O Globo
Bolsonaro não parece ter ouvido o recado, dada sua insistência em menosprezar textos e atos tão plurais
O ato em defesa da democracia realizado na
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que se desdobrou em
manifestações congêneres por universidades Brasil afora, mostrou o vigor da
sociedade civil, sobre o qual pairava uma sombra de dúvida, dada a apatia
diante de muitos avanços sobre as instituições republicanas.
A notícia relevante do 11 de Agosto é que
essa sociedade demonstrou muito mais apreço e disposição de lutar pela
manutenção do Estado Democrático de Direito do que muitos dos ocupantes de
cargos públicos cuja função é justamente essa.
E agora? O que esse pacto intergeracional
de muitos setores da vida nacional terá como desdobramento prático, num momento
em que se aproximam não apenas as eleições, mas também manifestações de
natureza oposta, marcadas oportunisticamente para o 7 de Setembro, data do
Bicentenário da Independência do Brasil?
Dificilmente Jair Bolsonaro, motor da maioria dos ataques e das maquinações contra o sistema eleitoral brasileiro, e, por conseguinte, contra a própria democracia, recuará da disposição de conclamar seu povo para a guerra daqui a menos de um mês.
O que poderá refluir a partir do que se viu
espalhado pelo Brasil nesta quinta-feira é a disposição de outros atores de
seguir com o presidente nessa marcha batida de insensatez contra a normalidade
e a segurança das eleições e do próprio feriado nacional.
Os militares, sempre eles, são a variável
mais importante e mais difícil de ler nessa equação. Colocadas por Bolsonaro
como bucha de canhão de sua guerra contra o Judiciário, as Forças Armadas são,
por natureza, uma corporação fechada ao escrutínio da imprensa e da sociedade
que foi às ruas no 11 de Agosto.
Ao mesmo tempo que há sinais de
entendimento das três Forças quanto ao desatino que seria dar guarida a
tentativas de Bolsonaro de tentar tumultuar as eleições conforme o roteiro
estabelecido pela Justiça Eleitoral — com ameaças que vão desde o
questionamento da realização do pleito até o não acolhimento do resultado —, há
momento em que elas condescendem com o papel de coadjuvante nesse teatro.
A face visível dessa ambiguidade é o
ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira. Os generais, almirantes e
brigadeiros que não estão tão expostos no noticiário serão os que definirão
para que lado tenderá o pêndulo quando e se as Forças Armadas forem chamadas a
participar de algum questionamento formal ao processo eleitoral.
No “ensaio” para testar os limites sobre os
quais grupos de apoiadores do presidente estão dispostos a avançar,
representado pelo sequestro da Independência, os militares pisaram no freio.
Não fizeram coro à proposta do presidente de alterar o local dos festejos da
Avenida Presidente Vargas para a orla de Copacabana. Importante: não foi
Bolsonaro que “desistiu”.
Foi o prefeito Eduardo Paes que,
demonstrando coragem e responsabilidade, colocou o pé na porta e disse que nada
mudaria. E os militares que, pelo silêncio, deixaram o presidente berrando
sozinho.
Bolsonaro funciona assim: testa a
temperatura da água antes de pular. Até aqui, as autoridades e até a sociedade
haviam tratado de deixar a piscina morninha para ele se espalhar. Neste 11 de
Agosto, a cidadania disse: não mais!
O presidente terá de ganhar no voto se
quiser continuar no poder. Caso contrário, terá de respeitar o resultado das
urnas eletrônicas, seguras e confiáveis, patrimônio da nossa democracia, tão
duramente reconquistada.
Bolsonaro não parece ter ouvido o recado,
dada sua insistência em menosprezar textos e atos tão plurais. A maior dúvida é
se os militares e o entorno do presidente entenderam — ou se continuarão a seu
lado enquanto ele atenta todo dia contra a estabilidade republicana.
Um comentário:
A clareza do texto de Vera Magalhães.
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