Folha de S. Paulo
Embora Lula não deva mais nada à Justiça,
ele tem uma história que enseja dúvidas
Gaius Julius Caesar tinha o coração duro.
Em 63 a.C. ele se tornou "pontifex maximus", sumo-sacerdote da
religião de Estado de Roma, posto que atribuía algumas incumbências também para
Pompeia, sua segunda ou terceira esposa. No ano seguinte ela organizou em sua
residência um festival em honra a Bona Dea (boa deusa), no qual a presença de
homens era terminantemente proibida. Mas um jovem patrício de nome Publius
Clodius Pulcher se vestiu de mulher e conseguiu acesso à casa. Seu objetivo era
seduzir Pompeia.
Clodius foi descoberto por uma criada e acusado do crime de sacrilégio. Num julgamento conturbado, o jovem acabou inocentado, e César, que não se esforçou muito por sua condenação, pediu divórcio de Pompeia dizendo "minha mulher nem deveria ter ficado sob suspeita".
É difícil dizer se César foi um bom ou mau político. A fama e o poder que
acumulou sugerem a primeira alternativa; a forma violenta como terminou seus
dias, a segunda. Seja como for, ele parece ter acertado em algo ao estabelecer
que, na política, aparências podem ser tão importantes quanto os fatos.
Luiz Inácio Lula da Silva talvez não tenha
infringido nenhuma lei ao aceitar hospedar-se na casa de um amigo na Bahia e
tomar carona para o Egito no jatinho de outro amigo. Embora Lula não
deva mais nada à Justiça brasileira, ele tem uma história que enseja dúvidas
legítimas sobre seu comportamento ético e tem uma legião de desafetos prontos a
explorar politicamente quaisquer deslizes que cometa, tanto os reais como os
imaginários.
Lula, que gosta de dizer que, em seu
terceiro mandato, não terá o direito de errar, deveria seguir a sabedoria de
César e evitar todo tipo de situação que possa colocá-lo em posição suspeita,
não importa se real ou imaginária. Na política, as aparências pesam. Algo
parecido vale para os ministros do STF que não resistiram a um passeio em Nova York bancado
por empresários.
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