sexta-feira, 25 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Moraes acertou ao aplicar sanção contra o PL

O Globo

Multa foi exagerada, mas punição firme era necessária para partido entender o custo da aventura golpista

O ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), exagerou por diversas vezes durante a campanha eleitoral ao mandar suspender contas em redes sociais ou vetar conteúdos que considerava desinformação, mesmo em veículos da imprensa. Mas acertou em cheio ao negar o pedido do Partido Liberal (PL) para invalidar parte dos votos do segundo turno das eleições presidenciais, sobretudo de locais onde o presidente Jair Bolsonaro foi derrotado.

O relatório usado para justificar o pedido é tecnicamente ridículo e politicamente abjeto. Põe em dúvida a capacidade de auditar urnas antigas, mas apenas no segundo turno — quando Bolsonaro foi derrotado —, e não no primeiro — quando o PL elegeu a maior bancada da Câmara, com 99 deputados. É um argumento primário. Não passa de uma artimanha golpista para alimentar os delírios das hostes bolsonaristas mais radicais.

Ninguém em sã consciência poderia achar que pedido tão absurdo teria chance de ser acatado. A única explicação plausível para a pantomima é jogar álcool nas fogueiras dos movimentos ilegais que bloqueiam estradas e acampam em frente de quartéis para pedir um golpe militar.

Na mesma decisão, Moraes condenou a legenda a pagar uma multa de R$22,9 milhões por “litigância de má-fé”. O valor da multa foi exagerado, mas a punição tinha de ser rigorosa. É inaceitável que o maior partido do Congresso questione sem nenhuma base um dos pilares da democracia brasileira, o sistema eleitoral eletrônico, de confiabilidade e eficácia reconhecidas no mundo todo.

Obviamente não foi por ignorância que o PL se embaralhou na argumentação. Diante da incongruência de pedir anulação apenas do segundo turno, Moraes deu 24 horas para a legenda ratificar o documento com uma auditoria que englobasse os dois turnos. O partido fez ouvidos moucos. Com a manobra, alimenta, entre os bolsonaristas radicais, a narrativa de que Moraes age de modo arbitrário.

Por mais que ele tenha se excedido na campanha, é preciso entender que mesmo a liberdade de expressão tem limites. No Brasil, um deles — explícito em lei sancionada pelo próprio Bolsonaro — é a defesa de um golpe de Estado ou do fim do Estado Democrático de Direito, como muitos fizeram antes e durante a campanha e continuam fazendo nas redes sociais e nos protestos golpistas.

Em sua defesa, o PL afirmou em nota ter seguido o que prevê “o artigo 51 da Lei Eleitoral, que obriga as legendas a realizar uma fiscalização do processo eleitoral”. É verdade que os partidos têm a obrigação de fiscalizar a votação e a apuração, mas isso não significa pôr em questão — com base em argumentos falaciosos e tecnicamente absurdos — o funcionamento de um sistema cuja credibilidade passou incólume até mesmo pelo relatório de técnicos das Forças Armadas, feito sob encomenda para satisfazer às fantasias do bolsonarismo.

Moraes poderia ter sido mais comedido na multa aplicada, de todo modo era preciso uma punição firme para que os integrantes do PL entendessem o custo, num país onde funcionam instituições democráticas, de se sujeitar aos ditames de uma facção ideológica que vive num universo ideológico delirante, situado entre o realismo fantástico e as distopias milenaristas.

Censura e normas absurdas impostas pela Fifa no Catar chegam ao ridículo

O Globo

Além da cerveja proibida, arco-íris da bandeira de Pernambuco foi confundido com símbolo LGBTQIA+

A censura imposta pela Federação Internacional de Futebol (Fifa) e pelos organizadores da Copa do Catar deveria receber cartão vermelho. Desde o início do torneio, cuja preparação foi marcada por denúncias de violações de direitos humanos, pipocam episódios que expõem cerceamento da liberdade de expressão e intolerância.

