segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Desprezo pela ciência provoca fuga de cérebros

O Globo

Em novembro, o brasileiro Tulio de Oliveira reportou ao mundo o surgimento de uma nova variante do Sars-CoV-2, sequenciada por ele e sua equipe na Universidade KwaZulu-Natal, na África do Sul. A nova cepa, batizada Ômicron pela OMS, logo se tornaria dominante no planeta. Em pouco mais de dois anos de pandemia, não foi raro ver brasileiros participando de pesquisas, ajudando a desenvolver vacinas contra a Covid-19 ou integrando a linha de frente do combate ao vírus noutros países. Cada um tem seus motivos para o exílio. Eles integram uma legião cada vez maior de brasileiros das mais diversas áreas que brilham longe da terra natal.

Não é uma tendência nova, mas ela se acentuou nos últimos anos. A falta de incentivo, os parcos financiamentos para projetos e pesquisas e os maus-tratos à ciência pelo governo Bolsonaro têm aumentado o êxodo. O mundo acadêmico já se refere à fuga de cérebros como uma diáspora. Como mostrou reportagem do GLOBO, há de 2 mil a 3 mil pesquisadores brasileiros trabalhando no exterior. Trata-se de mão de obra altamente qualificada (resultante de altos investimentos em educação), que parte em busca de melhores oportunidades, condições de trabalho e reconhecimento. O futuro do país está tomando o caminho do aeroporto.

Num governo que deixa a ciência à míngua, não surpreende que as verbas definhem. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirma que o orçamento para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) caiu de R$ 5,13 bilhões em 2012 para R$ 2,42 bilhões este ano. A verba do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sucumbiu à metade em dez anos, de R$ 2 bilhões para R$ 1 bilhão. No ano passado, R$ 600 milhões foram cortados do orçamento para financiar pesquisas.

Não é que faltem recursos, porque eles existem para dar aumentos salarias às categorias de servidores da base do presidente Jair Bolsonaro, ampliando as despesas fixas do Estado. Sobra dinheiro também para irrigar a lavoura sempre viçosa do orçamento secreto e alimentar o apetite voraz do Centrão. O que falta é vontade de investir no que realmente interessa e é necessário.

A escassez de verbas não é o único problema a afligir a ciência. A postura do governo é um desestímulo ao setor. Em plena pandemia, o cargo de secretário de Ciência, Tecnologia, Inovações e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde é ocupado por um inimigo da ciência e do conhecimento, o secretário Hélio Angotti Neto. No mês passado, ele não só rejeitou parecer técnico que condenava o uso da cloroquina como ineficaz no tratamento da Covid-19, mas publicou uma inacreditável nota técnica dizendo que a droga era mais eficaz que as vacinas. O texto foi parcialmente mudado depois da enxurrada de críticas, mas continuou exaltando a cloroquina, um absurdo.

Qualquer país que pretende pegar a estrada do desenvolvimento não pode abrir mão de investir em educação, ciência, tecnologia e inovação. É a lição dos que já trilharam esse caminho e chegaram lá. Não há atalho. Desprezar a ciência e asfixiá-la com verbas pífias não nos levará a lugar algum. Essa política torta pode se prestar a projetos eleitorais imediatos e mesquinhos, mas não serve ao país. As eleições vêm aí. É hora de cobrar dos candidatos compromisso inarredável com a ciência.

Emendas do relator trazem risco de superfaturamento e corrupção

O Globo

O dispositivo orçamentário conhecido como “emenda do relator”, principal moeda de troca usada para garantir apoio ao governo no Congresso, é em geral criticado por duas características nefastas. A primeira é a falta de transparência: em contraste com outros tipos de emenda parlamentar, a do relator permite destinar recursos a projetos país afora sem identificar o congressista responsável. A segunda é a consequente piora na qualidade do gasto público, alocado segundo interesses paroquiais, em vez de políticas públicas consistentes adotadas pelo Parlamento depois de debate.

Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) revelado pelo GLOBO expôs uma terceira característica das emendas do relator que contribui para deteriorar ainda mais o Orçamento da União: a abertura para a chaga do superfaturamento — e as inevitáveis suspeitas de corrupção.

No universo gigantesco das emendas do relator, responsáveis pela execução de R$ 19,7 bilhões no Orçamento de 2020 e R$ 16,7 bilhões no de 2021, os auditores da CGU se debruçaram sobre dois contratos para pavimentação de ruas e estradas em 28 municípios alagoanos, somando R$ 46,6 milhões. Constataram um sobrepreço que estimaram em 9,3% (ou R$ 4,3 milhões) nos dois pregões eletrônicos realizados para a contratação dos serviços pela Codevasf, empresa responsável pelas obras em Alagoas e um dos principais destinos das emendas do relator.

Tornou-se hoje impossível viajar pelas estradas alagoanas sem deparar com as indefectíveis escavadeiras da Codevasf, as novas pontes e estradas em obras, as unidades de saúde recém-inauguradas ou reformadas e os novos postos policiais — ao mesmo tempo que as crianças continuam jogando futebol na praia em pleno horário escolar. Será mesmo essa a melhor forma de destinar recursos para suprir a necessidade da população local?

O exemplo pinçado pelos auditores da CGU é minúsculo diante do poder de estrago das emendas do relator, expediente que tornou prefeitos e até governadores reféns das idiossincrasias dos congressistas para obter recursos de que necessitam. Os R$ 38,1 bilhões (em valores corrigidos) executados entre 2020 e 2021 teriam sido suficientes, entre outros destinos possíveis, para tornar o Bolsa Família um programa mais amplo e eficaz que seu sucessor, o Auxílio Brasil. Sem romper o teto de gastos nem pôr em risco o equilíbrio fiscal.

A deterioração do Orçamento e da disciplina fiscal provocada pelas emendas do relator talvez seja um dano menos vistoso que outros provocados pelo governo Bolsonaro ao país, como a tragédia na saúde, o retrocesso na educação e na cultura, a devastação ambiental ou o armamentismo temerário. Mas tem um caráter insidioso e politicamente perverso, na medida em que torna o Executivo ainda mais dependente do Legislativo para governar. Tornará mais difícil a vida do próximo presidente, quem quer que vença a eleição deste ano.

Voo cancelado

Folha de S. Paulo

Fiasco da concessão do Galeão deriva de erros que felizmente têm sido corrigidos

Com menção à crise econômica ocasionada pela pandemia, a RIOGaleão, responsável por operar o aeroporto internacional Tom Jobim, resolveu devolver a concessão ao governo federal. A decisão confirma o fracasso do negócio, que sofre com problemas financeiros desde seu início, em 2013.

O contrato do Galeão reúne algumas das principais más práticas que foram comuns nas privatizações realizadas no período, durante a Presidência de Dilma Rousseff (PT). Modelagem frágil, participação minoritária estatal e presença de empreiteiras mais interessadas em aditivos e sobrepreços nas obras são alguns desses vícios.

No caso do aeroporto, a concessão foi arrematada por R$ 19 bilhões, quase quatro vezes o valor mínimo exigido (R$ 4,8 bilhões). O pagamento anual de outorga foi fixado em R$ 1,2 bilhão. O consórcio vencedor reunia a Odebrecht, a Infraero e a Changi Airports, a operadora do aeroporto de Singapura.

A esperada credibilidade do negócio por envolver um operador consagrado foi logo destruída por uma coletânea de falhas, a começar pela rentabilidade insuficiente para arcar com a outorga e os investimentos. As mazelas da Odebrecht e a debilidade financeira da Infraero agravaram o quadro.

A crise chegou ao auge com a Covid-19, que fez despencar o movimento no transporte aéreo.

Houve progresso com as concessões nos últimos anos. Os aeroportos privatizados desde 2016 dispõem de modelos contratuais mais sólidos, com participação de fundos de investimento e operadores de bom nome, sem presença estatal ou de empreiteiras.

