Lula tem de indicar logo seu ministro da
Fazenda
O Globo
Em vez de reduzir incerteza, nomes reunidos
na equipe de transição despertam ainda mais dúvidas
A campanha eleitoral foi marcada pela
ambivalência do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao tema
mais crítico para seu governo: a política econômica. Nesta semana, em vez de
nomear ministros para a área — como se espera há meses —, Lula procurou lidar
com o suspense por meio da indicação de quatro representantes para a equipe de
transição, liderada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. Foi uma
resposta tíbia. Por dois motivos. Primeiro, os nomes indicados têm visões
diferentes, até antagônicas, aumentando, em vez de diminuir, a incerteza sobre
o programa econômico. Segundo, não se sabe qual deles — se algum — permanecerá
no novo governo.
Em vez de suscitar especulações, Lula deveria ter indicado logo seu ministro da Economia ou da Fazenda, como ele mesmo fez quando vitorioso em 2002, ao deixar a cargo do então coordenador de campanha Antonio Palocci a montagem da equipe econômica. Sabia-se que Palocci seria ministro da Fazenda, a partir daí montou-se um time qualificado, responsável pelo êxito de primeiros anos de governo. Atitude responsável também teve o presidente Jair Bolsonaro na transição do governo Michel Temer. Já na campanha de 2018, ele deixou claro que seu czar econômico seria o ministro Paulo Guedes. Neste ano, Lula semeou dúvidas.
Há, é verdade, motivos para supor que não
haverá desvarios. O principal é a presença como coordenador da transição do
próprio Alckmin, a vida toda reconhecido pela valorização da disciplina fiscal.
Lula também deixou claro que pretende colocar um político na principal pasta
econômica — provavelmente o Ministério da Fazenda redivivo —, de modo a
facilitar as difíceis negociações com o Congresso, onde a direita terá maioria,
em torno da pauta econômica, a começar pela autorização para gastos
excepcionais (waiver) no Orçamento de 2023.
Mas o caráter político das indicações para
a equipe de transição desperta preocupação. Há nela nomes para todos os gostos,
na tentativa evidente de agradar a diferentes públicos. O único economista de
linha ortodoxa, que tem defendido as ideias mais sensatas a respeito do que
fazer para recolocar o Brasil no trilho do crescimento, é Persio Arida, um dos
pais do Plano Real.
Dois dos indicados são adeptos do
desenvolvimentismo que tantas catástrofes provocou ao longo da História: o ex-ministro
Nelson Barbosa (responsável pela desastrosa Nova Matriz Econômica do governo
Dilma Rousseff) e o acadêmico Guilherme Mello, vinculado à Unicamp e formulador
do programa econômico do PT. O quarto, André Lara Resende, também foi um dos
pais do Real, mas recentemente tem defendido mais tolerância com o aumento de
investimentos públicos para tirar o país do buraco.
É difícil saber que tipo de programa de governo emergirá desse time. Barbosa já fez um mea-culpa de erros cometidos no governo Dilma, e tanto Mello quanto Lara Resende, embora críticos do teto de gastos, não são refratários a regras de disciplina fiscal. Diante da incerteza, resta torcer para que prevaleça o bom senso e que cada um dê sua melhor contribuição para o Brasil atravessar o cenário desafiador que se anuncia. Quanto a Lula, precisa indicar com urgência um ministro capaz de arbitrar os conflitos inevitáveis e de transmitir serenidade ao país.
O Globo
Doses de reforço são a melhor proteção
contra as variantes que continuarão a surgir
O súbito aumento da procura por vacinas
contra a Covid-19 em postos de saúde nas últimas semanas, após um logo período
de salas vazias, reflete a preocupação dos brasileiros com o aumento no número
de casos e com uma possível nova onda da doença, num momento em que, graças ao
avanço da vacinação, a população parecia acreditar que o coronavírus era coisa
do passado. Não é, como se vê.
