sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

José Eli da Veiga* - Negócios sustentáveis

Valor Econômico

Tomara que no atual governo haja forte empenho para que os ODS voltem a merecer o devido respeito

Tem sido ótimo o contributo da plataforma “Prática ESG”, lançada há dez meses pelo dueto Valor e O Globo, para difundir comportamentos empresariais menos insustentáveis. Para se dar conta, bastará que o leitor aproveite este fim de semana para uma olhada no caderno especial mensal, publicado no último dia 18.

As oportunidades oferecidas pela transição energética, assim como os sérios obstáculos que a retardam, foram objeto de quatro abrangentes reportagens. Uma outra destacou promissoras iniciativas em favor da diversidade com inclusão (D&I). E não poderia ter havido algo mais chamativo do que o enunciado “ESG é incompleto”, vindo de um especialista em estratégias de negócios da Universidade de Warwick (Inglaterra).

Por que incompleto? Por não corresponder às demandas de sustentabilidade global, disse o alemão Frederik Dahlmann à jornalista Vivian Oswald. Ele acha que o acrônimo pode desaparecer e ser substituído por novo emblema, porque outras questões serão acrescentadas. Mas ressalta que seu significado deve ser mantido, pois será cada vez mais parte do ambiente de negócios e não menos.

Não é bem o que sugere a melhor literatura técnica já disponível sobre o assunto. Todas as obras recentemente lançadas ressaltam ser indissolúvel o binômio “ESG-SDGs”, no qual a sigla em inglês para os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) aparece atada ao tripé operacional que mais vingou no âmbito corporativo.

O problema passa a ser, então, o inverso do apontado por Dahlmann, pois o desafio vem é da imensa amplitude dos dezessete ODS, com suas 169 metas e 232 indicadores. Um nítido excesso de significados, que impõe regência muitíssimo mais complexa do que as sugeridas por singelas cartilhas de ESG.

Um desses livros poderá se tornar verdadeira bíblia para quem queira ser profissional de negócios sustentáveis, além de ótimo socorro para estudantes de administração, executivos de corporações e formuladores de políticas públicas, entre os quais muitos são economistas.

Trata-se de “Principles of Sustainable Business”, um calhamaço de 1.062 páginas, elaborado por Rob van Tulder e Eveline van Mil, e muito bem editado pela Routledge. Ele, renomado professor da Rotterdam School of Management da Erasmus University, e ela, consultora estratégica de gerenciamento da interface social de organizações (semi)públicas, privadas e sem fins lucrativos.

Ao final do prefácio, a dupla faz preciosas recomendações, aos vários perfis de leitores, sobre as melhores maneiras de explorar tão gigantesco manancial sobre os fundamentos dos negócios sustentáveis. Por exemplo: aconselham o executivo a se concentrar em três capítulos estratégicos (7 a 10), para, em seguida, atentar para desafios mais operacionais/funcionais, tratados nos dois últimos (11 e 12).

O mais provável é que só alunos de administração venham a ler toda a obra, caso cursem alguma disciplina que a adote como livro-texto. Para a grande maioria - à qual pertence este escriba - será muito mais objeto de incontornáveis consultas sobre muitas das dimensões da sustentabilidade empresarial. Especialmente, às preciosas seleções de fontes virtuais (“web resources”), listadas no fecho de cada capítulo, logo após providenciais resumos, batizados “takeaways”.

Em primeira examinada, o capítulo que mais chamou a atenção foi o sétimo, intitulado “Making it resilient”. A principal mensagem é que um modelo de negócios sustentável deve ser orientado por agenda social que espelhe algum equilíbrio entre quatro níveis de intervenção: (1) prevenção do fracasso; (2) minimização de externalidades negativas; (3) maximização de externalidades positivas e seus efeitos colaterais; (4) engajamento em ação coletiva que contribua, de forma cooperativa, para a criação de “bens comuns”.

O grosso das empresas está bem longe de tal modelo. Ótimas evidências são as listas de escândalos corporativos (como a pedalada da Americanas) divulgados pelas mídias internacionais no período 1995-2018, em dois estonteantes boxes, a partir dos dados do LexisNexis Risk Solutions Group. Ainda mais útil poderá ser a seleção de fontes, logo depois recomendadas: The Global Resilience Partnership, The Resilience Alliance, ISO Organizational Resilience Standard, Case Repository, WBCSD e alguns TED talks.

Estas poucas dicas sobre um dos doze capítulos são meros chamarizes, com o intuito de incentivar a exploração de um livro que traz excelente descrição analítica dos vetores de um padrão corporativo que possa ser coerente com a Agenda 2030, pactuada nas Nações Unidas, em 2015. Algo que, no Brasil, mal chegou a engatinhar antes de seu obscurantista banimento, no último quadriênio.

Tomara que, no âmbito da regeneração institucional que desafia o atual governo, haja forte empenho para que os ODS voltem a merecer o devido respeito. O que será imenso estímulo para que as empresas venham a ter a plataforma “Prática ESG” como guia. Ainda mais se vier a trazer boa cobertura da produção técnico-científica sobre “sustainable business”.

*José Eli da Veiga é professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP

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