Tem sido bem-sucedida a prática de agregar terminais rentáveis a outros de menor movimento, que não atrairiam investimentos sozinhos. São notáveis as melhorias em muitos deles.

A devolução do Galeão abre uma nova oportunidade num momento em que o governo prepara a concessão do outro aeroporto da cidade do Rio, o Santos Dumont, uma das joias da coroa, assim como o de Congonhas, em São Paulo.

O modelo proposto nesse caso, que concentra voos regionais e aviões de menor porte, vinha sofrendo críticas de autoridades fluminenses e de especialistas, preocupados com o risco de concorrência predatória com o Galeão, que recebe aviões maiores e detém o maior movimento de carga.

Aventa-se agora uma opção que alinhe melhor o uso dos dois terminais. Potencialmente, ambos poderão ser operados pelo mesmo grupo, o que reforça a necessidade de regulação competente.

Dada a nova conjuntura, o aguardado leilão do Santos Dumont tende a ser adiado. Espera-se que o próximo governo faça uso do aprendizado recente e não interrompa a modernização do setor.

Escola sem tabu

Folha de S. Paulo

Debate sobre gênero deve buscar mais embasamento e menos estridência militante

Aprovou-se no estado americano da Flórida, na semana passada, uma lei que bane o debate sobre orientação sexual e identidade de gênero no ensino primário. A medida se insere na batalha cultural em torno da mal denominada "ideologia de gênero".

A expressão surgiu pela primeira vez em 1998, a partir de embates na Igreja Católica, em uma nota da Conferência Episcopal do Peru. Desde então, tornou-se bandeira de movimentos reacionários nos EUA e na América Latina.

Tais grupos alegam ser necessário proteger crianças de temas inadequados para a idade —uma preocupação pertinente. Entretanto sua causa descamba para uma ofensiva censória sobre o ensino, que ameaça marginalizar meninos e meninas que venham a se identificar como LGBTQIA+, bem como dificultar o combate a gravidez na adolescência e violência de gênero.

No Brasil, iniciativas do tipo têm se espalhado. Segundo levantamento do Movimento Educação Democrática, em 2018 havia ao menos 181 projetos de lei municipais e estaduais com teor semelhante ao da legislação da Flórida.

Coibir abordagens sobre gênero em sala de aula é também pauta ideológica do governo Jair Bolsonaro (PL), em especial após a nomeação de Milton Ribeiro para o Ministério da Educação e de Sandra Ramos, adepta do Escola sem Partido, para a coordenação de materiais didáticos da pasta.

Após sofrer derrotas em série no Supremo Tribunal Federal, a tentativa de censura nas escolas encontra-se juridicamente enfraquecida. Em 2020, por exemplo, o STF considerou inconstitucional parte do plano de educação de Cascavel (PR), que proibia a "adoção de politicas de ensino que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’".

Uma proibição como essa, segundo o relator do caso, o ministro Luiz Fux, "desvaloriza o professor, gera perseguições no ambiente escolar, compromete o pluralismo de ideias, esfria o debate democrático e prestigia perspectivas hegemônicas por vezes sectárias".

Pesquisa Datafolha realizada em 2019 apontou que 54% dos brasileiros defendem que a educação sexual seja abordada nas escolas, contra a opinião de expressivos 44%. Em tema tão divisivo, convém que todos os lados privilegiem o convencimento com base pedagógica, em vez da militância estridente.

O retrocesso como ativo eleitoral

O Estado de S. Paulo.

Para agradar à sua base eleitoral, Bolsonaro tenta promover no ano eleitoral perigosas pautas

Na lista de prioridades do governo Bolsonaro, o interesse eleitoral vem muito antes do que eventual responsabilidade fiscal. Neste ano de 2022, Jair Bolsonaro tem sido pródigo não apenas em anunciar aumento de benefícios sociais, mas também em prometer reajustes e benesses para setores do funcionalismo. É o velho e conhecido populismo fiscal, com dinheiro público sendo usado para angariar votos.