Um levantamento da Associação Brasileira de Redes de Farmácia e Drogarias (Abrafarma) mostra que, entre 17 e 23 de outubro, de 14.970 testes feitos para Covid-19, 2.320 (15,5%) tiveram resultado positivo — na semana anterior, haviam sido 9,36%. Dados de laboratórios particulares reunidos pelo Instituto Todos pela Saúde reforçam a conclusão: entre 8 e 29 de outubro, a taxa de testes positivos saltou de 3% para 17%.
A preocupação aumentou depois da
confirmação, na terça-feira, da primeira morte em decorrência de uma nova
subvariante da Ômicron (BQ.1). A paciente, de 72 anos, fora internada em 10 de
outubro e morreu no dia 17 em São Paulo. Segundo a Secretaria de Saúde, ela
tinha úlceras infectadas e sofria de problemas cardíacos.
O surgimento de novas variantes e aumentos
temporários de casos são cenários esperados na pandemia. Não devem ser motivo
para pânico. Nem para mudanças súbitas na rotina. Grupos vulneráveis, como
imunossuprimidos, devem seguir a recomendação de usar máscaras em locais de
grande concentração, como o transporte púbico. Mas o essencial é que os
cidadãos se vacinem. Não há melhor forma de se proteger contra o vírus.
A despeito das criminosas campanhas de
desinformação, foi significativa a adesão à primeira e à segunda doses da
vacina (85% e 80% da população). Mas o ritmo da dose de reforço — essencial
para proteção contra as variantes — ainda é insatisfatório. Apenas 65% dos
adultos (ou 49% da população) tomaram uma ou duas doses de reforço.
Ajudaria se o Ministério da Saúde começasse
logo a vacinar as crianças de seis meses a 3 anos, que estão desprotegidas. Faz
quase dois meses que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
aprovou a primeira vacina para essa faixa etária, e as doses já chegaram ao
país. Não se sabe se é caso apenas de inépcia ou se há intenção de postergar a
imunização por pressão de movimentos antivacina incrustados no governo.
Embora a rotina do brasileiro já tenha voltado ao normal, o coronavírus não foi embora. A população terá de conviver de tempos em tempos com surgimento de novas cepas e aumento nos casos. Tem sido assim no mundo inteiro. O sobe e desce não deve ter maiores consequências, desde que os cidadãos completem o esquema vacinal recomendado pelo Ministério da Saúde, pois a vacina protege contra casos graves e hospitalizações. A ida ao posto precisa fazer parte da rotina de todos, e não apenas quando uma nova variante nos faz lembrar que o vírus ainda está por aí.
Escolhas econômicas
Folha de S. Paulo
Lula contempla divergência na transição,
mas será inevitável desagradar a alguém
Economistas de correntes diversas de
pensamento foram
chamados para a equipe de transição de governo do presidente eleito,
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que decerto não ajuda a reduzir a incerteza
em torno da agenda a ser adotada a partir de 2023.
O grupo terá Persio Arida, um dos
formuladores do Plano Real e alinhado a teses liberais; André Lara Resende,
também da equipe do Real, mas nos últimos anos defensor de ideias controversas
na área monetária; Nelson Barbosa, ministro durante o estatismo de Dilma
Rousseff (PT); e Guilherme Mello, da Unicamp, atuante à esquerda.
É evidente que os currículos resumidos em
poucas palavras deixam de fora nuances ou até eventuais pontos de concordância
entre os quatro. Parece evidente, entretanto, que as escolhas pretenderam
acenar tanto à militância partidária quanto à vasta parcela da opinião pública
que teme a repetição de erros graves do passado.
Ao longo de oito anos no Palácio do
Planalto, Lula nunca deixou de contemplar, em graus que variavam conforme a
ocasião, as correntes liberal e estatista —para fazer uma divisão
simplificadora.
A primeira teve maior protagonismo em seu
primeiro mandato, quando foram respeitadas metas fiscais e de inflação,
aprovou-se uma reforma previdenciária e, não menos importante, o caríssimo
programa Fome Zero da campanha deu lugar ao focalizado e bem-sucedido Bolsa
Família.
