quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Cristiano Romero - COP27: a reestreia de Luiz Inácio Lula da Silva

Valor Econômico

Meio ambiente será tema tão ou mais importante na agenda do país nos próximos anos

Não há tema mais oportuno e adequado para o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao centro do poder do que o meio ambiente. Este é o assunto mais relevante da agenda internacional agora e, muito provavelmente, no futuro previsível. É, também, a maior “herança maldita” do atual governo, dada não só a escalada do desmatamento, mas também o desmonte de instituições públicas dedicadas a essa área e a consequente perda de reputação do país no mundo.

O Brasil perdeu o protagonismo conquistado na área ambiental durante mandatos sucessivos de presidentes que deram a devida prioridade ao tema. O presidente Jair Bolsonaro não participou nem da 25ª Conferência do clima da Organização das Nações Unidas (COP25), realizada na Espanha em 2019, nem da COP26, que se deu em Glasgow, no ano passado.

Quando um chefe de Estado, especialmente de um país em desenvolvimento, não vai a reuniões onde lideranças mundiais definem o rumo de temas que interessam à maioria dos habitantes deste planeta, o país que ele representa apequena-se diante de seus pares. Historicamente despossuído de excedentes de recursos de poder, como dizem diplomatas brasileiros, o Brasil sempre usou a diplomacia para obter vitórias em disputas internacionais.

Não é sem justificativa que, desde o fim do regime monárquico, o país investiu na criação de um serviço diplomático de excelência, responsável por nossos principais êxitos na cena mundial. Não é por outra razão que, tradicionalmente, a diplomacia brasileira atua sob dois princípios básicos: jamais intervir em conflitos internos de países vizinhos e, sempre, trabalhar para fortalecer as instituições multilaterais criadas após a Segunda Guerra Mundial.

A agenda ambiental é urgente. Há enorme expectativa quanto à COP27, que começou no dia 6 deste mês e vai até 18 de novembro, sob a presidência do Egito, primeiro país africano a ser sede da conferência. Numa iniciativa digna de elogio, o governador reeleito do Pará, Helder Barbalho (MDB), foi quem teve a ideia de convidar Lula para a participar da reunião. Bolsonaro chamou isso de “usurpação”, uma vez que seu mandato termina em 31 de dezembro. Ora, ele teve duas oportunidades para prestigiar a importante conferência, mas fez “forfait”.

Uma das principais expectativas em relação à COP27 é acelerar o cumprimento do Acordo de Paris. A definição das regras foi realizada na COP 26, em Glasgow. A presidência egípcia buscará imprimir à COP27 a marca da ação, o que envolve os três pilares do regime climático das conferências promovidas pela ONU (a sigla é UNFCCC): mitigação, adaptação e meios de implementação, isto é, financiamento, acesso à tecnologia e capacitação institucional.

O continente africano, por razões óbvias, é o que menos emite gases de efeito estufa - o equivalente a 3% do total. Mas já sofre impactos associados a eventos climáticos extremos. Um exemplo inequívoco de alteração do padrão climático já em curso no continente são as enchentes e secas observadas em Chade, Nigéria, Madagascar, Chifre da África (ou península somali, que inclui Somália, Etiópia, Eritreia e Djibuti no nordeste do continente africano).

Outro possível impacto é a elevação do nível dos mares que banham a parte oriental do continente. Se o fenômeno não retroceder, será uma catástrofe para dezenas de milhões de egípcios que vivem no delta do rio Nilo.

Os países em desenvolvimento esperam maiores avanços nas agendas de adaptação e meios de implementação, historicamente relegadas a segundo plano na trajetória política das conferências do clima. As nações ricas, cuja maioria destruiu seus biomas em meio ao desenvolvimento acelerado de suas economias, se empenham de maneira admirável na identificação dos países poluidores. No entanto, na hora de definir como financiar ações que viabilizem os acordos, a coisa complica. E isso resulta, em grande medida, do fato de a nação mais rica, os Estados Unidos, terem adotado, desde a invasão do Iraque, em 2003, a estratégia de fragilizar propositadamente as instituições multilaterais, fundadas por sua iniciativa no pós-Guerra, com a nobre missão de atuar para evitar novos conflitos em escala global.

Uma sensibilidade política é a expectativa dos países africanos do reconhecimento de circunstâncias especiais da África, no contexto do regime climático. Isso deverá ser visto pode como uma diferenciação indesejável por países em desenvolvimento não africanos.

Os temas que conjugam as posições do Egito com as dos demais países africanos são os seguintes:

1. A adoção da Justiça climática: este conceito foi reconhecido no Acordo de Paris, mas precisa ser traduzido em compromissos implementáveis;

2. Acesso a financiamento, sobretudo para adaptação e perdas e danos. Há forte reivindicação por perdão de dívidas e obtenção de recursos não contabilizados por meio de “grants” (ajudas financeiras);

3. Apoio à agricultura: muitos países africanos são importadores líquidos de alimentos, em particular o Egito. A guerra da Ucrânia os penaliza desproporcionalmente por causa da escassez de produtos e a consequente elevação de preços. As doações de alimentos para os países mais pobres estão sendo afetadas pela redução de recursos das nações ricas (a prioridade agora é a guerra na Ucrânia). Há demanda por desenvolvimento de estratégias e tecnologias agrícolas, segmento em que o Brasil é, ao lado dos EUA, um dos principais protagonistas;

4. Mercado de carbono, que não é percebido como solução para a África, que polui pouco;

5. Criação de sistemas de alertas: A África busca apoio para desenvolver sistemas de satélites, transferência de tecnologias e capacitação;

6. Juventude: os africanos querem a formação de quadros e educação para sustentabilidade e responsabilidade ambiental.

A COP27 é uma oportunidade de ouro para Lula agir como chefe de Estado antes mesmo de receber a faixa presidencial de Jair Bolsonaro. Meio ambiente será tema tão ou mais importante do que economia na agenda do país nos próximos anos, até porque, potência do agronegócio e de recursos naturais, o Brasil terá que cuidar de seus biomas, principalmente a Floresta Amazônica, sem negligenciar o combate urgente à pobreza da maioria de seus cidadãos.

 

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