Mas não é apenas a irresponsabilidade fiscal que requer, neste ano, cuidados especiais. Com Jair Bolsonaro na Presidência da República, outro tema exige vigilância redobrada: o retrocesso civilizatório e institucional. Sem ter o que apresentar nas áreas fundamentais de um governo – ao contrário, há muito a esconder na saúde, na educação e na economia –, o bolsonarismo, com a proximidade das eleições, volta sua atenção a demandas específicas dos grupos que o apoiam, além de ressuscitar algumas de suas pautas ideológicas. Mais do que simples bizarrices, essas pautas causam danos.

Tudo isso é parte da grande farsa de tentar apresentar o bolsonarismo como uma causa política relevante, com um propósito definido, capaz de oferecer alguma contribuição ao País. No conto bolsonarista – que não é apenas distante dos fatos, mas rigorosa manipulação –, Jair Bolsonaro estaria travando quixotescamente batalhas ideológicas decisivas contra o comunismo, em prol da família e da liberdade.

Ainda que a farsa convença cada vez menos incautos, é preciso estar em alerta contra a ruína dos padrões mínimos de convivência social e democrática promovida pelo bolsonarismo. Incapaz de construir alguma coisa, o bolsonarismo é hábil em destruir o que outros fizeram. O exemplo mais recente, que está longe de ser o mais grave, foi o novo ataque do governo à Lei Rouanet, publicando novas regras e limitações totalmente arbitrárias para o programa de apoio à cultura.

É impressionante como esse tema ocupa o imaginário bolsonarista. Entre outros efeitos, tal obsessão com a Lei Rouanet, que está longe de ser perfeita, mas tampouco é o horror que os bolsonaristas pintam, manifesta a disfuncionalidade de um governo que faz da perseguição à classe artística uma de suas prioridades. É conduta imoral e inconstitucional.

Na mesma linha do retrocesso eleitoreiro, veem-se movimentos do governo Bolsonaro para diminuir ainda mais o controle sobre as armas de fogo. Tenta-se, por exemplo, dar andamento ao Projeto de Lei 3.723/2019, de autoria do Executivo e que tramita no Senado. É uma proposta perversa. Sob o pretexto de dar segurança jurídica para caçadores, atiradores desportivos e colecionadores, o projeto extingue, entre outros pontos, a marcação que permite rastrear as armas e munições e investigar seus desvios. Por mais que Bolsonaro queira, não é hora de alterar o Código Penal e o Estatuto do Desarmamento para facilitar a vida da milícia e de outros criminosos.

Como se não bastasse, há rumores de possível medida provisória para anistiar armas ilegais, o que seria constrangedor escracho com a lei e o interesse público. E tudo isso é apenas para angariar votos – que, esperase, sejam insuficientes para que Bolsonaro complete sua ruinosa obra.

Entre o ruim e o pior

O Estado de S. Paulo.

Ante o desafio da adequação das leis às inovações do mercado de trabalho, o bolsonarismo só oferece a anarquia, e o lulopetismo, o retrocesso

Um mercado de trabalho em acelerada transformação exige uma legislação trabalhista em constante renovação. Essa obviedade seria indigna de nota se o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, não tratasse os direitos do trabalho como meros empecilhos a serem removidos, e se o líder das pesquisas de intenção de voto à Presidência não propusesse o oposto de uma modernização desses direitos: longe de revisar a reforma de 2017, muito menos aprimorá-la ou complementar suas lacunas, Luiz Inácio Lula da Silva propõe revogá-la por completo.

Promovida pelo governo Temer e laboriosamente deliberada pelo Congresso, a reforma foi um marco jurídico sofisticado de raro equilíbrio social e econômico que atualizou a legislação anacrônica herdada da era Vargas, proporcionando mais liberdade e flexibilidade nas condições de trabalho.

O ex-presidente Lula repete o mantra de que a reforma não gerou empregos e de que flexibilização é sinônimo de precarização.