Mesmo nesse período, porém, a ala oponente
dispunha de cargos e influência para patrocinar aumentos de gastos, reajustes
de salários e ativismo nas estatais. Em episódio que ficou célebre, Dilma,
então na Casa Civil, teve em 2005 o apoio presidencial para barrar um ambicioso
plano de ajuste fiscal.
O intervencionismo econômico ganhou força
no segundo mandato, ainda mais quando a crise econômica global tornou
justificável a expansão das despesas públicas e do crédito favorecido por meio
de bancos oficiais. Após a eleição de Dilma, abandonou-se o que restava de
prudência e produziu-se o desastre conhecido.
Desta vez, Lula terá dificuldades
consideravelmente maiores se quiser, mais uma vez, equilibrar-se entre gregos e
troianos. As contas do Tesouro Nacional encontram-se depauperadas, e o governo
depende do mercado credor até para pagamentos cotidianos. Não está no horizonte
o cenário global favorável de duas décadas atrás.
Mesmo admitindo-se uma elevação inevitável de despesas permanentes a partir de 2023, há que indicar logo quem dará as cartas na economia e o que será feito das contas públicas. Não haverá como contentar Arida, Lara Resende, Barbosa e Mello ao mesmo tempo.
As esquerdas e o contexto
Folha de S. Paulo
Vitórias recentes na América Latina não
bastam para atestar uma onda ideológica
Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), o Brasil se soma a Peru, Chile, Colômbia e Honduras na lista de países da
América Latina que elegeram presidentes de esquerda nos últimos dois anos.
Nesse período, foram para a direita apenas o Equador e a Costa Rica.
Houve também eleição presidencial na
Nicarágua, mas, dado que o país se tornou, ao lado de Cuba e da
Venezuela, uma das três
ditaduras de esquerda do continente, não convém equiparar esse
pleito aos outros, todos democráticos.
É possível falar em uma onda de esquerda na
região? Se apenas forem tabulados os resultados, há de fato um 5 a 2. Se
pensarmos em guinada ideológica e de etiologia única no continente, no entanto,
a tese fica mais difícil de sustentar.
Pode haver elementos comuns nessas viradas,
e o resultado de um país é capaz de influenciar o vizinho, porém não há sinais
de que sejam os fatores determinantes.
Uma explicação mais simples e mais
convincente está na Covid-19 e suas implicações econômicas, em especial na inflação,
que tende a ser preponderante em eleições.
A bomba econômico-sanitária veio sem aviso
prévio, precipitando um ciclo de alternância de poder. Países que estavam à
esquerda foram para a direita e vice-versa. Como havia mais governos de direita,
o quadro geral assume a forma de uma marcha à oposição.
Especificidades locais reforçam a suspeita
de que não é a ideologia a causa principal do movimento.
O novo presidente chileno, Gabriel Boric, até venceu com folga de 56% a 44% seu
adversário direitista, José Antonio Kast. Apenas seis meses após assumir o
cargo, contudo, Boric viu a proposta de nova Constituição, que seu governo
apoiava, cair nas urnas. O texto, de
clara inspiração esquerdista, foi rejeitado por 62% dos eleitores.
Não faria sentido eleger Boric por
motivação ideológica e, em seguida, repelir sua proposta de alteração
constitucional, que produziria efeitos profundos e duradouros.
No Brasil, Lula foi o vitorioso, mas por
uma margem estreita inédita (abaixo de dois pontos percentuais), e o novo
Congresso, escolhido pelos mesmos eleitores que deram o terceiro mandato ao
petista, ficou mais à direita. De novo, torna-se difícil ver a ideologia
política como motivação determinante.
Em 2023, eleições no Paraguai, na Guatemala
e na Argentina tornarão o panorama mais claro, para reforçar ou derrubar de vez
a hipótese da "onda de esquerda".
