O Estado de S. Paulo
O Poder
Executivo precisa recuperar seu protagonismo na gestão do Orçamento e deixar de
ser encurralado.
O
novo presidente da República continuará refém de mudanças constitucionais caso
queira reforçar o orçamento federal para implementar as políticas públicas que
considera prioritárias para seu governo. Para evitá-las, seu primeiro passo
deveria ser a reformulação das regras fiscais em vigor no País. A reconstrução
do arcabouço fiscal permitiria resgatar o importante papel do Poder Executivo
na gestão do Orçamento. Não será fácil, mas é necessário.
Para melhor entender o que está em jogo, vale apresentar alguns dados da proposta orçamentária que tramita no Congresso Nacional. Relatórios oficiais indicam que os recursos previstos para 2023 na área da Saúde estão no patamar mais baixo da última década, descontada a inflação. Em relação ao presente ano, a redução de gastos é de aproximadamente R$ 16 bilhões. Na Educação, com exceção da complementação do Fundeb, todas as áreas apresentam forte retração de verbas, em comparação com os últimos anos. Os investimentos públicos se encontram no menor valor da série histórica!
Parte
dessa conjuntura tem que ver com a regra do teto de gastos, introduzido na
Constituição em 2016 com o objetivo de impedir o crescimento exponencial do
gasto. Com a expansão inevitável das despesas da previdência e assistência
social, as demais rubricas do Orçamento são literalmente esmagadas pela regra
do teto, mesmo com as despesas de pessoal sob controle. Não há espaço fiscal
sequer para manter o Auxílio Brasil em R$ 600. A proposta orçamentária
discutida hoje no Congresso é literalmente uma peça de ficção.
Na
prática, as despesas públicas estão fixadas no limite do teto de gastos, não
havendo mais espaço para ampliar o orçamento federal, mesmo que ocorresse maior
arrecadação de impostos. Como se trata de um limite previsto na Constituição
federal, o Executivo fica refém de emendas constitucionais, caso queira propor
o reforço de dotações orçamentárias.
Trata-se
de um processo legislativo rigoroso: dois turnos de votação, com quórum
qualificado de pelo menos três quintos dos membros de cada Casa legislativa.
Assim, nossa Constituição se tornou um instrumento de barganha política, um
mecanismo de mútuas concessões, em que o Poder Executivo não tem nem mesmo
direito de veto.
É
fácil de constatar que o atual regime fiscal, ancorado num teto de gastos sem
válvulas de escape, estabelecido numa emenda constitucional, cerceia as
condições essenciais do exercício de poder do presidente da República diante do
Congresso, da sociedade e do mercado. Para aprovar uma emenda constitucional
com o intuito de “descontingenciar” o orçamento público, o Executivo precisa
negociar praticamente com cada membro do Congresso Nacional, o que gera custos
elevadíssimos que consomem recursos, tempo e energia.
Com
isso, o processo de formulação e implementação de políticas de governo fica
restringido. Para promover uma política fiscal redistributiva, o Poder
Executivo depende da tramitação de uma emenda constitucional para ampliar
espaço fiscal no Orçamento. Isso não tem nada que ver com responsabilidade
fiscal.
Por
isso a equipe do presidente eleito tem dialogado com o relator da Lei
Orçamentária no Congresso em busca de nova mudança no teto de gastos. Trata-se
de mais uma “licença para gastar” – a sexta desde 2019 –, alterando a fictícia
proposta orçamentária encaminhada ao Legislativo pelo atual governo, em agosto
deste ano. Há, também, quem defenda a edição de créditos extraordinários
previstos na Constituição, em vez de uma Proposta de Emenda à Constituição
(PEC), para executar gastos por fora do teto de gastos.
Para
além de viabilizar essa nova furada no teto de gastos, deve-se pensar em como
será daqui para a frente. O Executivo precisa recuperar seu protagonismo na
gestão do Orçamento e deixar de ser encurralado. Precisa liderar um diálogo
junto com o Congresso e a sociedade civil para substituir o teto de gastos por
outra âncora fiscal, infraconstitucional, simples e efetiva. Esse é o principal
desafio do novo governo.
A
experiência internacional pode servir de fonte de inspiração para as lideranças
do processo de reconstrução do arcabouço fiscal. Vítor Gaspar, um dos maiores
especialistas internacionais sobre o tema, defende uma regra de controle do
endividamento como âncora fiscal, complementada por uma regra operacional de
gestão, que pode envolver controle do gasto via resultados fiscais. No Brasil,
esse modelo pode salvar o Poder Executivo das mãos das custosas emendas
constitucionais que hoje administram o País na área fiscal.
Mais
ainda, devemos instituir no País as revisões periódicas do gasto, conhecidas lá
fora como Spending Reviews. Introduzi esse tema na agenda
legislativa em 2017, quando apresentei um projeto de lei que foi aprovado no
Senado Federal. Acredito que regras fiscais por si sós não promovem qualidade
do gasto, sendo mais importante apostar em padrões de governança, como ensina
Olivier Blanchard em análises recentes.
O
novo governo precisa ter foco e assumir a liderança do processo orçamentário.
Para tanto, deve cravar uma nova âncora fiscal em terra firme, bem longe da
Constituição federal.
*Senador (PSDB-SP)
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