sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Hélio Schwartsman – A sabedoria de César

Folha de S. Paulo

Embora Lula não deva mais nada à Justiça, ele tem uma história que enseja dúvidas

Gaius Julius Caesar tinha o coração duro. Em 63 a.C. ele se tornou "pontifex maximus", sumo-sacerdote da religião de Estado de Roma, posto que atribuía algumas incumbências também para Pompeia, sua segunda ou terceira esposa. No ano seguinte ela organizou em sua residência um festival em honra a Bona Dea (boa deusa), no qual a presença de homens era terminantemente proibida. Mas um jovem patrício de nome Publius Clodius Pulcher se vestiu de mulher e conseguiu acesso à casa. Seu objetivo era seduzir Pompeia.

Clodius foi descoberto por uma criada e acusado do crime de sacrilégio. Num julgamento conturbado, o jovem acabou inocentado, e César, que não se esforçou muito por sua condenação, pediu divórcio de Pompeia dizendo "minha mulher nem deveria ter ficado sob suspeita".

É difícil dizer se César foi um bom ou mau político. A fama e o poder que acumulou sugerem a primeira alternativa; a forma violenta como terminou seus dias, a segunda. Seja como for, ele parece ter acertado em algo ao estabelecer que, na política, aparências podem ser tão importantes quanto os fatos.

Luiz Inácio Lula da Silva talvez não tenha infringido nenhuma lei ao aceitar hospedar-se na casa de um amigo na Bahia e tomar carona para o Egito no jatinho de outro amigo. Embora Lula não deva mais nada à Justiça brasileira, ele tem uma história que enseja dúvidas legítimas sobre seu comportamento ético e tem uma legião de desafetos prontos a explorar politicamente quaisquer deslizes que cometa, tanto os reais como os imaginários.

Lula, que gosta de dizer que, em seu terceiro mandato, não terá o direito de errar, deveria seguir a sabedoria de César e evitar todo tipo de situação que possa colocá-lo em posição suspeita, não importa se real ou imaginária. Na política, as aparências pesam. Algo parecido vale para os ministros do STF que não resistiram a um passeio em Nova York bancado por empresários.

 

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