Capitães de seleções europeias pretendiam usar uma braçadeira com as cores do arco-íris em apoio à causa LGBTQIA+. A ideia teve de ser abortada antes da estreia. A Fifa instruiu os árbitros a dar cartão amarelo ao jogador que exibisse o acessório. A braçadeira é parte da campanha One Love, em defesa da diversidade. As seleções de Inglaterra, País de Gales, Holanda, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha e Suíça planejaram usá-la, mas desistiram por temer as sanções.

Noutra decisão estapafúrdia, a Fifa abriu procedimento disciplinar contra a Federação Equatoriana de Futebol. Motivo: torcedores equatorianos entoaram cânticos contra a proibição de cerveja nos estádios. Para a Fifa, ofenderam o país anfitrião com palavras depreciativas e discriminatórias. A venda de bebidas alcoólicas nas arenas foi proibida em cima da hora, a mando da família real do Catar. Embora tenha entre seus patrocinadores uma cervejaria, a Fifa não contestou a decisão.

A censura chega às raias do ridículo. O jornalista brasileiro Victor Pereira, que trabalha na cobertura do evento, disse ter sido abordado por policiais quando levava uma bandeira do estado de Pernambuco. Os agentes confundiram o arco-íris estilizado com o símbolo da comunidade LGBTQIA+. Como Victor filmou a cena, eles confiscaram seu celular, devolvido só depois de a terem apagado.

Mas não dá para controlar tudo, como mostram três episódios eloquentes. O primeiro ocorreu antes da partida contra o Irã. Jogadores da seleção inglesa, proibidos de usar a braçadeira com o arco-íris, ajoelharam em campo, repetindo o gesto do americano Colin Kaepernick, da NFL, incorporado por jogadores do mundo inteiro em protesto contra o racismo após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos.

O segundo foi o silêncio dos jogadores iranianos durante a execução do hino nacional antes da partida contra a Inglaterra, um protesto em apoio às manifestações que sacodem o país, reprimidas de forma violenta pela teocracia iraniana desde a morte da jovem Mahsa Amini, de 22 anos, presa pela polícia da moralidade sob a acusação de desrespeitar códigos de vestuário.

Finalmente, antes da derrota para o Japão, os atletas alemães aproveitaram a foto oficial para botar a mão na boca simulando uma mordaça. Foi um dos gestos mais contundentes da Copa (a transmissão oficial não mostrou, mas as imagens foram recuperadas depois). A seleção alemã pode ser punida pelo ato.

Felizmente, as decisões ridículas e absurdas da Fifa e dos organizadores não têm ofuscado o espetáculo em campo. Até aqui, os atletas têm mostrado habilidade para driblar a censura. Que a bola continue com eles.

Teto paulistano

Folha de S. Paulo

Covid faz disparar busca por moradia em SP; urgem políticas efetivas e parcerias

A prolongada pandemia de Covid-19 ainda produz consequências nefastas na renda dos brasileiros, sobretudo dos mais vulneráveis.

Na cidade de São Paulo, cujo déficit habitacional é estimado em cerca de 369 mil unidades e já há pelo menos 31 mil pessoas vivendo nas ruas, a demanda por moradia social disparou desde 2020.

A situação se agravou principalmente entre agosto e setembro de 2022, quando o número de paulistanos que declararam não ter renda para pagar o aluguel mais do que quintuplicou em relação aos mesmos meses de dois anos atrás.

Dados da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo demonstram que as inscrições por vagas em programas habitacionais seguem em alta desde janeiro de 2021, quando cerca de 3.000 pessoas entraram no sistema —quase o triplo de janeiro do ano anterior.

Se antes da epidemia a média de novas inscrições mantinha-se relativamente estável, em torno de 800 por mês, a cifra alcançou mais de 2.100 em 2021 e, neste ano, ultrapassou os 3.700.

Já a construção de moradias pela administração municipal ocorre a passos lentos. Entre 2020 e 2021, segundo a Cohab, foram entregues 8.979 unidades, ou apenas 5,3% do total de 166.303 inscrições ativas.