Não há tempo nem espaço para erro
O Estado de S. Paulo
Composição da equipe econômica do gabinete de transição de Lula tenta sinalizar união de esforços, mas o gesto deve se traduzir em ações concretas para resgatar credibilidade fiscal
O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin,
anunciou a composição da equipe de economistas do gabinete de transição de
governo. A indicação de André Lara Resende, Persio Arida, Nelson Barbosa e
Guilherme Mello é positiva e demonstra um esforço pela construção de consensos
a partir de perfis e experiências tão distintas, tudo o que se espera de uma
candidatura que se vendeu como uma frente ampla em defesa da democracia. É
importante, no entanto, que esse gesto se traduza em ações concretas no resgate
da credibilidade fiscal do País e no efetivo enfrentamento de nossas mazelas
sociais.
“Não são visões opostas. São complementares”,
minimizou Alckmin. De fato, todos defendem uma mudança nas regras fiscais, em
especial sobre o teto de gastos, instrumento criado pelo governo Michel Temer e
desmoralizado pela administração Jair Bolsonaro. A nova âncora, ainda a ser
definida e negociada com o Congresso, estaria associada a uma licença para
recompor os gastos do Orçamento de 2023, sobretudo para garantir a execução dos
programas sociais. Na situação em que o País se encontra, no entanto, é preciso
mais do que intenções para enfrentar o rastro de destruição bolsonarista.
Persio Arida e André Lara Resende foram
formuladores do Plano Real, o mais bem-sucedido programa econômico da história
brasileira, e a participação de ambos na equipe de transição é um voto de
confiança inestimável ao novo governo. É um apoio indissociável do legado que o
Plano Real proporcionou ao País no combate à inflação, no fortalecimento da
moeda, na credibilidade de indicadores macroeconômicos, na consistência da
política monetária, na implementação de um câmbio flutuante e, sobretudo, na
consolidação do equilíbrio fiscal – premissa para a execução de qualquer
política pública.
Com a passagem dos anos, Arida e Lara
Resende ampliaram o olhar para as questões sociais. Arida foi um dos seis
especialistas que elaboraram o documento Contribuições para um governo
democrático e progressista, que propôs uma licença temporária para autorizar
gastos de até R$ 100 bilhões para recompor a verba do Auxílio Brasil e de
programas voltados à produtividade, inovação, ciência, tecnologia e
sustentabilidade ambiental. Lara Resende considera que o equilíbrio fiscal não
é um fim em si mesmo e destaca a necessidade de políticas públicas que balizem
investimentos públicos e privados e conduzam a uma política ambiental
sustentável.
Guilherme Mello, o mais jovem do grupo,
teve boa atuação como assessor econômico e interlocutor da campanha de Lula da
Silva. Nelson Barbosa é muito lembrado por ter sido ministro do Planejamento e
da Fazenda no segundo e desastroso mandato de Dilma Rousseff. Foi, no entanto,
um dos responsáveis por apresentar um plano de contenção dos gastos públicos e
de reformas de longo prazo que sucumbiu com a materialização do impeachment.
Antes disso exerceu diversos cargos em Ministérios durante as gestões de Lula. Além
do conhecimento acadêmico, tem experiência prática sobre como funciona um
governo de fato – e, tão ou mais importante do que isso, sobre o que não
funciona.
A composição de uma equipe tão diversa na
área econômica do gabinete de transição sinaliza a união de esforços para
reconstruir um país devastado pelo governo Bolsonaro. É um bom sinal, mas não
passa de um primeiro passo. É preciso agilidade para definir o que virá no
lugar do finado teto, sobre quem será o futuro ministro da Fazenda e, por fim,
sobre a própria condução da política fiscal.
Se o primeiro ano do primeiro mandato de
Lula foi marcado por superávits primários expressivos, 2023 não permite
ilusões. O País está economicamente quebrado e politicamente dividido.
Fundamental para garantir os bons resultados do governo Lula, o cenário
internacional é, no mínimo, adverso. O desafio é enorme. Não há tempo a perder,
tampouco espaço para erro – principalmente os já cometidos previamente. A
irresponsabilidade fiscal que marcou administrações anteriores é uma fórmula
que já foi testada e desaprovada, como mostraram as urnas no mês passado.