Em primeiro lugar, não há uma relação causal direta entre reforma e emprego. Uma boa legislação é condição necessária para criar empregos, mas não suficiente. Ofertas de empregos e boas condições de trabalho dependem de investimentos e crescimento econômico. Mas justamente a irresponsabilidade fiscal da gestão lulopetista mergulhou o País na recessão que destruiu milhões de empregos não resgatados até hoje.

Lula gosta de citar como modelo a contrarreforma recém-aprovada na Espanha. De fato, após a crise de 2008, os legisladores espanhóis apostaram na redução à proteção de diversas formas de contratação como uma tentativa de estimular as empresas a empregarem.

Mas a reforma aprovada no Brasil não extinguiu um único direito. Ao contrário, criou novas formas de proteção não contempladas antes dela, como no caso dos trabalhadores terceirizados. Todas as novas modalidades criadas garantem as proteções previstas na Consolidação das Leis do Trabalho e na Constituição.

Entre outras conquistas, a reforma introduziu a regulação do trabalho remoto; criou novas modalidades de contratação temporária, intermitente ou terceirizada; reduziu o excesso de litígios que sobrecarregavam a Justiça do Trabalho; reduziu a insegurança jurídica e consagrou a autonomia e a liberdade de empregados e empregadores ao ampliar suas prerrogativas de negociar condições específicas de suas relações de trabalho; e eliminou a imoral e inconstitucional “contribuição” obrigatória dos trabalhadores aos sindicatos.

A maior crítica que se pode fazer à reforma é que ela não foi suficientemente abrangente. A mazela possivelmente mais grave do mercado brasileiro, a alta taxa de informalidade, que atinge cerca de 40% da força de trabalho, e a consequente lacuna entre os custos e proteções do trabalhador formal e do informal, ainda precisa de soluções mais robustas. Tampouco a legislação brasileira oferece uma regulação satisfatória para contratos entre trabalhadores nacionais e empresas internacionais, ou vice-versa, essencial em uma economia cada vez mais digitalizada e globalizada.

Isso sem falar das megatendências que estão desafiando todo o mundo, como o envelhecimento da população ou as inovações tecnológicas, que exigirão políticas capazes de recriar os sistemas de formação e realocação dos profissionais.

Como já dito neste espaço (O PT não sabe o que é cidadania, 9/1/22), “assim como todo Direito, a legislação trabalhista deve proporcionar, por meio de uma regulação adequada das relações sociais, autonomia e liberdade. Não é barbárie ou anarquia (como propõe Jair Bolsonaro), como também não é cabresto ou sujeição (como propõe Lula)”.

A reforma trabalhista não é um dogma. Como toda legislação ou política pública ela deve ser reavaliada e pode ser revisada pelo Parlamento. Mas não é isso o que propõe o PT. Em seu negacionismo econômico característico, ele quer não só resgatar as políticas que mergulharam o País no desastre econômico no qual agoniza até hoje; deseja retroceder a legislação trabalhista em mais de meio século, de volta às leis da ditadura varguista.

Um debate estéril sobre a Petrobras

O Estado de S. Paulo.

Privatizar ou não privatizar a empresa não diz nada se o debate não estiver orientado por um planejamento estratégico para o Estado no futuro

A Petrobras, mais uma vez, está no centro do debate entre os pré-candidatos à Presidência da República. Há alguns dias, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) e Sergio Moro (Podemos) vieram a público dizer o que pensam sobre a empresa e seu valor estratégico para o País. O estímulo para as manifestações dos pré-candidatos é essa renitente tentativa do presidente Jair Bolsonaro de interferir nos rumos da organização, sobretudo em sua política de preços, a fim de auferir ganhos eleitorais.

