Valor Econômico
Como num jogo, eleição depende das skills e
avatares dos candidatos
Eliot Nelson cobriu por muitos anos a
política em Washington, D.C. Entre 2010 e 2017, editou a newsletter “HuffPost
Hill”, que analisava diariamente, com profundidade e bom humor, os bastidores
do principal centro de poder mundial. Há três anos, porém, o jornalista largou
tudo para se dedicar integralmente a um projeto bem diferente: criar um
videogame.
Na verdade, nem tão diferente assim. De acordo com o suplemento “On Politics”, do “New York Times”, Nelson está desenvolvendo um jogo que emula as artimanhas, acordos e trapaças da disputa pelo poder. Contando com a colaboração de analistas políticos com experiência em acompanhar a Casa Branca e de ex-assessores de deputados e senadores, o projeto Political Arena (esse será o nome do game) arrecadou mais de US$ 100 mil numa campanha de financiamento coletivo e sua primeira versão deve sair no fim do ano.
A sacada de Nelson é muito boa. Os
jogadores utilizam um volume inicial de moedas para gastar com as habilidades e
traços de personalidade do político que vão encarnar. Desde o princípio, no seu
distrito eleitoral, é preciso decidir sobre financiamento eleitoral,
contratação de assessores, alianças com políticos tradicionais e, claro,
táticas de campanha. Uma vez eleitos, terão que lidar com votações polêmicas e
se posicionar em relação a escândalos sexuais ou casos de corrupção ao longo da
carreira.
Haverá três tipos de moedas no jogo:
dinheiro, popularidade e influência política. O desafio dos políticos virtuais
será fazer as melhores escolhas possíveis e utilizar esses recursos para
acumular poder e alcançar cargos mais altos. A depender do perfil escolhido,
seu objetivo pode ser chegar à Presidência da República, se tornar um
manda-chuva do Congresso ou simplesmente ser um parlamentar de baixo clero que
se reelege indefinidamente.
Haverá até momentos de luta de chefões,
como disputas de prévias e debates televisionados para todo o país. Em suma,
Political Arena promete ser um misto de SimCity e Clash of Clans, com pitadas
de Street Fighter e Grand Theft Auto.
Em 2018, 29.145 brasileiros buscaram um
cargo como deputado estadual, governador, deputado federal, senador ou
presidente da República - espera-se que mais gente ainda se candidate neste
ano. Nas eleições de 2020, 551.470 pessoas tentaram um lugar na política, seja
como vereador no município mais longínquo ou prefeito da maior cidade da
América do Sul.
Como num videogame, cada candidato possui
um pacote diferente de skills, desenvolvidos ao longo da vida. Alguns
agraciados herdam a influência de seus pais e avós. Outros dispõem de fama, das
subcelebridades aos influencers das redes sociais. Há também os empresários ou
os bem conectados com a elite econômica que conseguem bancar suas campanhas com
doações polpudas. Aqueles que fizeram carreira defendendo interesses
corporativos também costumam ter boa vantagem, seja em sindicatos, quartéis ou
igrejas. E existe quem ascende pela via partidária, depois de assessorar
políticos mais experientes.
Uma alternativa para quem não possui tantas
habilidades é adquirir um “pacote de moedas” que pode aumentar as chances de
ser eleito. De marqueteiros a distribuidores de santinhos nas ruas, passando
pelos disparos em redes de mensagem e anúncios nas redes sociais, tudo tem um
preço e pode incrementar seu poderio na luta pelos votos dos eleitores.
Mas a política também é um jogo de
interação com múltiplas fases. À medida em que se muda de nível, mais poderes
são obtidos. Quem consegue se eleger assume papéis que fornecem visibilidade,
dinheiro ou capital político. A depender do avatar escolhido - existem o
negociador, o populista, o opositor, o defensor de direitos de minorias, os
facilitadores de interesses privados, entre outros - e das posições
conquistadas (comissões, lideranças, relatorias, etc.), aumenta a munição com
mais orçamento para gastar em sua região e mais acesso aos fundos partidário e
eleitoral.
Para vencer a eleição, contudo, não bastam
as próprias habilidades e forças. Nosso sistema político é baseado em partidos,
e funciona como um jogo multiplayer online, em que a agilidade no manuseio das
armas por todos os membros da equipe é determinante para derrotar os inimigos e
vencer a batalha. Sendo assim, a escolha do time (partido) e a definição da
estratégia de ataque (quem apoiar na candidatura presidencial) pode determinar
se o jogador passará de fase, ou não, na eleição.
Os consoles já estão ligados para a versão
2022 do nosso game eleitoral. Os jogadores se posicionam na tela, buscando
aprimorar suas habilidades, e os squads estão sendo formados, com as
negociações das federações e, em breve, a abertura da janela para o troca-troca
de partidos.
A edição atual traz uma novidade que
promete tornar o jogo mais emocionante. Como o chefão está enfraquecido, os
jogadores precisam traçar as estratégias num ambiente de maior incerteza.
Assumir um avatar diferente do usado quatro anos atrás pode custar muitas
moedas (perda de recursos do orçamento secreto) e drenar suas energias (as
redes sociais do presidente são muito poderosas). Por outro lado, a perspectiva
de fazer parte do novo time vencedor pode render muitos pontos na próxima fase
- e quanto mais cedo se aliar a ele, melhores os postos a serem alcançados.
Há também as muitas moedas dos fundos
partidário e eleitoral. Como alguns times contam com um alto estoque de
energia, muitos jogadores tentarão se juntar a eles buscando incrementar seu
portfólio de poderes. Mas cada time, por seu turno, precisa definir se lançará
seu próprio desafiante ao posto de big boss - o que consumiria muitas moedas e
reduziria o estoque a ser disponibilizado aos integrantes da equipe - ou se
simplesmente apoiará um dos dois competidores posicionados para a batalha
final.
O jornalista Eliot Nelson sabe que a política é viciante, e por isso seu videogame pode fazer sucesso. Por aqui, as manobras, tanto no modo sobrevivência quanto no modo criativo, tornam a disputa ainda mais interessante.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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