A pandemia também teria impactado o andamento das obras, diz o órgão, já que reduziu o quadro dos prestadores de serviços e a matéria-prima necessária.

O descompasso entre demanda e produção habitacional se projeta temerário para os próximos anos. Estudo da consultoria Econnit estima que a cidade teria de construir em média 73 mil moradias anuais até 2030 para zerar a demanda futura e o déficit atual.

O custo de vida, o desemprego e o consequente aumento da população de rua são fatores determinantes para a piora, mas não só.

Falta à cidade, nas últimas décadas, uma política habitacional mais efetiva. A produção em larga escala em regiões periféricas, carentes de serviços e postos de trabalho, pode provocar efeito contrário, com inadaptação das famílias e retorno a moradias precárias.

São necessárias a indução de novos empreendimentos de interesse social, a requalificação de imóveis desocupados em áreas centrais e a aquisição de unidades da própria iniciativa privada.

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) diz que contempla essas diretrizes no ainda embrionário programa Pode Entrar, que prevê a entrega de 70 mil imóveis até o fim do seu mandato, em 2024.

Para atenuar o déficit habitacional, cabe à prefeitura aplicar com responsabilidade recursos do caixa recorde de R$ 32,6 bilhões, sem abrir mão de parcerias com os governos estadual e federal.

Mordaça chinesa

Folha de S. Paulo

Liberdade de imprensa sofre duro ataque com prisão de jornalistas em Hong Kong

O esforço da China para garrotear as liberdades civis em Hong Kong produziu mais um capítulo abominável nesta semana. Na terça (22), seis editores e diretores do extinto jornal pró-democracia Apple Daily se declararam culpados por conluio com forças estrangeiras perante a Suprema Corte da ilha.

Expediente típico de regimes ditatoriais, a admissão forçada foi a solução desesperada encontrada pelos jornalistas para tentar atenuar as penas de uma acusação que, segundo a lei de segurança implementada no território, pode levar a uma absurda prisão perpétua.

Os ex-funcionários do jornal disseram ter apoiado, ao lado do magnata Jimmy Lai, dono do Apple Daily e crítico do regime comunista chinês, pedidos de sanções e bloqueios econômicos de outros países contra a China entre julho de 2020 e junho de 2021. Parte do grupo deve ainda depor contra o próprio Lai, cujo julgamento deve começar no próximo mês.

Introduzida em Hong Kong em 2020 como resposta à tormenta política desde o ano anterior, a lei de segurança interferiu no sistema judicial e implantou uma polícia política na região —tornando letra morta o acordo que garantia a autonomia do território.

A despótica norma criou os crimes de subversão, secessão, conluio com forças estrangeiras e atos terroristas, que foram amplamente definidos para tornar toda forma de oposição ao regime passível de penas pesadas de prisão.

Em 2021, a ditadura desferiu seu golpe mais vistoso, forçando o fechamento do Apple Daily, um periódico que desde 1995 vinha se notabilizando pela defesa da democracia, bem como por denunciar a repressão e a perseguição chinesa contra manifestantes e dissidentes.

O grau de cerceamento à mídia imposto pela China pode ser medido pela evolução da ilha no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras. No curto espaço de 20 anos, Hong Kong passou do 18º lugar para o 148º —tendo perdido nada menos que 68 posições de 2021 para 2022.

A tirania de Pequim vem conseguindo prejudicar até o ambiente de negócios do território. Analistas apontam uma fuga de cérebros nos últimos dois anos, quando cerca de 200 mil honcongueses e estrangeiros deixaram a região.

Pelo visto, não será simples para o regime repetir em Hong Kong a perigosa fórmula de repressão e prosperidade que, ao menos até agora, tem funcionado na China.

