os danos causados pelo sequestro da
Petrobras durante os governos lulopetistas. Para enriquecer ilicitamente
apaniguados do lulopetismo e camuflar os erros crassos na condução da política
econômica, especialmente no governo de Dilma Rousseff, a Petrobras foi tão
esbulhada que quase foi à bancarrota. Só não foi porque, como bem lembrou no
Estadão o economista José Márcio Camargo, foi salva pelos aportes do Tesouro
Nacional, ou seja, pelos impostos que são pagos por toda a população.
Discute-se também se a Petrobras deve ou
não ser privatizada. É uma questão recorrente. “A ideia da privatização da
Petrobras é histórica e perpassa todas as eleições”, lembrou o cientista
político Marco Antônio Teixeira, da FGV-SP. De fato, o modelo de gestão da
empresa é um dos mais destacados pontos de divergência entre os pré-candidatos.
Mas se trata de uma discussão datada, que remete às décadas de 1940 e 1950. Nas
bases em que se dá, a discussão sobre a privatização da Petrobras é um
amontoado de narrativas meramente eleitoreiras. Faz parte de uma campanha
eleitoral, mas o grau de superficialidade não deixa de ser lamentável.
Privatizar ou não privatizar empresas
estatais ou de economia mista, como é o caso da Petrobras, não significa
absolutamente nada se o debate não estiver orientado por um planejamento
realmente estratégico para o Estado no futuro. O alcance do olhar é um dos
traços mais distintivos dos estadistas.
Isso nos leva a um problema ainda mais
grave, que é a ausência de propostas sérias para a reconfiguração da matriz
energética do País num futuro não muito distante, tema relevantíssimo. Debater
sobre a Petrobras é debater sobre petróleo, um recurso natural que, por ser
altamente poluente, está em vias de ser substituído por fontes limpas de
energia. Ou seja, as mudanças climáticas impõem a governantes e organizações da
sociedade civil, no mundo inteiro, a necessidade de um planejamento muito bem
delineado para substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis de
energia.
Por fim, não se pode desconsiderar que o que alguns pré-candidatos dizem hoje sobre a Petrobras pode não se traduzir em ações concretas caso sejam eleitos, seja por inexequibilidade, seja por incompetência.
Com ida a Moscou, Bolsonaro piora mais
imagem do Brasil
Valor Econômico
Não há nenhuma pauta relevante na economia
ou comérciop para justificar a tresloucada viagem a Moscou
O presidente Jair Bolsonaro continua
disposto a afundar a reputação internacional do Brasil e a usar toda a
engrenagem diplomática do país em troca de um punhado de fotos e vídeos dos
quais possa tirar proveito com seus eleitores mais radicais, que lhe garantem
vaga no segundo turno do pleito de outubro, segundo as últimas pesquisas. É
apenas sob essa perspectiva - meramente personalista - que se pode entender a
insistência na viagem oficial para Rússia e Hungria, marcada para esta semana.
O russo Vladimir Putin mobiliza suas tropas na fronteira com a Ucrânia. O
húngaro Viktor Orbán, que ataca instituições e estimula o preconceito contra
minorias, pode encerrar seus 12 anos de mandato daqui a menos de dois meses.
Ele enfrentará, nas urnas, uma aliança opositora que vai de socialistas a
conservadores e busca dar fim a seu governo cada vez mais autocrático.
Na tentativa de se contrapor à constatação
de que está isolado, Bolsonaro quer tão somente posar ao lado de Putin, permitindo
às milícias digitais tripudiar nas redes sociais e ostentar seu líder com algum
peso-pesado da arena global. Uma “photo opportunity” pode resultar oportuna
para o presidente e seus seguidores, mas não atende - de novo - aos interesses
nacionais. Primeiro, porque a pauta da visita é oca. Não há previsão de
assinatura de acordos. No máximo, caso os negociadores acelerem o ritmo, um
sobre troca de informações sigilosas na área de defesa e outro sobre
transferência de presos.
Segundo, porque os eventos econômicos e
empresariais que serão realizados às margens da visita têm tudo para ser pouco
produtivos. Eles têm, como justificativa, divulgar a carteira de concessões
federais e identificar oportunidades de investimentos privados. No mundo real,
a Rússia vem praticamente ignorando os leilões do Programa de Parcerias de
Investimentos (PPI), pelo simples fato de que ela tem poucas operadoras para os
ativos - como rodovias, portos, aeroportos, linhas de transmissão de energia.
Os executivos russos que confirmaram presença em seminário de negócios da Apex
já conhecem o Brasil, suas companhias têm escritórios instalados no país e não
dependem de um coquetel ou da palestra de ministros para tomar decisões.
E em terceiro, principalmente, porque o
momento não poderia ser mais inadequado: milhares de militares russos marcham
perto da fronteira e ameaçam uma nação vizinha. Para uma diplomacia que sempre
se pautou como construtora de pontes, para um país que assumirá em julho a
presidência do conselho de segurança da ONU, só mina sua credibilidade.
Tampouco encontra amparo o argumento de que
Bolsonaro quer dar mais atenção aos Brics. O governo brasileiro não teve nenhum
pudor em atrasar a capitalização do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), uma
das peças mais importantes do bloco, e vários de seus auxiliares - tardiamente
demitidos - adotavam discurso sinofóbico. A China, principal parceira comercial
e uma das maiores fontes de investimento estrangeiro no Brasil, tem sido alvo
de diatribes e até insultos preconceituosos desde 2019. O fundo bilionário para
financiar projetos de desenvolvimento e obras de infraestrutura, prometido por
Pequim há sete anos, não poderia mesmo sair do papel em ambiente tão tóxico.
Desnecessariamente, enquanto durou a administração Donald Trump nos EUA, o
Brasil alinhou-se à Casa Branca em brigas que opunham americanos e chineses.
Em sua política externa, Bolsonaro fez um
pacote quase completo de isolamento. Ofendeu a primeira-dama da França,
distanciou-se de outros países europeus que apoiavam o combate ao desmatamento
na Amazônia com doações financeiras, foi o último chefe de Estado do mundo
ocidental a cumprimentar Joe Biden pela vitória em 2020, criou tensões inúteis
com Alberto Fernández na Argentina, fez o Itamaraty segurar quatro dias uma
nota oficial parabenizando Gabriel Boric pela resultado da eleição no Chile.
O presidente já criticou o multilateralismo
em plena tribuna na ONU e seu governo omitiu o aumento da destruição de
florestas na COP26, do qual já tinha conhecimento, enquanto se comprometia com
metas para 2030 e 2050. A imagem do Brasil, ligada em boa parte do último
século à de um país que soube usar a interlocução privilegiada e fóruns
multilaterais em prol de seus interesses, vai se esvaindo. No lugar, surgem
aspereza e brutalidade. Agora, Bolsonaro pode deixar o Brasil aparecer ao lado
de um provocador de guerras - talvez até na semana da invasão à Ucrânia -, sem
nenhuma pauta relevante na economia ou no comércio para justificar a
tresloucada viagem a Moscou.
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