O Globo
A monarquia absolutista do Catar quis se
apresentar ao mundo. Do modo como vimos: ostentação
Camarotes e acomodações especiais para os
VIPs não são novidade nos eventos da Fifa ou em qualquer outro grande jogo de
futebol. Pessoas importantes — chefes de Estado, governantes, artistas,
ex-jogadores, membros da família real do Catar ou simplesmente
caras muito ricos — esperavam essas, digamos, facilidades na Copa. Tiveram
muito mais. Instalações espetaculares, com um detalhe especial: essas pessoas
especiais receberam autorização para não respeitar uma das regras sagradas do
islã, o veto às bebidas alcoólicas.
Por dinheiro.
Quem chegava de carro ao estádio Al Bayt topava com um placa indicando os caminhos: “spectators”, ou seja, os comuns, deveriam dirigir-se à direita para os bolsões mais distantes. Pessoas com ingressos ou credenciais das categorias hospitality, VIP e VVIP (sim, very, very important people) seguiam em frente.
Para os “spectators” (ingressos
“baratinhos”, tipo US$ 300 ), a oferta no estádio era de sanduíches, água e
refrigerantes. Tudo pago, claro. E tinha filas. Do setor hospitality para cima,
a coisa vai melhorando. Ingressos na faixa de US$ 1 mil davam ao espectador um
cardápio simples — sanduíches, por exemplo, mas já podiam tomar cerveja e
vinho. Subindo na escala de preços, o serviço vai melhorando. De US$ 3 mil a
US$ 5 mil para cima (por pessoa, por jogo), o espectador especial tem direito a
frequentar restaurantes de classe.
No ponto máximo, o VVIP tem direito a uma
espécie de lounge, servido por garçons e chefes exclusivos, comida
internacional. E o álcool sobe às alturas: champanhe francês, uísque escocês,
vinhos franceses, conhaque e tequila, da boa. Cerveja, também, para quem tem
gosto mais simples. Ou precisa prestigiar o patrocinador. Os espectadores
comuns podem ver as instalações dos restaurantes e lounges. Não ficam
escondidos.
Isso á cara do Catar e dos Emirados Árabes
em volta. A riqueza é ostensiva. No monumental Dubai Mall, estão todas as
marcas de luxo do mundo. E tem demanda. Filas na porta da Chanel. Em Abu Dhabi,
um dos emirados mais ricos, há uma espécie de franquia do Museu Louvre de
Paris. É pequeno ainda — obras imensas ao lado —, mas com boa e variada
coleção. Exibe um Rodin. Como em todo museu, tem cafeteria para os visitantes.
Água e refrigerante. Mas quem pode pagar mais vai a um restaurante francês,
classudo, deck sobre águas. Ali se serve vinho francês. Sem qualquer restrição
a alimentos.
No Catar, a família real chegava de
helicóptero a um ponto reservado, pegava Mercedes e ia direto para a área VVIP.
Isso e mais os oito estádios quase
suntuosos, localizados num raio curto, sustentam a visão fake que a região
oferece. Considerando a população do Catar — cerca de 3 milhões, apenas 12%
locais —, não há o que fazer com aqueles estádios depois da Copa. Um deles, o
974, levantado com contêineres, será desmontado e doado para algum país
africano. Os outros, dizem que terão usos esportivos e sociais, não
especificados.
Elefantes brancos, caros.
O mesmo vale para as instalações do metrô.
Só servem para multidões se movimentando no mesmo horário — e funcionaram muito
bem. Mas grande parte das estações simplesmente ficará vazia. A elite local vai
preferencialmente de carro, em estradas de cinco pistas, também exageradas para
um pós-Copa. Claramente, a monarquia absolutista do Catar quis se apresentar
para o mundo. E do modo como vimos: ostentação.
Os trabalhadores em obras e serviços são
todos estrangeiros. Chegaram de Nepal, Filipinas, Vietnã, Índia, Bangladesh,
Paquistão. São contratados por empresas de serviços, que os alocam pelos
diversos locais de trabalho. Tanto no Catar quanto nos Emirados, há uma elite local,
outra de estrangeiros, ocidentais, basicamente — executivos e funcionários de
empresas multinacionais. Frequentam escolas internacionais, estão ali de
passagem. E depois os trabalhadores, estrangeiros que fogem de condições piores
em seus países.
Catar é petróleo e gás. Em Dubai, acabou o
petróleo, o emirado tenta se transformar num hub de negócios. Estão
conseguindo. Desse jeito.
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