Excessos que enfraquecem a democracia

O Estado de S. Paulo

A tentação do excesso do poder está presente em toda a parte, seja na multa de R$ 22 milhões pela litigância de má-fé do PL, seja nas propostas bolsonaristas. A régua deve ser sempre a lei

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez muito bem em indeferir, em razão da inépcia da inicial, o pedido do PL para anular os votos de 279,3 mil urnas eletrônicas no segundo turno das eleições presidenciais. Sem ter nenhum fundamento na realidade, a ação judicial proposta pelo partido de Jair Bolsonaro era uma manobra inequívoca para criar confusão e instabilidade no País. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, agiu corretamente, portanto, ao pôr fim, de forma célere e fundamentada, a mais esse movimento golpista do bolsonarismo.

A celeridade da decisão da Justiça Eleitoral foi especialmente importante tendo em vista o cenário inédito – e absolutamente excepcional – de enfrentamento do resultado das eleições presidenciais por parte de grupos ligados ao presidente Jair Bolsonaro. No regime democrático, a parte derrotada nas urnas não tem direito de bloquear estradas para protestar contra o resultado eleitoral ou de pedir intervenção militar porque seu candidato perdeu. Tudo isso é puro golpismo, a merecer a aplicação rigorosa da lei por parte do Judiciário.

No entanto, mesmo considerando todas essas circunstâncias excepcionais, é preciso reconhecer – não há como tapar o sol com peneira – que o presidente do TSE se excedeu ao aplicar ao PL, por litigância de má-fé, uma multa de R$ 22.991.544,60. Não é assim que a Justiça deve atuar. Não é assim que se protege a democracia. Há uma compreensão equivocada do Direito, que depois gera danos muito além do caso concreto, quando um juiz se acha no direito de punir por seus próprios critérios. O Estado Democrático de Direito não funciona assim.

Nessa história há uma grande ironia. Com a atuação desproporcional de Alexandre de Moraes, o bolsonarismo prova na própria pele o remédio que continuamente pede que seja aplicado aos outros. A visão do Direito que subjaz nas bandeiras punitivistas de Jair Bolsonaro é rigorosamente seletiva e arbitrária. Basta ver as insistentes tentativas de ampliar a excludente de ilicitude para policiais. Nessa proposta, há a ideia de que, para combater o crime, o agente público pode ir além dos limites legais. No momento concreto da ação, ele deveria ter a prerrogativa de usar impunemente seus próprios critérios, suas próprias medidas.

Outro exemplo é a proposta bolsonarista – foi um dos 22 compromissos da campanha de Jair Bolsonaro neste ano – de acabar com a audiência de custódia. Previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica), trata-se de ato processual no qual a pessoa que foi presa é apresentada em seguida a um juiz para avaliação da legalidade da prisão e da regularidade do flagrante. Além de evitar prisões ilegais, a medida serve para verificar eventual ocorrência de tortura ou de maus-tratos. Jair Bolsonaro não gosta da audiência de custódia: deseja que o Estado tenha um poder de prender bastante alargado, sem especiais controles.

Mencionam-se esses casos para ilustrar como está presente, nas mais diversas cores ideológicas, a tentação do excesso do poder. É bastante difundida a ideia de que, em determinadas circunstâncias, seria benéfico que o Estado pudesse ir um pouco além do que determina a lei – e do que dispõe a jurisprudência – para proteger bens jurídicos especialmente importantes. É preciso muito cuidado. Por exemplo, a punição exemplar – que tantas vezes se pede – não pode ser entendida como punição além dos limites, como se determinado caso exigisse uma pena excepcional. No Estado Democrático de Direito, o grande exemplo a ser dado por todos, especialmente pelas autoridades públicas, é o respeito aos limites da lei. Excepcionalidades não produzem paz pública, tampouco protegem adequadamente a democracia.

O bolsonarismo tensiona, com intensidade e frequência inéditas, o Estado Democrático de Direito. Mas isso não legitima usar com ele os seus métodos antirrepublicanos, fundados em critérios pessoais e seletivos. A régua é a lei, e não a vontade de quem tem o cassetete ou a caneta.