ICMS requer reforma, não canetada
O Estado de S. Paulo
Voluntarismo bolsonarista na mudança da
tributação sobre combustíveis derrubou receitas dos Estados e reforçou
necessidade de articulação pela aprovação de ampla reforma
Cinco meses após a aprovação de mudanças na
tributação sobre combustíveis, o impasse que se criou entre os Estados, União e
Congresso está longe de ter fim. Duas leis aprovadas pelo Legislativo neste ano
derrubaram os preços da gasolina e do diesel e geraram uma conveniente deflação
na véspera da eleição presidencial, mas a queda na arrecadação estadual é um
fato e pode comprometer o custeio de políticas públicas nas áreas de saúde,
educação e segurança.
Os Estados acionaram o Supremo Tribunal
Federal (STF) para que derrube as leis que impuseram um teto para a alíquota do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), alteraram a base de
incidência e uniformizaram a cobrança em todo o País. Eles consideram que houve
quebra do pacto federativo e interferência em sua autonomia política, financeira,
orçamentária e tributária. O Legislativo não esconde o incômodo com a
possibilidade de que o STF revise suas decisões – e nem o Senado, Casa que
representa os Estados, quis defendê-los nessa disputa.
Na tentativa de encontrar uma solução
mediada, o ministro Gilmar Mendes criou uma comissão especial cuja atuação se
encerraria no dia 4 de novembro. A pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), no
entanto, os trabalhos foram prorrogados até 2 de dezembro. Como mostrou o Estadão,
as propostas em discussão são tão velhas quanto inoportunas – ajustar a
alíquota do ICMS conforme a variação do preço do barril de petróleo, criar um
fundo de estabilização para amenizar reajustes e compensar as perdas de Estados
e municípios com a redistribuição de royalties de petróleo.
A perspectiva já não era positiva, e tudo
indica que a discussão se dará sob outras bases após a eleição de Luiz Inácio
Lula da Silva, avançando sobre seu mandato. Problemas complexos exigem soluções
complexas, e nada mais simplório do que o que o governo Jair Bolsonaro fez com
a legislação do ICMS sobre combustíveis. É um exemplo educativo sobre a
importância da formulação racional de políticas públicas, algo que passa por
muitas etapas, mas que se inicia, necessariamente, pela correta identificação
do problema, para só então se propor uma solução.
No caso dos combustíveis, o Executivo
partiu de um diagnóstico parcialmente correto. A tributação do ICMS até
favorecia aumentos, mas de forma secundária quando comparada às cotações do
barril de petróleo no exterior, sobretudo em tempos de guerra. Mesmo consciente
desse contexto, o presidente/candidato Bolsonaro abusou de seu poder para impor
mudanças na marra e tentar se livrar do estrago que os preços altos causam em
um ano eleitoral.
Não resta dúvida de que a legislação que
rege o ICMS deveria ser revista – e não apenas no que concerne a combustíveis.
Se a arrecadação do ICMS garante 86% das receitas dos Estados, também é verdade
que tal imposto reúne alguns dos piores defeitos que um tributo pode ter: não
tem regras ou alíquotas uniformes entre os Estados; sua complexidade impõe às
empresas custos que poderiam ser revertidos em investimentos; tem caráter
cumulativo e não incide sobre exportações, mas os créditos que gera não podem
ser apropriados de forma imediata, derrubando a competitividade dos produtos
nacionais; é fonte de permanentes guerras fiscais entre os Estados.
Essa lista de problemas não traz novidades.
São questões que merecem ser tratadas no âmbito de uma proposta de reforma, a
exemplo das que tramitam na Câmara e no Senado. Ainda que não haja consenso
sobre alíquotas, os atores envolvidos concordam sobre a necessidade de unificar
impostos sobre o consumo de bens e serviços, bem como sobre um período de
transição e sobre o pagamento de compensações aos entes que vierem a ser
prejudicados. É algo que vai muito além dos preços dos combustíveis na bomba,
mas é inegável que houve algo vantajoso nessa discussão. O voluntarismo
bolsonarista não resolveu nenhum desses problemas, mas expôs a importância de
resgatar uma articulação por uma reforma tributária ampla – e as consequências
de seus recorrentes adiamentos.
