O Globo
Ao empurrar as mulheres para fora do
mercado de trabalho, as normas sociais acabam induzindo menor geração de
riqueza no país
Há alguns anos, Damares Alves pronunciaria
uma frase folclórica: “menino veste azul, e menina veste rosa”. Gafe política à
parte, a fala da ministra enfatiza que parte da sociedade brasileira abraça
normas de gênero muito rígidas.
Quais seriam as consequências
socioeconômicas destas normas? Uma série de trabalhos científicos de alta
qualidade foca em um aspecto: o fato de que as normas sobre a maternidade têm
um impacto grande e de longo prazo sobre a inserção e performance das mulheres
no mercado de trabalho.
Os melhores estudos dessa área, conduzidos pelos economistas Henrik Kleven, Camille Landais e seus coautores, usam dados administrativos muito detalhados de muitos trabalhadores ao longo do tempo.
Com isso, os pesquisadores conseguem
comparar o que ocorre com a renda de homens e mulheres nos anos anteriores e
posteriores ao nascimento de um filho, em relação a trabalhadores similares que
não tiveram filhos.
Em todos os países onde esses dados
detalhados estão, há uma queda grande na renda total das mulheres nos anos
seguintes à maternidade, mas quase nada ocorre com a renda dos homens. Essa
queda é uma combinação dos seguintes fatores: parte das mulheres sai da força
de trabalho para cuidar dos filhos; e, entre as mulheres que continuam
trabalhando, há uma redução nas horas trabalhadas e uma queda no salário por
hora trabalhada.
Esse efeito não é nada pequeno. De acordo
com tais dados de melhor qualidade, ao longo dos dez anos após a maternidade, a
perda de rendimento de mulheres varia entre um mínimo de 21%, na Dinamarca, a
um número intermediário de 44%, nos Estados Unidos, e a até 61%, na Alemanha.
Existe um grande “imposto maternidade”.
Um argumento comumente utilizado diante
desses dados é que a biologia explicaria essas diferenças. À primeira vista,
essa narrativa não parece absurda. Afinal, o parto e a amamentação recaem sobre
as mulheres.
Contudo, os dados indicam que esse
componente biológico é pequeno. O mesmo grupo de pesquisadores recentemente
publicou um estudo com dados dinamarqueses em que se mede o imposto maternidade
para filhos biológicos e adotivos.
Embora haja um efeito de queda nos
rendimentos um pouco maior nos dois primeiros anos após o parto para filhos
biológicos, no médio prazo o efeito é idêntico.
Isso sugere que são normas e instituições
sociais e econômicas — e não a biologia — que determinam a magnitude desse tipo
de fardo para as mulheres.
Nos últimos meses, tais pesquisadores,
juntos ao economista brasileiro Gabriel Leite Mariante, divulgaram um novo
trabalho, que expande essa análise mesmo para países para os quais esses dados
de altíssima qualidade não estão disponíveis.
Aplicando uma nova metodologia, eles
conseguem estimar de forma razoavelmente confiável o imposto maternidade mesmo
com dados de pesquisas domiciliares.
Com isso, eles conseguem expandir essa
análise para um total de 120 países e fazer um panorama global dessa penalidade.
Curiosamente, o imposto maternidade aumenta à medida que os países se tornam
mais desenvolvidos.
A lógica é a seguinte. Quando os países são
muito pobres, há pouca oportunidade para que pessoas deixem a força de
trabalho, já que boa parte da população está empregada em atividades de
subsistência e precisa trabalhar para sobreviver. Quando a renda dos países
passa a aumentar, passa a haver maior especialização entre trabalhos domésticos
e aquele fora da casa — com o fardo do trabalho doméstico recaindo
desproporcionalmente sobre as mulheres.
Esses fatos ajudam a explicar porque, mesmo
nos países muito igualitários, persiste um hiato entre os rendimentos de
mulheres e homens. Normas e instituições sociais são muito persistentes e se
refletem no imposto maternidade, tornando difícil eliminar o hiato
completamente.
O trabalho também mostra que o Brasil tem
um imposto maternidade maior do que o esperado para o seu nível de
desenvolvimento. A penalidade de rendimento sobre as mulheres nos dez anos após
a maternidade é de 25% na média de países com renda similar a nossa. No Brasil,
ela é de 38%.
Como visto, longe de ser um debate
puramente moral, como pensa Damares, normas sociais têm impactos econômicos
reais. Ao empurrar as mulheres para fora do mercado de trabalho, elas acabam
induzindo menor geração de riqueza no país. Nossas filhas se tornam mais
pobres, mas nossos filhos também.
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