Nomeações marotas

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro corre para preencher vagas na Comissão de Ética da Presidência, com claro objetivo de fustigar Lula, e em agências, para aparelhá-las; cabe ao Senado fazer sabatinas efetivas

O mandato do presidente Jair Bolsonaro só termina no próximo dia 31 de dezembro. Até lá, obviamente, estão resguardadas todas as prerrogativas do chefe do Poder Executivo dispostas no artigo 84 da Constituição. Uma delas é a de “dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos” (inciso VI, alínea “a”).

Do ponto de vista estritamente formal, pois, não há qualquer reparo a ser feito sobre as recentes nomeações de Bolsonaro para a importantíssima Comissão de Ética Pública da Presidência. No dia 18 passado, Bolsonaro nomeou dois aliados muito próximos para integrar o colegiado: o atual ministro da Secretaria de Governo, o economista Célio Faria Junior, e o advogado João Henrique Nascimento de Freitas, chefe da Assessoria Especial do presidente da República.

Uma vez publicado o decreto do presidente no Diário Oficial, nada pode ser feito a respeito dessas nomeações para a Comissão de Ética Pública, seja do ponto de vista político, seja no âmbito do Poder Judiciário. Afinal, a Comissão de Ética Pública é um órgão consultivo a serviço da Presidência da República e dos ministros de Estado. Seus sete integrantes, que têm mandato de três anos e não recebem salário, não passam pelo crivo do Senado e só podem ser substituídos em caso de renúncia.

Diante do histórico antirrepublicano de Bolsonaro, pode-se inferir qual seja a intenção do presidente ao correr para preencher as duas vagas remanescentes para a Comissão de Ética Pública, faltando apenas poucas semanas para deixar o cargo. E, pior, indicando para o colegiado – que tem por missão aplicar o Código de Conduta da Alta Administração Federal, analisar casos de conflito de interesses e estabelecer quarentenas para ocupantes de cargos públicos – duas pessoas que não parecem reunir as credenciais para o relevante serviço público que haverão de prestar, a começar pela “idoneidade moral” e “reputação ilibada”.

Célio Faria Junior é tido como um bolsonarista da chamada “ala ideológica” e já foi apontado como membro do “gabinete do ódio”, a máquina de destruição de reputações e fabricação de mentiras urdida no seio do atual governo, como revelou o Estadão. Por sua vez, João Henrique Nascimento de Freitas trabalhou durante sete anos com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio e foi um dos investigados pelo esquema das “rachadinhas” no gabinete do senador quando ele era deputado estadual. Presume-se que ambos tenham sido nomeados exclusivamente para fustigar o futuro presidente Lula da Silva.

No crepúsculo de seu governo, Bolsonaro ainda publicou uma série de indicações para as cúpulas de oito agências reguladoras, que têm capacidade de causar problemas para o próximo governo ao dificultar ações administrativas. Trata-se de aparelhamento explícito, pois esses indicados terão mandato de quatro anos.

Ademais, foram preenchidos diversos postos diplomáticos no exterior. Entre estes, está a indicação de Marcela Braga, uma assessora da primeira-dama Michelle Bolsonaro, para chefiar o vice-consulado do Brasil em Orlando (EUA), a despeito de se tratar de uma diplomata recém-promovida pelo Ministério das Relações Exteriores, à frente de colegas mais experientes.

Ao contrário dos indicados para a Comissão de Ética Pública da Presidência, todos os indicados para as agências reguladoras e postos de representação do País no exterior devem ser sabatinados pelo Senado, como determina a Constituição. Espera-se que a Casa exerça bem a sua prerrogativa constitucional, o que, na prática, significa realizar, de fato, uma sabatina, e não uma confraternização com os indicados pelo Palácio do Planalto, como sói acontecer.

Alguns dos indicados por Bolsonaro para integrar as agências reguladoras estão sendo sabatinados pelos senadores num “esforço concentrado”, o que causa enorme estranheza. Uma sabatina bem feita não se coaduna com açodamento.

As sabatinas do Senado não são meros atos protocolares. A avaliação dos senadores não pode ser orientada por quaisquer arranjos de natureza político-partidária nem tampouco servir como simulacro de uma exigência constitucional. Isso seria ferir de morte a própria ideia de República.

