sábado, 17 de dezembro de 2022

Oscar Vilhena Vieira* - Democracia combatente

Folha de S. Paulo

Grupos reunidos em frente a quartéis não parecem conscientes de que estão cometendo um crime

A democracia liberal é um regime político que se caracteriza pelo pluralismo e pela ampla esfera de proteção à liberdade de expressão e manifestação. Isso não significa, porém, que a democracia deva ser indiferente àqueles que contra ela conspiram.

Da perspectiva jurídica, o maior desafio é estabelecer fronteiras objetivas entre as formas de manifestação protegidas pela Constituição e aquelas que podem ser legitimamente coibidas, especialmente quando estamos nos referindo a manifestações discursivas.

A nova Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (lei 14.197/2021) inseriu no Código Penal brasileiro, em substituição à velha Lei de Segurança Nacional, diversas categorias jurídicas que impõem às instituições de aplicação da lei a defesa vigorosa da democracia em face de seus inimigos.

Foram tipificadas a tentativa de "abolir o Estado democrático de Direito", o "golpe de Estado", caracterizado como tentativa de "depor... o governo legitimamente constituído", assim como a tentativa de "impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado". Nos três casos, não é necessário que o resultado seja consumado. A conduta criminosa só se concretizará, no entanto, se envolver emprego de "violência ou grave ameaça". Trata-se de uma exigência rigorosa por parte do legislador.

A Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito também definiu como crime o ato de "incitar publicamente a animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade".

Para não deixar dúvida sobre a submissão da nova lei ao robusto regime de proteção da liberdade de expressão e manifestação adotado pela Constituição de 1988, o legislador deixou expresso que "não constitui crime" contra as instituições democráticas "a manifestação crítica aos Poderes constitucionais" ou "a reivindicação de direitos... por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações...".

Imagino que muitos daqueles que têm se reunido à frente dos quartéis, munidos de suas bandeiras e palavras de ordem, clamando por intervenção militar, para impedir a posse do presidente eleito, pedindo o fechamento do STF ou prisão de alguns de seus ministros, não têm consciência de que podem estar cometendo um crime. Creem sinceramente estar agindo dentro de suas esferas de liberdade de expressão e manifestação.

De fato, todos têm o direito fundamental de expressar suas opiniões e críticas às instituições, ao resultado das eleições e mesmo expressar suas insatisfações com o sistema democrático, econômico ou social. Podem ir às ruas e reivindicar mudanças no sistema, mesmo que isso cause incômodos (dentro de determinadas balizas) ou que essas mudanças sejam consideradas ilegais.

Os cidadãos não podem, no entanto, empregar violência ou grave ameaça contra as instituições democráticas. Da mesma forma, não podem incitar as Forças Armadas contra essas instituições. Importante que se diga que o crime de incitação se aplica tanto ao presidente da República como ao aposentado embandeirado de porta do quartel, passando pelo general de pijama ou pelo empresário radicalizado.

A democracia combatente é uma postura necessária a ser assumida pelas instituições em momentos em que o regime democrático se veja ameaçado. Trata-se de uma tarefa delicada, que deve ser cumprida na mais absoluta conformidade com a lei. A leniência com grupos radicais, no entanto, tende a ser fatal para a democracia.

*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

 

5 comentários:

Fernando Carvalho disse...

Eles querem uma GUERRA CIVIL-MILITAR. Todo o cuidado é pouco!

Anônimo disse...

Não consigo entender o que seja democracia:
o chamado governo do povo, para o povo, pelo povo
quando um indivíduo malandro, preguiçoso, que tentou fechar instituições, o congresso incluso, tem a bonança deste para ser seu membro vitalicio.
É o espelho onde eles se miram ou miram o povo ?
Nem Maquiavel explica.

Anônimo disse...

Guerra no Brasil? Jamais o brasileiro é muito fraco para fazer guerra. E só ver o vexame da nossa Independência e da nossa história. Os bandidos pululando no Amazonas e os militares deixando. É uma grande desonra para qualquer governo e principalmente para o Bolsonaro que fingidamente protestou contra França acusando-a de quere-la. A leviandade é tanta que muitos jornalistas que se pretendem bem informados acham que ela não pertence ao Brasil.

Fernando Carvalho disse...

Guerra no Brasil. Que vc diz de Canudos, 1932 SP ? Guerra é abominável. Já escrevi neste blog que milico é apenas um terrorista fardado. Quem sonha com guerra civil é o Boçal.E ele se esforçou, hoje no Brasil quase um milhão de bolsonaristas possuem armas de fogo. E isso foi feito com a convivência dos pusilânimes verde oliva.

ADEMAR AMANCIO disse...

Apoiado.