segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Carlos Pereira* - O bônus desproporcional de ser governo

O Estado de S. Paulo

Emendas impositivas são equivalentes a ‘isonomia salarial’ e retiram incentivos para que parlamentares participem da coalizão de governo

Embora pareça haver consenso quanto à necessidade de o presidente ter discricionariedade sobre “moedas de troca” para que o presidencialismo multipartidário seja minimamente funcional, existe muito ceticismo em relação à possibilidade de reversão das emendas impositivas.

Afinal de contas, por que os parlamentares abririam mão dos poderes conquistados via execução mandatória de suas emendas orçamentárias? Os parlamentares, supostamente, nunca foram tão felizes... O que o novo presidente eleito teria a oferecer aos legisladores?

Decisões coletivas em um Parlamento tendem a ser intransitivas quando desprovidas de coordenação pelo presidente. As maiorias que eventualmente se formam são cíclicas, o que gera maiores custos de governabilidade. E o que é mais grave, instabilidade e incoerência no perfil de políticas públicas aprovadas.

Antes da impositividade das emendas individuais e coletivas, o presidente tinha o poder de exercer a coordenação da agenda legislativa a um custo relativamente baixo aprovando a maioria de suas políticas e reformas.

Por outro lado, os parlamentares que consistentemente apoiavam o Executivo viam suas emendas mais executadas pelo presidente e, consequentemente, aumentavam as suas chances de reeleição.

Já os parlamentares de oposição, que recebiam relativamente menos recursos, topavam jogar esse jogo na expectativa de vir a ser governo amanhã.

Talvez não tenha sido coincidência o fato de a taxa de reeleição nas eleições de 2018 (54%) ter sido bem abaixo da média histórica (68%), gerando assim mais incertezas quanto a sobrevivência eleitoral do parlamentar após a impositividade das emendas individuais em 2015.

As emendas impositivas são equivalentes à “isonomia salarial”. Elas reduzem os incentivos para que parlamentares participem da coalizão de governo, pois todos, indistintamente da condição de ser governo ou oposição, recebem os mesmos recursos. Ou seja, um prêmio que vai automaticamente a todos não incentiva ninguém. Mas a alternativa criada por Bolsonaro, o “orçamento secreto”, se revelou caro e disfuncional.

A chave para que o próximo presidente consiga galvanizar apoio legislativo capaz de revogar as emendas impositivas está justamente no restabelecimento da execução desproporcional de recursos para àqueles que fazem parte da coalizão de governo, conferindo assim um bônus aos mais fiéis para que aumentem as suas chances de sucesso eleitoral.

*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Orçamento secreto é uma excrecência.