Incertezas já impõem custos

O Estado de S. Paulo

Temores sobre o futuro governo fazem subir os juros e prenunciam dificuldades para a retomada econômica

Talvez pareça paradoxal a deterioração observada no ambiente dos negócios no momento em que as expectativas com relação aos programas e ações do futuro governo deveriam estar gerando algum otimismo. Mas, em lugar de inspirar confiança e esperança, a equipe de transição de governo, estimulada pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, semeia dúvidas sobre como administrará os recursos públicos e alimenta insegurança e incertezas que perturbam o ambiente econômico.

Coincidência ou não, a confiança dos agentes econômicos decai na transição. Medida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a confiança do empresário industrial caiu entre outubro e novembro em todos os 29 setores analisados. Também diminuiu a confiança do consumidor medida pela Fundação Getulio Vargas.

Já há reações práticas, e elas têm preço. Implicam encarecimento da rolagem da dívida pública, mais custos financeiros para empreendedores e consumidores, riscos para investimentos e para iniciativas destinadas a gerar empregos, entre outros efeitos. Os juros sobem, e já se fala em taxa Selic de 15% ao ano em algum momento do futuro próximo (hoje está em 13,75%).

Em ambiente marcado por incertezas, decisões podem ser adiadas ou alteradas. Não se trata apenas de aplicar mais ou menos neste ou naquele ativo financeiro com o objetivo de ganhar dinheiro com movimentos especulativos – que, ressalve-se, por serem naturais nesse tipo de operação, não constituem ilícito nem falha moral. Máquinas podem deixar de ser compradas, decisões de consumo podem ser adiadas, contratações de funcionários podem ser suspensas, investimentos deixam de ser realizados, a economia perde ritmo.

O cenário global desfavorável, marcado por inflação alta e redução da atividade econômica, é, por si só, poderoso fomentador de incertezas. O modo irresponsável com que a equipe de transição propôs assegurar o pagamento do benefício do Auxílio Brasil (agora novamente chamado de Bolsa Família) livre do teto de despesas e as dificuldades nas negociações da proposta no Congresso realimentaram a insegurança gerada pela falta de informações sobre as políticas do futuro governo no campo econômico-fiscal.

Não sem razão, analistas privados e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, advertem para a eventual necessidade de aperto da política monetária – ou seja, juros ainda mais altos, quando deveriam começar a cair – caso haja problemas na gestão das contas públicas no próximo governo.

Na ata de sua mais recente reunião, o Comitê de Estabilidade Financeira (Comef) do Banco Central faz referência ao aumento da incerteza no sistema financeiro e deixa claro que “o impacto mais severo continua sendo o observado no cenário de quebra de confiança no regime fiscal”. Adiante, reafirma que “o aumento dos gastos públicos e a incerteza sobre a trajetória do endividamento podem elevar os prêmios de risco e as expectativas de inflação”. Como, com essa avaliação, não colocar a alta dos juros como possibilidade real?

Cenário externo para de piorar e dá trégua a emergentes

Valor Econômico

Salvo piora substancial, o cenário externo terá menos influência sobre o Brasil do que o cenário doméstico

A economia global pode escapar de uma recessão e nos países onde ela é ainda provável, os da zona do euro e Estados Unidos, a contração pode ser suave e de curta duração. Os indicadores econômicos do início do último trimestre estão um pouco melhores que os esperados, ainda que confirmem desaceleração ampla das atividades na China, EUA e Alemanha. O ímpeto de valorização do dólar perde fôlego. A temida crise nos países emergentes não aconteceu. As condições financeiras no último mês mostraram suavização. As incertezas permanecem elevadas e podem mudar o cenário, hoje menos carregado do que quando o Fed americano, seguido depois pelos principais bancos centrais do mundo, começou a acelerar o aperto monetário.

