Valor Econômico
Seja pelo aperfeiçoamento do teto de
gastos, seja pela adoção de uma nova regra, será preciso focar no controle dos
gastos obrigatórios
O cenário para as conta públicas de 2023
está marcado por incertezas. O projeto de lei orçamentária anual (PLOA)
apresentado na semana passada trouxe projeções irrealistas e prioridades
discutíveis, além de reforçar o quadro cada vez mais disfuncional do Orçamento
brasileiro. Como pano de fundo, há a indefinição sobre uma regra que dê
previsibilidade para a trajetória fiscal de longo prazo, uma vez que o teto de
gastos foi driblado várias vezes pelo governo de Jair Bolsonaro, minando a
credibilidade do instrumento.
No terreno do irrealismo, um dos destaques é o Auxílio Brasil, que aparece no PLOA com valor médio de R$ 405, embora os candidatos à Presidência prometam manter no ano que vem os R$ 600 vigentes no segundo semestre deste ano. Isso deve exigir nova mudança na Constituição, para driblar mais uma vez o teto de gastos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, cogitou na semana passada a prorrogação do estado de calamidade no ano que vem para seguir com o benefício nos atuais R$ 600.
A manutenção do valor atual custará cerca
de R$ 52 bilhões além dos R$ 105,7 bilhões já embutidos no Orçamento, para
atender a um total de 21,6 milhões de famílias. Um programa de transferência de
renda para os mais pobres é sem dúvida necessário e relevante, mas o desenho do
Auxílio Brasil, o sucessor do Bolsa Família, tem vários equívocos, segundo
especialistas em política social. Um dos principais é pagar um valor fixo por
família, independentemente do número de integrantes. Com isso, é menos eficaz
para reduzir a pobreza, além de estimular que pessoas da mesma família se
cadastrem como se morassem separados, para aumentar o valor a ser recebido. Um
programa com problemas de concepção, desse modo, vai se consolidando com um
orçamento elevado, que deve se aproximar de R$ 158 bilhões no ano que vem.
O projeto reserva ainda R$ 14,2 bilhões
para o reajuste dos servidores públicos. Nas contas de Gabriel Leal de Barros,
sócio e economista-chefe da Ryo Asset, um aumento de 5% para o funcionalismo
custaria R$ 17 bilhões em 2023, já acima do valor previsto no PLOA do ano que
vem. Um reajuste de 20%, uma demanda de várias categorias de servidores,
exigiria R$ 67 bilhões nos cálculos de Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal
Independente (IFI). Ele estima ainda que um aumento real do salário mínimo, de
0,5% ao ano acima da inflação de 2023 a 2026, adicionaria cerca de R$ 27
bilhões nesse período, ou quase R$ 7 bilhões por ano, à “ampla lista de gastos
adicionais”.
Barros observa ainda que o impacto gira em
torno de R$ 70 bilhões a R$ 120 bilhões apenas em 2023, sendo ainda maior nos
anos seguintes. “Caso incluíssemos o apetite para a ampliação de investimentos,
emendas de relator e a criação ou prorrogação de renúncias fiscais, a fatura é
ainda mais excepcional”, escreve ele, em post para o Blog do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
No campo das prioridades discutíveis, a
proposta prevê a prorrogação da zeragem dos impostos federais sobre
combustíveis, a um custo de R$ 52,9 bilhões em 2023. É uma quantia muito
elevada para segurar os preços de itens como gasolina e óleo diesel, o que está
longe de ser prioritário.
Os economistas do Banco Safra lembram que a
iniciativa exige a aprovação de uma nova lei pelo Congresso. “Inserir as previsões
de perdas de receitas no orçamento é condição necessária para sua aprovação,
mas é insuficiente para que a medida em si seja posta em prática, pois isso
depende de lei específica”, afirmam eles, ressaltando que “a promessa de
prorrogar a desoneração de combustíveis também dependerá do rápido avanço da
matéria no Congresso após as eleições”.
Cada vez mais disfuncional, o Orçamento
deverá ter em 2023 emendas parlamentares no valor de R$ 38,8 bilhões, de acordo
com o projeto apresentado pelo governo na semana passada. Metade desse total,
ou R$ 19,4 bilhões, se refere às emendas de relator, que constituem o chamado
orçamento secreto. A metade restante é composta pela soma das emendas
individuais e das bancadas estaduais.
Recursos alocados por parlamentares
representam uma fatia cada vez maior do Orçamento, na maior parte dos casos sem
que haja um planejamento cuidadoso ou a adoção de critérios técnicos. Do total
de gastos de custeio e investimentos para a saúde previstos para o ano que vem,
estimados em R$ 20,2 bilhões, R$ 10,4 bilhões terão como origem dinheiro das
emendas de relator. Além da pouca transparência do mecanismo, trata-se de uma
opção ruim e pouco racional para aplicar recursos num segmento tão essencial
como o saúde.
Outro dado que evidencia o tamanho dos
problemas do orçamento brasileiro é a parcela enorme de despesas obrigatórias,
que deve ficar em 93,7% em 2023. Com isso, o governo terá liberdade para
manejar apenas 6,3% dos gastos no ano que vem. Em 2022, o percentual estimado
também é baixo, ficando em 8,4%. Nesse quadro de rigidez orçamentária, o
investimento realizado diretamente pela União tem sido baixíssimo, calculado
por Barros em R$ 22,1 bilhões para 2022 e R$ 23,5 bilhões em 2023.
Com tantas incertezas quanto ao Orçamento
de 2023, ganha força a ideia de uma licença para aumento de algumas despesas no
ano que vem além do permitido pelas regras fiscais como o teto, que limita o
crescimento dos gastos da União à inflação do ano anterior. Essa eventual
válvula de escape, porém, precisa ser bem delimitada, e deve ser utilizada
enquanto se discute uma nova regra fiscal que dê previsibilidade à trajetória
das contas públicas. Os números mais recentes do déficit e da dívida pública
têm sido mais favoráveis do que se projetavam na virada do ano, mas, com o teto
de gastos violado seguidas vezes, permanecem incertezas quanto à
sustentabilidade fiscal.
Seja pelo aperfeiçoamento do teto de
gastos, seja pela adoção de uma nova regra, será preciso focar no controle dos
gastos obrigatórios e na redução das distorções do Orçamento. Sem uma âncora
fiscal crível, os juros de longo prazo não vão ceder para níveis mais baixos,
prejudicando o crescimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário