sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Pedro Doria – Equilíbrio de contas

O Globo

Inflação.  Esse é o problema, puro e simples. E, sim, pessoas perdem seus empregos, a economia se contrai

Os sinais vindos do Vale do Silício não são bons e apontam para a pior crise do mundo da tecnologia desde o estouro da bolha das ponto-com em 2000. A esta altura, já fizeram grandes demissões Snpachat, Netflix, Twitter e Meta (Facebook). A elas se juntaram a Stripe, de pagamentos, a Salesforce e a Lyft, concorrente da Uber. Nesta semana, foi a vez da Amazon. Todas demitiram mais de 10% da tropa. No início do ano, já havia entrado em colapso a WeWork. Agora foi a FTX, terceira maior corretora de criptomoedas — que, aliás, no fim agia menos como corretora e mais como esquema de pirâmide. Não é só. Mesmo empresas que não sinalizaram demissões, como Apple e Google, pararam de contratar.

A comparação com a bolha de 2000 não é referência gratuita. Quem estava no Vale naquele tempo e lá continua repete com frequência: a sensação é a mesma.

O assunto é importante e mexe com a vida de todos. Não porque faltarão novidades nos apps que usamos — embora isso também seja verdade. É porque, das dez maiores empresas americanas em valor de mercado, cinco são de tecnologia. Se o setor vai mal, é porque a economia americana vai mal, e, se a economia americana pega um resfriado, a brasileira não para na tosse.

Os lucros trimestrais de quase todas essas companhias estão menores. Seu crescimento diminuiu. A Amazon espera vender menos entre a Black Friday e o Natal. Facebook e Google foram atingidas por uma queda no setor de publicidade. A Apple, cujas vendas dependem de um tipo específico de consumidor que paga mais caro por seus gadgets em todo o mundo, é um raro caso de empresa que não foi atingida pela desaceleração da economia. Ao menos, não ainda.

Há, também, o problema do investimento. O Vale do Silício vive de investimento — de gastar dinheiro hoje em produtos que existirão no futuro, e alguns deles não farão sucesso. Só que dinheiro para investir tem custo. Nos últimos mais de dez anos, com os juros básicos do Fed no chão, esse dinheiro era barato. Não havia muito mais em que colocar o capital em busca de retorno. Mas, à medida que a inflação americana começou a subir, e o Banco Central começou também a puxar o juro para cima, o capital de investimento encareceu. Outras maneiras de conseguir retorno apareceram.

Nos EUA, não tem quem faça o discurso de que o juro sobe para os especuladores fazerem dinheiro. Não: lá, o desenho é compreendido como ele é. Se tem inflação, é preciso combatê-la. Isso é feito pelo Fed, puxando os juros para cima. A ação já está tendo efeito na economia. A inflação está em queda. Mas não sem outro resultado. O dinheiro que se usa para investir ficou mais caro. Evidente. Um título do Tesouro americano pode render menos que a grande novidade da tecnologia, mas o título dá retorno sempre. A grande novidade pode fracassar inteiramente.

O resultado é este a que estamos assistindo. Com menos dinheiro nas mãos, a Amazon olhou para sua assistente Alexa e escolheu diminuir a equipe. O Facebook cortou na moderação e na área de combate à desinformação, porque sua prioridade é botar o que tem no metaverso. O Twitter pôs todas as fichas na esperança de que ter um selo azul valha US$ 8 por mês. A Netflix lançou uma nova assinatura mais barata, que vem com propaganda. Mesmo a Apple, se não diminuiu a tropa, reduziu o número de produtos que está criando para o futuro.

Inflação. Esse é o problema — puro e simples. E, sim, pessoas perdem seus empregos, a economia se contrai, uma recessão está com toda a cara de que vem por aí. Quem conseguir equilibrar suas contas é quem sobreviverá.

 

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