sexta-feira, 18 de novembro de 2022

César Felício - O verdadeiro risco para Lula não está nas ruas

Valor Econômico

Ofensiva contra teto pode fazer mercado mudar premissas

As duas primeiras semanas pós-eleição já deixaram claro que a oposição a ser forjada contra o governo Lula, em um primeiro momento, estará longe do Congresso, da cúpula do Poder Judiciário e da comunidade internacional.

Os primeiros contatos de Lula em Brasília e na conferência de Sharm el-Sheikh mostraram que, no mínimo, deverá haver disposição nestas três searas de não se emparedar o petista.

O clima entre Lula e os presidentes das casas legislativas é de cooperação. É muito possível que o presidente eleito não consiga do Congresso toda a licença para gastar livremente acima do teto em transferência de renda, como pleiteou nesta quarta-feira, mas desde a redemocratização há uma tradição no Brasil, quebrada apenas no governo Dilma Rousseff em 2015, do Legislativo não criar problemas para o chefe do Executivo no primeiro ano de seu governo.

Esta escrita foi observada, por exemplo, quando Sarney assumiu a Presidência em situação de legitimidade discutida à época e mantida no polêmico primeiro ano do governo Collor. Fernando Henrique e Lula aprovaram reformas constitucionais importantes nos primeiros anos de seu governo e mesmo Dilma não teve problemas maiores no primeiro ano de seu primeiro mandato, em 2011.

A relação com o STF e o TCU está mais regida pelo formalismo, mas as cortes sinalizaram com boa vontade em relação à ofensiva de Lula para conseguir do Congresso mais poder sobre o Orçamento. Fora do Brasil, o petista foi recebido de forma apoteótica no evento da ONU no Egito.

Não se pode dizer o mesmo do que se vê nas ruas. O inconformismo com o resultado eleitoral está aí ainda a motivar manifestantes para passar dias e noites à porta dos quartéis pedindo a anulação das eleições ou um golpe de Estado. Isso com Bolsonaro calado. Ou praticamente calado.

Desde a derrota, Bolsonaro falou em duas ocasiões, que juntas somaram 4 minutos e 50 segundos de pronunciamento. Nestes menos de cinco minutos, o presidente passou uma mensagem clara, e apenas uma, para sua militância: contanto que as manifestações fossem pacíficas, elas deveriam continuar.

Um deputado do PT não descarta a possibilidade deste tipo de oposição ter vindo para ficar, ou seja: eles não irão parar, não irão embora. Lula pode ter que lidar com manifestações contestando sua legitimidade desde o início de sua administração.

Um elemento que chama a atenção nas manifestações é que os ataques a Lula e ao Judiciário preponderam em relação ao apoio a Bolsonaro em si. A forma lacônica que o presidente optou por usar em sua comunicação depois de sua derrota está muito aquém do extremismo que viceja nos vídeos de manifestantes postados nas redes sociais.

Em um primeiro momento, circularam com forças mensagens atribuindo o silêncio presidencial a alguma estratégia ardilosa, pela qual Bolsonaro aguardaria evidências que deslegitimassem o processo eleitoral. Nem as Forças Armadas, nem o PL, contudo, aportaram estes elementos. No primeiro caso, foi produzido um relatório que não permite nem atestar a regularidade do pleito, nem descredenciá-lo. No segundo, vazou-se um relatório de uma consultoria contratada pela sigla, que não endossou o documento.

O segundo movimento de parte da militância tem sido no sentido de algum descolamento de Bolsonaro, à medida que se consolide o sentimento de que a derrota bolsonarista nas urnas é irreversível. Partem os golpistas para outros meios para impedir a volta da esquerda ao poder. Poucas coisas não têm nenhuma chance de acontecer no mundo da política e essa parece ser uma delas. Fica garantida, contudo, a agitação e a propaganda.

Não deve vir da oposição nas ruas, contudo, o maior desafio para o presidente eleito. Lula contrata um vetor de instabilidade política para o futuro próximo, à medida em que, com atos e palavras, ele próprio alimenta a incerteza sobre os rumos da economia.

Ficou nítido pela reação depois de seu discurso no CCBB que a tolerância do mercado com liberalidades fiscais do novo governo é baixa. Nesta quinta-feira, na COP 27, Lula redobrou a aposta. Atacou o teto de gastos que procura ferir de morte no Congresso e disse que se o dólar subir e a Bolsa cair, paciência.

Por mais que o presidente e seus apoiadores apontem como credencial de responsabilidade fiscal os resultados positivos de seus primeiros anos na presidência, Lula está unindo palavra e ação para reverter o controle constitucional de gastos e mais, sinaliza procurar uma reversão definitiva.

No errático governo Bolsonaro, davam o benefício da dúvida. Seja porque tudo era e é tão precário no governo que qualquer inovação parece provisória, seja porque boa parte dos operadores do mercado preferisse a reeleição do presidente.

O PT e o presidente eleito podem tratar o mercado como mais uma frente de oposição a combater, mas a recomendação de compra e venda de papéis segue uma lógica. O Brasil é um país em que o Estado depende da venda de títulos para se financiar. Não há muita ideologia nisso, o Brasil ganhou ‘investment grade’ em um governo petista e o perdeu em outro. Levou-se em consideração nos dois casos a capacidade de liquidez do Estado. Quem fez ontem um alerta a Lula, em carta publicada no jornal “Folha de S.Paulo”, ressaltando exatamente este ponto, foi um trio que nada tem de bolsonarista: o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o ex-presidente do BNDES Edmar Bacha e o ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan.

Como disse o governador capixaba Renato Casagrande (PSB) em entrevista publicada nesta quinta-feira, Lula não terá o direito de errar na economia. Os próximos dias irão mostrar se os agentes de mercado passarão a trabalhar com a premissa de que o presidente eleito de fato é indiferente ao comportamento do câmbio e da Bolsa ou se aguardarão um pouco mais para tirarem conclusões sobre as intenções de Lula. Precedentes tanto no Brasil quanto fora sinalizam que crises de confiança na economia se abraçam a crises políticas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Dos jornais: "Guedes e empresários procuram senadores para limitar PEC da transição".

Nem é tanto 'o mercado' não...
Tá mais pra 'A CORJA', 'OS PILANTRAS', 'OS DERROTADOS' e quetais...