Como sói acontecer a cada quatro anos, há muito tempo, os postulantes à Presidência da República apresentam aos eleitores as suas visões e planos para a Petrobras ao longo da campanha eleitoral. É natural. Trata-se de uma empresa de economia mista cujo principal acionista ainda é a União, além de atuar em um segmento estratégico para qualquer país do mundo, o setor de energia. Portanto, esse confronto de ideias sobre o que fazer com a Petrobras faz parte do debate democrático. O problema é a qualidade e o alcance desse debate.

Em primeiro lugar, as manifestações públicas dos pré-candidatos sobre a empresa revelaram que, para alguns deles, a Petrobras é vista como uma extensão do governo federal, uma espécie de puxadinho do Palácio do Planalto para instrumentalizar a execução de políticas públicas. Nada mais equivocado. A Petrobras é uma empresa que tem vida própria, que deve satisfação aos seus acionistas e, portanto, tem de ser administrada de forma competente, como qualquer outra. Seus interesses empresariais não podem ser subjugados por interferências políticas de ocasião.

Os prejuízos dessa má concepção sobre a Petrobras, tanto para os acionistas da empresa como para o Tesouro Nacional, são gigantescos. Lula da Silva tem se esforçado para esconder, mas ainda estão muito frescos na memória dos cidadãos os danos causados pelo sequestro da Petrobras durante os governos lulopetistas. Para enriquecer ilicitamente apaniguados do lulopetismo e camuflar os erros crassos na condução da política econômica, especialmente no governo de Dilma Rousseff, a Petrobras foi tão esbulhada que quase foi à bancarrota. Só não foi porque, como bem lembrou no Estadão o economista José Márcio Camargo, foi salva pelos aportes do Tesouro Nacional, ou seja, pelos impostos que são pagos por toda a população.

Discute-se também se a Petrobras deve ou não ser privatizada. É uma questão recorrente. “A ideia da privatização da Petrobras é histórica e perpassa todas as eleições”, lembrou o cientista político Marco Antônio Teixeira, da FGV-SP. De fato, o modelo de gestão da empresa é um dos mais destacados pontos de divergência entre os pré-candidatos. Mas se trata de uma discussão datada, que remete às décadas de 1940 e 1950. Nas bases em que se dá, a discussão sobre a privatização da Petrobras é um amontoado de narrativas meramente eleitoreiras. Faz parte de uma campanha eleitoral, mas o grau de superficialidade não deixa de ser lamentável.

Privatizar ou não privatizar empresas estatais ou de economia mista, como é o caso da Petrobras, não significa absolutamente nada se o debate não estiver orientado por um planejamento realmente estratégico para o Estado no futuro. O alcance do olhar é um dos traços mais distintivos dos estadistas.

Isso nos leva a um problema ainda mais grave, que é a ausência de propostas sérias para a reconfiguração da matriz energética do País num futuro não muito distante, tema relevantíssimo. Debater sobre a Petrobras é debater sobre petróleo, um recurso natural que, por ser altamente poluente, está em vias de ser substituído por fontes limpas de energia. Ou seja, as mudanças climáticas impõem a governantes e organizações da sociedade civil, no mundo inteiro, a necessidade de um planejamento muito bem delineado para substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia.

Por fim, não se pode desconsiderar que o que alguns pré-candidatos dizem hoje sobre a Petrobras pode não se traduzir em ações concretas caso sejam eleitos, seja por inexequibilidade, seja por incompetência.

Com ida a Moscou, Bolsonaro piora mais imagem do Brasil

Valor Econômico

Não há nenhuma pauta relevante na economia ou comérciop para justificar a tresloucada viagem a Moscou

O presidente Jair Bolsonaro continua disposto a afundar a reputação internacional do Brasil e a usar toda a engrenagem diplomática do país em troca de um punhado de fotos e vídeos dos quais possa tirar proveito com seus eleitores mais radicais, que lhe garantem vaga no segundo turno do pleito de outubro, segundo as últimas pesquisas. É apenas sob essa perspectiva - meramente personalista - que se pode entender a insistência na viagem oficial para Rússia e Hungria, marcada para esta semana. O russo Vladimir Putin mobiliza suas tropas na fronteira com a Ucrânia. O húngaro Viktor Orbán, que ataca instituições e estimula o preconceito contra minorias, pode encerrar seus 12 anos de mandato daqui a menos de dois meses. Ele enfrentará, nas urnas, uma aliança opositora que vai de socialistas a conservadores e busca dar fim a seu governo cada vez mais autocrático.