O resgate da agenda ambiental
O Estado de S. Paulo
Não basta reverter o antiambientalismo; é preciso estimular a cooperação entre ambientalistas e agricultores
Como em toda transição a um novo governo,
algumas políticas do incumbente devem ser continuadas e expandidas. Outras
devem ser saneadas. E há as que devem ser radicalmente revertidas. Entre estas,
a mais evidente é a ambiental. “Além de termos retroagido, nesse período a
agenda avançou muito no mundo todo, mas nós não evoluímos juntos”, disse
ao Estadão o ex-secretário do Meio Ambiente João Paulo Capobianco,
que colabora com o novo governo. “Temos de fazer uma ação para corrigir perdas
e danos, com uma necessidade de acelerar a agenda. Em vez de ‘revogaço’, eu
prefiro um ‘avançaço’.”
Primeiro, é preciso frear a dinâmica
antiambiental traçada por Jair Bolsonaro, desativando disposições infralegais
que afrouxaram regras ambientais e restaurando o financiamento e as
prerrogativas dos órgãos de controle. Ou seja, trancar as portas à “boiada” de
que falava o então ministro Ricardo Salles. Depois, é preciso colocar o País na
rota sustentável e acelerar o passo. A retomada de parcerias internacionais
como o Fundo Amazônia é uma sinalização importante. Eliminar o desmatamento
ilegal é prioridade. “Mas”, como aponta Capobianco, “tem que abrir a porta das
atividades econômicas sustentáveis.” Além disso, é preciso abrir espaço no
Orçamento para ações de adaptação a eventos climáticos extremos. Tudo isso
exigirá uma participação transversal da gestão ambiental em todos os
Ministérios, em especial o da Economia.
A degradação ambiental tem causas
sistêmicas e impactos globais, e só será revertida com soluções sistêmicas e
cooperação global. Ao poder público cabe reprimir crimes ambientais e criar um
ambiente regulatório que gere oportunidades. Mas, para serem aproveitadas, é
indispensável a proatividade do setor privado.
Um passo importante foi o Roteiro para redução de emissões e uso da terra
apresentado por 14 gigantes do agronegócio na COP-27. Eles se comprometem a
implementar metas anuais e reportar seus progressos, em especial rumo à
eliminação do desmatamento até 2025. Também esboçam como deverão colaborar com
outros atores, como governos, fornecedores e instituições financeiras, para
fortalecer políticas e regulações e incentivar os agricultores a proteger os
recursos naturais.
Previsivelmente, dezenas de movimentos ambientalistas acusaram em um Manifesto que essas medidas são pouco ambiciosas e insuficientes, especialmente em relação às metas de emissões de metano e de uso de biomas não florestais, como o Cerrado. Mas é preciso sempre ter em conta o impacto das políticas ambientais na segurança alimentar (assim como na energética). Segundo o Manifesto, a eliminação imediata de todo o desmatamento “é tecnicamente e economicamente viável, e os maiores traders e frigoríficos têm o conhecimento, a capacidade e o acesso às ferramentas necessárias para fazê-lo”. A ser assim, esses movimentos têm uma agenda importantíssima, que é esclarecer à sociedade civil e ao poder público, a fim de que eles possam pressionar os produtores, quais são esses conhecimentos, capacidades e ferramentas.
Disputa apertada frustra Trump e
republicanos
Valor Econômico
Se os republicanos vencerem também no
Senado, o que ainda é uma possibilidade, o governo de Biden chega praticamente
ao fim
As eleições de metade do mandato do
presidente Joe Biden se afiguravam como um passeio para os republicanos, com
chances crescentes de tomarem o comando da Câmara e do Senado. Os democratas
foram muito melhor que o esperado e sua derrota, bem menor do que a sofrida
pelos presidentes Bill Clinton e Barack Obama. Desde a guerra civil, das 39
eleições legislativas ocorridas nesta condição, 36 foram perdidas pelo partido
que ocupa a Casa Branca.