O Fed resolveu reduzir o ritmo de alta para avaliar os resultados obtidos, o que deve ocorrer na reunião de dezembro, e o Banco Central Europeu se divide a respeito de fazer a mesma coisa, depois de elevar o juro básico em 0,75 ponto percentual, para 1,5%. De toda forma, ambos publicaram em suas atas que o juro terá de subir mais e, no caso do Fed, a taxa terminal será maior que a prevista - os mercados financeiros a estimam em 5%.

Ao contrário das crises anteriores, os países emergentes evitaram os desastres comumente associados à valorização do dólar, aversão a risco e fuga de capitais (Valor, ontem). O acúmulo generoso de reservas na maior parte deles formou um poderoso escudo na área externa, que era aonde antes as tempestades primeiro se formavam. A alta globalizada da inflação levou-os a que começassem a subir os juros para combatê-la antes do que o Fed e o BCE.

A rigor, nem mesmo as moedas emergentes estiveram à frente da instabilidade cambial diante de um dólar muito valorizado. Segundo a consultoria Oxford, tomando por base a média do valor de suas divisas ponderadas pelo comércio externo em relação ao dólar, sua depreciação foi a metade da observada nas moedas dos países desenvolvidos. Pelo menos até agora, não houve grandes defaults e suspensão de pagamentos em grande parte do mundo emergente, como se temia diante do aumento significativo de seu endividamento externo após a crise financeira de 2008.

A China não será o motor da economia global este ano e no próximo (as projeções da OCDE são de crescimento de 3,3% e 4,6%, abaixo das metas do PC chinês), mas pode agir como freio. A política contra a covid-19 paralisa regiões econômicas fundamentais do país e começou a afetar a produção industrial, um movimento que, caso se prolongue, pode mais uma vez trazer distúrbios a cadeias globais de produção - espalhando escassez de oferta e inflação.

Por outro lado, o governo chinês passou a dar crédito às incorporadoras imobiliárias, epicentro de grave crise após a quebra da Evergrande, a maior delas. Não se trata de farra de empréstimos - são direcionados a empresas relevantes e pouco alavancadas, isto é, as que têm capacidade de sobreviver e crescer após os tumultos nesse mercado.

A zona do euro, segundo a OCDE, vai resvalar na recessão, assim como os EUA, em 2023, ambos com crescimento previsto de 0,5%. A probabilidade de isso ocorrer é muito maior na área do euro, cujo motor, a economia alemã, está parando. No terceiro trimestre, o bloco monetário cresceu 0,2% em relação ao período anterior e 2,1% em doze meses. Os dados dos índices de gerentes de compras, no entanto, mostram desaceleração na indústria e em serviços. Ainda assim, as previsões mais pessimistas, de contrações de até 5%, se atenuaram para -1,5%. Mais importante, a crise energética aberta com a guerra na Ucrânia pode ser menos destrutiva do que se imaginava, com a recomposição dos estoques de gás já feita após a interrupção do fornecimento russo.

Nos EUA, segundo ata do Fed, os economistas veem chance de recessão de 50%. Mas o consumo tem se provado mais resistente, assim como os investimentos, e o desemprego não dê sinais de aumento. Pelo andar da economia até agora, tudo indica que se ela ocorrer, deverá ser breve.

Salvo piora substancial, o cenário externo terá menos influência sobre o Brasil do que o cenário doméstico. As perspectivas fiscais deterioraram os preços dos ativos, mas a definição sobre o que o novo governo pretende fazer pode mudar esta situação rapidamente, se for na direção correta. A inflação está em queda e o crescimento pode ser retomado. Para que vá além da expansão medíocre dos últimos anos, porém, será preciso fazer muito mais do que cumprir metas de inflação.

 

Um comentário:

Fernando Carvalho disse...

O primeiro editorial do Globo sobre a resposta de Alexandre de Moraes à intentona do PL de anular o resultado do segundo turno. O jornal diz que Moraes acertou ao jogar duro contra o PL mas exagerou na multa. O editorialista do Globo se esquece que o PL está nadando em dinheiro público do fundo eleitoral. Isso é mais uma das safadezas do governo do boçal que o governo da frente democrática tem que corrigir.