Na tentativa de se contrapor à constatação de que está isolado, Bolsonaro quer tão somente posar ao lado de Putin, permitindo às milícias digitais tripudiar nas redes sociais e ostentar seu líder com algum peso-pesado da arena global. Uma “photo opportunity” pode resultar oportuna para o presidente e seus seguidores, mas não atende - de novo - aos interesses nacionais. Primeiro, porque a pauta da visita é oca. Não há previsão de assinatura de acordos. No máximo, caso os negociadores acelerem o ritmo, um sobre troca de informações sigilosas na área de defesa e outro sobre transferência de presos.

Segundo, porque os eventos econômicos e empresariais que serão realizados às margens da visita têm tudo para ser pouco produtivos. Eles têm, como justificativa, divulgar a carteira de concessões federais e identificar oportunidades de investimentos privados. No mundo real, a Rússia vem praticamente ignorando os leilões do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), pelo simples fato de que ela tem poucas operadoras para os ativos - como rodovias, portos, aeroportos, linhas de transmissão de energia. Os executivos russos que confirmaram presença em seminário de negócios da Apex já conhecem o Brasil, suas companhias têm escritórios instalados no país e não dependem de um coquetel ou da palestra de ministros para tomar decisões.

E em terceiro, principalmente, porque o momento não poderia ser mais inadequado: milhares de militares russos marcham perto da fronteira e ameaçam uma nação vizinha. Para uma diplomacia que sempre se pautou como construtora de pontes, para um país que assumirá em julho a presidência do conselho de segurança da ONU, só mina sua credibilidade.

Tampouco encontra amparo o argumento de que Bolsonaro quer dar mais atenção aos Brics. O governo brasileiro não teve nenhum pudor em atrasar a capitalização do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), uma das peças mais importantes do bloco, e vários de seus auxiliares - tardiamente demitidos - adotavam discurso sinofóbico. A China, principal parceira comercial e uma das maiores fontes de investimento estrangeiro no Brasil, tem sido alvo de diatribes e até insultos preconceituosos desde 2019. O fundo bilionário para financiar projetos de desenvolvimento e obras de infraestrutura, prometido por Pequim há sete anos, não poderia mesmo sair do papel em ambiente tão tóxico. Desnecessariamente, enquanto durou a administração Donald Trump nos EUA, o Brasil alinhou-se à Casa Branca em brigas que opunham americanos e chineses.

Em sua política externa, Bolsonaro fez um pacote quase completo de isolamento. Ofendeu a primeira-dama da França, distanciou-se de outros países europeus que apoiavam o combate ao desmatamento na Amazônia com doações financeiras, foi o último chefe de Estado do mundo ocidental a cumprimentar Joe Biden pela vitória em 2020, criou tensões inúteis com Alberto Fernández na Argentina, fez o Itamaraty segurar quatro dias uma nota oficial parabenizando Gabriel Boric pela resultado da eleição no Chile.

O presidente já criticou o multilateralismo em plena tribuna na ONU e seu governo omitiu o aumento da destruição de florestas na COP26, do qual já tinha conhecimento, enquanto se comprometia com metas para 2030 e 2050. A imagem do Brasil, ligada em boa parte do último século à de um país que soube usar a interlocução privilegiada e fóruns multilaterais em prol de seus interesses, vai se esvaindo. No lugar, surgem aspereza e brutalidade. Agora, Bolsonaro pode deixar o Brasil aparecer ao lado de um provocador de guerras - talvez até na semana da invasão à Ucrânia -, sem nenhuma pauta relevante na economia ou no comércio para justificar a tresloucada viagem a Moscou.

 

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