segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Bruno Carazza* - Qual o preço de uma maioria no Congresso?

Valor Econômico

Para atrair MDB, PSD e União, Lula terá que ceder pontos de sua agenda

Eliminados da Copa, voltamos à programação normal da política brasileira. Minutos antes do confronto com a Croácia, Lula anunciou o nome dos primeiros cinco ministros escalados para o seu time. Na próxima semana, enquanto Argentina, Croácia, França e Marrocos disputam as semifinais, a PEC da Transição deverá ser aprovada na Câmara dos Deputados.

Na tradição anglo-saxônica, referências a animais são muito comuns para descrever situações e atitudes. Bull (touro) indica o mercado em alta, enquanto bear (urso) é usada para indicar pessimismo; diretores do Banco Central que colocam o controle da inflação acima de todas as outras prioridades são considerados hawks (falcões); já os mais preocupados com os efeitos da política monetária sobre o crescimento econômico são os doves (pombos).

Foi também na bolsa de valores que surgiu a expressão lame duck (pato manco). No início ela foi empregada para descrever um investidor atolado em dívidas. Como a ave com a pata machucada, ele não conseguiria mais acompanhar a manada - outro termo do mundo animal utilizado nas finanças.

O termo lame duck foi incorporado pela política para descrever um político em final de mandato, que não conseguiu se reeleger ou em breve passará o bastão para um sucessor. Como “rei morto, rei posto”, todas as atenções se voltam para o futuro governante, enquanto o atual se arrasta mancando até o encerramento da sua missão.

Jair Bolsonaro inovou na prática do lame ducking. Enquanto líderes normais passam os últimos dias no poder cumprindo a agenda protocolar, encerrando processos e colaborando com a transição, o atual presidente brasileiro saiu completamente de cena, fechando-se num silêncio constrangedor até mesmo para seus seguidores.

Lula aproveitou-se do abatimento pós-eleitoral de Bolsonaro para não apenas dominar o noticiário, como também para adiantar o encaminhamento de soluções para problemas que teriam que ser enfrentados somente após primeiro de janeiro.

A negociação da PEC da Transição com o Congresso cumpre, assim, diversos papéis na estratégia do início de governo de Lula e foi muito facilitada pelo vácuo de poder deixado por Bolsonaro.

Agindo como presidente de fato nos dois meses que antecedem sua posse, o petista abre espaço no orçamento para algumas das suas promessas de campanha, obtém uma licença para furar o teto durante metade do mandato, limpa a pauta para o começo do próximo ano legislativo e de quebra ainda mapeia a base com a qual poderá contar a partir da posse.

No primeiro teste de um governo que nem começou ainda, Lula aprovou a PEC da Transição de goleada no Senado, com 64 votos a favor e apenas 16 contrários - o patamar mínimo para a vitória era 49 senadores de acordo. No placar do plenário, a oposição à proposta fura-teto de Lula foi exercida majoritariamente por nomes bolsonaristas do PL, PP e Podemos.

É bom lembrar, contudo, que a mesma expressão lame duck também é empregada para designar as últimas reuniões de uma legislatura. Assim como acontece com os presidentes, de quatro em quatro anos alguns senadores e deputados vivem a experiência de, derrotados nas urnas, participar de votações sabendo que dali a algumas semanas cederão suas cadeiras para outros representantes.

No Senado atual, haverá uma mudança de 22 cadeiras no ano que vem, pois dos 27 senadores em final de mandato, apenas 5 foram reeleitos - Romário (PL-RJ), Wellington Fagundes (PL-MT), Omar Aziz (PSD-AM), Otto Alencar (PSD-BA) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

Alguém poderia argumentar, portanto, que a aprovação da PEC da Transição não seria uma demonstração de força de Lula para o próximo governo, pois contou com a ajuda de senadores lame ducks e há uma leva de bolsonaristas prontos para assumir em fevereiro do ano que vem: Damares Alves (Republicanos-DF), Magno Malta (PL-ES), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Sergio Moro (União Brasil-PR), Tereza Cristina (PP-MS), Jorge Seif (PL-SC), Cleitinho Azevedo (PSC-MG), Rogério Marinho (PL-RN), entre outros.

Acontece que, segundo meus cálculos, mesmo levando em conta a mudança de composição do Senado no ano que vem, ainda assim a PEC da Transição seria aprovada.

A explicação para a confortável margem de vitória de Lula na sua primeira prova legislativa está no apoio maciço recebido de partidos da centro-direita não identificados com o bolsonarismo - mais especificamente MDB (12 votos a favor), PSD (10) e União Brasil (6).

Não por acaso, trata-se das três principais legendas que estão se reunindo com Lula nas últimas semanas para a expansão da base do futuro governo. Com 136 deputados e 14 senadores eleitos pela sua coligação (incluindo aí o PDT), o petista precisa atrair outras siglas grandes para formar uma maioria sólida no Congresso.

Ao orientarem seus membros a votarem a favor da PEC da Transição, lideranças do MDB, PSD e União Brasil deixam claro para Lula seus cacifes - e assim aumentam seu poder de barganha na busca por ministérios e estatais no futuro governo.

Ao ceder espaço para grupos políticos com os quais não possui afinidades ideológicas em nome da formação de uma bancada forte no Congresso, Lula também terá que renunciar a algumas pautas de sua plataforma de campanha que são contrárias ao interesse desses grupos mais à direita.

Aparentemente, a primeira concessão de Lula foi o orçamento secreto, tão criticado durante os discursos de candidato, mas agora devidamente “amaciado” nas suas falas como presidente eleito. Mesmo que o Supremo condene a constitucionalidade das emendas de relator, os petistas já admitem uma solução ao agrado de Arthur Lira, Ciro Nogueira e Valdemar da Costa Neto. PP e PL, aliás, deram 6 votos para a PEC da Transição no Senado.

Esse é o preço oculto do presidencialismo de coalizão brasileiro, que o novo governo começará a pagar em primeiro de janeiro de 2023. Ministérios, cargos e orçamento nós conseguimos mensurar; porém, quais são os pontos do seu programa de governo que Lula abdicará para ter o apoio de MDB, PSD e União Brasil e integrantes do Centrão?

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ser sócio do Centrão tem seus custos... Lula e nós pagamos nos seus 2 primeiros mandatos! Dilma não quis pagar e não conseguiu se manter...

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois sim,anônimo.