Os republicanos precisam de apenas 1 voto
para romper com o empate 50-50 no Senado hoje - a vice-presidente Kamala Harris
tem o voto de minerva a favor dos democratas. Mesmo assim, a disputa nos
Estados que faltam é tão acirrada que é impossível apostar em um vencedor.
Nesta situação estavam ontem Georgia, Nevada e Arizona. Como nenhum dos dois
candidatos à vaga senatorial obterá 50% dos votos na Georgia, a legislação
estadual prevê um segundo turno em 6 de dezembro. A situação é parecida com o
pleito de 2018, quando houve nova rodada nas urnas e os democratas venceram.
Apesar da performance democrata, que
reduziu às devidas proporções o que se previa ser uma avalanche republicana, o
cenário mais provável é que a oposição retomará o comando da Câmara. Os
republicanos conquistaram 7 cadeiras, duas a mais que o necessário para obterem
maioria, mas ainda faltam 44 resultados que podem mudar a soma final. De
qualquer forma, o avanço republicano na Câmara será crucial, embora modesto.
A situação da economia, com inflação de
8,2% em 12 meses, castigou os democratas. A alta dos preços tornou
politicamente desfavorável para Biden uma performance econômica que está longe
de ser ruim. O desemprego no país é um dos mais baixos em décadas, 3,7%, e há
escassez de mão de obra para as vagas em oferta. O PIB cresceu 2,6% no terceiro
trimestre e há apenas sinais esporádicos de recessão a caminho. No entanto, a
inflação pune os mais pobres e os salários, além disso, estão perdendo a
corrida para os preços.
O republicanos centraram fogo na alta
inflacionária, na segurança e na imigração, enquanto que os democratas
conseguiram mobilizar seus partidários e eleitores independentes defendendo o
aborto, cujo direito constitucional foi revogado pela Suprema Corte, de maioria
republicana. Michigan, California e Vermont aprovaram na eleição o direito à prática.
Os eleitores de Kansas, um Estado conservador, rejeitaram uma proposta que o
proibia.
Mais que a disputa convencional entre os
dois partidos, porém, estava em jogo o futuro da democracia americana e a volta
de Donald Trump à Casa Branca. Trump colocou na disputa com seu apoio 300
candidatos a governador, secretário de Estado e procurador-geral (que nos EUA
são eleitos nas urnas). Boa parte deles considera que Joe Biden não venceu de
forma legítima a eleição de 2020 e não reconhecem seu resultado - como Trump.
Várias apostas de Trump deram errado, como
o candidato a governador da Pennsylvania, que participou da invasão do
Capitólio em 6 de janeiro, em infame tentativa de impedir a posse de Biden. Por
outro lado, seu provável rival na disputa pela nomeação republicana, o
governador da Florida, Ron DeSantis, foi reeleito com muita facilidade.
Mesmo uma pequena derrota na Câmara terá
consequências péssimas para os planos de Biden e dos democratas. A
radicalização crescente dos republicanos, cada vez mais inclinados a não
respeitar o jogo eleitoral, levará ao impasse orçamentário e ao shutdown do
governo para barganhar, por exemplo, corte de impostos. Pior, além de impedirem
novas ações legislativas de Biden, eles poderão acabar com a comissão que
investiga a tentativa de golpe de Estado de Trump. Poderão também abrir
investigações sobre Biden - sobre a retirada das tropas do Afeganistão, por
exemplo, ou as peripécias de seu filho Hunter na Ucrânia.
O desempenho melhor que o esperado dos democratas, entretanto, pode se tornar um anteparo às pretensões autoritárias de Trump, que na Presidência se revelou um autêntico escroque, julgando-se até no direito de levar documentos secretos do Estado para casa. Se os republicanos vencerem também no Senado, o que ainda é uma possibilidade, o governo de Biden chega praticamente ao fim, impossibilitado de tomar iniciativas e com uma única arma na mão, a do veto, às armadilhas feitas pelos republicanos.
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