Valor Econômico
Meio ambiente será tema tão ou mais
importante na agenda do país nos próximos anos
Não há tema mais oportuno e adequado para o
retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao centro do poder do que o meio
ambiente. Este é o assunto mais relevante da agenda internacional agora e,
muito provavelmente, no futuro previsível. É, também, a maior “herança maldita”
do atual governo, dada não só a escalada do desmatamento, mas também o desmonte
de instituições públicas dedicadas a essa área e a consequente perda de
reputação do país no mundo.
O Brasil perdeu o protagonismo conquistado na área ambiental durante mandatos sucessivos de presidentes que deram a devida prioridade ao tema. O presidente Jair Bolsonaro não participou nem da 25ª Conferência do clima da Organização das Nações Unidas (COP25), realizada na Espanha em 2019, nem da COP26, que se deu em Glasgow, no ano passado.
Quando um chefe de Estado, especialmente de
um país em desenvolvimento, não vai a reuniões onde lideranças mundiais definem
o rumo de temas que interessam à maioria dos habitantes deste planeta, o país
que ele representa apequena-se diante de seus pares. Historicamente despossuído
de excedentes de recursos de poder, como dizem diplomatas brasileiros, o Brasil
sempre usou a diplomacia para obter vitórias em disputas internacionais.
Não é sem justificativa que, desde o fim do
regime monárquico, o país investiu na criação de um serviço diplomático de
excelência, responsável por nossos principais êxitos na cena mundial. Não é por
outra razão que, tradicionalmente, a diplomacia brasileira atua sob dois
princípios básicos: jamais intervir em conflitos internos de países vizinhos e,
sempre, trabalhar para fortalecer as instituições multilaterais criadas após a
Segunda Guerra Mundial.
A agenda ambiental é urgente. Há enorme
expectativa quanto à COP27, que começou no dia 6 deste mês e vai até 18 de
novembro, sob a presidência do Egito, primeiro país africano a ser sede da
conferência. Numa iniciativa digna de elogio, o governador reeleito do Pará,
Helder Barbalho (MDB), foi quem teve a ideia de convidar Lula para a participar
da reunião. Bolsonaro chamou isso de “usurpação”, uma vez que seu mandato
termina em 31 de dezembro. Ora, ele teve duas oportunidades para prestigiar a
importante conferência, mas fez “forfait”.
Uma das principais expectativas em relação
à COP27 é acelerar o cumprimento do Acordo de Paris. A definição das regras foi
realizada na COP 26, em Glasgow. A presidência egípcia buscará imprimir à COP27
a marca da ação, o que envolve os três pilares do regime climático das
conferências promovidas pela ONU (a sigla é UNFCCC): mitigação, adaptação e
meios de implementação, isto é, financiamento, acesso à tecnologia e
capacitação institucional.
O continente africano, por razões óbvias, é
o que menos emite gases de efeito estufa - o equivalente a 3% do total. Mas já
sofre impactos associados a eventos climáticos extremos. Um exemplo inequívoco
de alteração do padrão climático já em curso no continente são as enchentes e
secas observadas em Chade, Nigéria, Madagascar, Chifre da África (ou península
somali, que inclui Somália, Etiópia, Eritreia e Djibuti no nordeste do
continente africano).
Outro possível impacto é a elevação do
nível dos mares que banham a parte oriental do continente. Se o fenômeno não
retroceder, será uma catástrofe para dezenas de milhões de egípcios que vivem
no delta do rio Nilo.
Os países em desenvolvimento esperam
maiores avanços nas agendas de adaptação e meios de implementação,
historicamente relegadas a segundo plano na trajetória política das
conferências do clima. As nações ricas, cuja maioria destruiu seus biomas em
meio ao desenvolvimento acelerado de suas economias, se empenham de maneira
admirável na identificação dos países poluidores. No entanto, na hora de
definir como financiar ações que viabilizem os acordos, a coisa complica. E
isso resulta, em grande medida, do fato de a nação mais rica, os Estados
Unidos, terem adotado, desde a invasão do Iraque, em 2003, a estratégia de
fragilizar propositadamente as instituições multilaterais, fundadas por sua
iniciativa no pós-Guerra, com a nobre missão de atuar para evitar novos
conflitos em escala global.
Uma sensibilidade política é a expectativa
dos países africanos do reconhecimento de circunstâncias especiais da África,
no contexto do regime climático. Isso deverá ser visto pode como uma
diferenciação indesejável por países em desenvolvimento não africanos.
Os temas que conjugam as posições do Egito
com as dos demais países africanos são os seguintes:
1. A adoção da Justiça climática: este
conceito foi reconhecido no Acordo de Paris, mas precisa ser traduzido em
compromissos implementáveis;
2. Acesso a financiamento, sobretudo para
adaptação e perdas e danos. Há forte reivindicação por perdão de dívidas e
obtenção de recursos não contabilizados por meio de “grants” (ajudas
financeiras);
3. Apoio à agricultura: muitos países
africanos são importadores líquidos de alimentos, em particular o Egito. A
guerra da Ucrânia os penaliza desproporcionalmente por causa da escassez de
produtos e a consequente elevação de preços. As doações de alimentos para os
países mais pobres estão sendo afetadas pela redução de recursos das nações
ricas (a prioridade agora é a guerra na Ucrânia). Há demanda por
desenvolvimento de estratégias e tecnologias agrícolas, segmento em que o
Brasil é, ao lado dos EUA, um dos principais protagonistas;
4. Mercado de carbono, que não é percebido
como solução para a África, que polui pouco;
5. Criação de sistemas de alertas: A África
busca apoio para desenvolver sistemas de satélites, transferência de
tecnologias e capacitação;
6. Juventude: os africanos querem a
formação de quadros e educação para sustentabilidade e responsabilidade
ambiental.
A COP27 é uma oportunidade de ouro para
Lula agir como chefe de Estado antes mesmo de receber a faixa presidencial de
Jair Bolsonaro. Meio ambiente será tema tão ou mais importante do que economia
na agenda do país nos próximos anos, até porque, potência do agronegócio e de
recursos naturais, o Brasil terá que cuidar de seus biomas, principalmente a
Floresta Amazônica, sem negligenciar o combate urgente à pobreza da maioria de
seus cidadãos.
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