O Globo
O novo governo não quer se deixar tolher, de nenhuma forma, pelo teto de gastos ou por regras fiscais
O país continua imerso na mais completa
incerteza sobre que governo terá a partir de 1º de janeiro. Ainda não tem a
menor ideia de quem serão os responsáveis pela condução da política econômica.
Em meio à apreensão com tamanha
indefinição, o que se alega é que o presidente eleito é assim mesmo. Que esse é
seu estilo. E não tem faltado quem se apresse a comparar 2022 com 2002,
lembrando que o anúncio oficial de que Antonio Palocci seria o novo ministro da
Fazenda só foi feito mais de 40 dias após o segundo turno.
A alegação não faz sentido. Muito antes de
tal anúncio, Palocci já vinha desempenhando papel crucial como porta-voz
econômico e coordenador da equipe de transição do governo então eleito.
Além disso, é bom lembrar que, em 2002, Lula e o PT tinham conquistado pela primeira vez a Presidência da República. Eram um bando de neófitos, forjados em longa e tenaz oposição a vários governos, mas sem nenhuma experiência prévia com a complexidade de tripular e operar a gigantesca máquina política e administrativa do governo federal.
Em gritante contraste, a vitória de 2022
marca nada menos que a quinta vez, em 20 anos, que o PT conquista a
Presidência. Tripular o Poder Executivo já não deveria parecer tão difícil como
em 2002. Mas o que agora se vê é Lula e o PT comportando-se, de novo, como um
bando de neófitos, emaranhados em caótico processo de transição.
A equipe de transição parece mais ocupada
em promover debates, nas mais variadas áreas, entre as forças que compõem o
governo eleito, do que, de fato, empenhada em acertar ponteiros entre o governo
que sai e o que entra. Inclusive porque ainda não se tem a menor noção de com
que tripulantes, em cada área, contará o governo que entra.
É bem verdade que, desta vez, Lula
conseguiu ganhar a eleição sem anunciar nem mesmo um simulacro de plano de
governo para a área econômica. Tamanho era o dissenso dentro do PT sobre o que
deveria ser feito, que não ter plano passou a ser crucial para manter a coesão
no partido.
Nunca é demais lembrar que já em maio, em
entrevista à revista Time, Lula deixara claro que seu plano era não ter plano.
“Nós não discutimos política econômica antes de ganhar as eleições. Em primeiro
lugar, você tem de ganhar as eleições.”
O que tem causado apreensão é que, eleito
já há 26 dias, o novo presidente ainda não tenha absolutamente nada a dizer
sobre como pretende manter as contas públicas sob controle ao longo dos
próximos quatro anos.
E que, sem ter sequer nomeado seu ministro
da Fazenda, venha concentrando todos seus esforços em frenética tentativa de
extrair do Congresso, a toque de caixa, espaço fiscal para mais R$ 200 bilhões
de gasto público a cada ano, a partir de 2023.
Há quem veja nisso clara evidência de falta
de reflexão prévia no PT sobre a questão central de política econômica com que
o novo governo teria de lidar. Pode até ser. Mas uma interpretação alternativa,
com perfeita aderência aos fatos, é que, muito ao contrário, a questão tenha
sido objeto de longa reflexão no PT.
E que o novo governo já esteja firmemente
decidido a não se deixar tolher, de nenhuma forma, seja pelo teto de gastos
seja por novas regras fiscais que têm sido aventadas para substituí-lo. Simples
assim.
Basta ter em mente o que Lula vem
declarando, com todas as letras, há meses. E começar a levá-lo a sério. “Vamos
gastar o que for preciso gastar” (Folha, 17/3). “Teto de gastos é de
responsabilidade do presidente da República. Sei o que é responsabilidade. Quem
não sabe faz uma lei” (Valor, 25/5). “Governo sério não precisa de teto de
gastos” (Bloomberg, 25/5).
Para tentar quebrar resistências do
Congresso à PEC da Transição, o novo governo propõe, agora, que a emenda retire
o teto da Constituição e determine que “nova regra fiscal” seja aprovada por
lei complementar, em 2023.
Como tal aprovação exigirá maioria
absoluta, a aposta do novo governo é que conseguirá que a nova regra não lhe
tolha a condução da política fiscal. Esse é o jogo. Falta convencer o Centrão.
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