Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
O projeto de desenvolvimento econômico com
desenvolvimento social do novo governo brasileiro converge para a posição do
presidente da instituição
Os desencontros destes dias na Fiesp
(Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) expressam dilemas que são,
antes de tudo, os suscitados por uma circunstância histórica que já não
comporta o simplismo evolutivo e a certeza nas decisões econômicas.
Em horas assim, o empresário é posto diante
do desafio de decidir até mesmo contra o que considera a segurança de suas
convicções. Tanto quanto outras categorias sociais, é ele um protagonista de
falsa consciência. A das insuficiências e equívocos que indicam um alheamento
em relação às condições da ação empresarial. Esse é um tema clássico das
ciências sociais.
Em situação como essa, o empresário se divide, como estamos vendo. De um lado, porque ele tem que pensar antes a economia de seus investimentos, e não a do sistema econômico.
De outro lado, porque os desafios desse
sistema, que não se reduzem aos da economia do empresário, tem sua própria
dinâmica e suas próprias possibilidades. Mais difíceis de ver e de compreender
porque se dão no plano macro e no plano histórico, atravessadas por muitas
determinações irredutíveis ao sentido comum do empresário.
A história da economia é, no fundo, uma
história do futuro que desafiou o presente de então. A história da economia é a
história das incertezas econômicas e de como o empresariado as compreendeu ou
não no momento justo. As falências e crises das empresas, a
desindustrialização, os decorrentes desemprego, subemprego, emprego episódico,
a fome, o desabrigo, a ignorância e a violência são frutos de uma economia que
fracassou.
Minha impressão, de estudioso e observador
da história da empresa e do empresariado brasileiros, é a de que o impasse da
Fiesp documenta a situação de incerteza que só pode ser compreendida e vencida
pelo empresário demiurgo e criativo. Aquele que enxerga além do agora, na
perspectiva de uma possível superação do momento adverso.
Na história da Fiesp e na história do
empresariado tem havido empresários schumpeterianos e demiurgos, inovadores
políticos da economia e, consequentemente, inovadores sociais. Aqueles que
Joseph Schumpeter definia como capazes de ousar, de superar o próprio senso
comum alienador, os fatores da falsa consciência da circunstância.
Um dos maiores nomes da história da Fiesp
foi Roberto Simonsen, um de seus fundadores, engenheiro formado pela Escola
Politécnica de São Paulo, inventivo e criativo, dono da Cerâmica São Caetano,
que foi, durante 80 anos, a maior empresa do ramo.
Foi Simonsen quem fez das tripas coração
após a derrota de São Paulo na Revolução de 1932, que ele apoiara ativamente, e
quem compreendeu o momento político e econômico. Influenciou Getúlio Vargas, o
vencedor, cujo industrialismo marcou a economia brasileira desde a década de
1930 até meados de 1960.
Por sorte, Vargas teve consciência de que a
vitória sobre São Paulo fora uma vitória de Pirro. Sem São Paulo, que tinha uma
capacidade industrial instalada e já possuía uma cultura industrial, que
funcionava aquém de seu alcance porque insuficientemente aproveitada, as
inovações econômicas e sociais do varguismo teriam sido impossíveis. A
modernização industrial e social teria se tornado inviável.
Simonsen empenhou-se em difundir a tese da
superação do café e da agricultura de exportação como fundamento da economia
brasileira. Um novo eixo aglutinador era possível, a indústria e o
industrialismo, e aquele era o momento.
O demiurgo que Simonsen foi é hoje Josué
Gomes, presidente da Fiesp. Num encontro dos membros da Academia Paulista de
Letras com ele, há alguns meses, tive oportunidade de ouvi-lo numa ponderada e
articulada exposição sobre a necessidade e a viabilidade da reindustrialização
do Brasil em face da nova situação econômica mundial, das novas tecnologias e
da nova divisão internacional do trabalho. A que se poderia agregar as grandes
promessas da economia verde.
Empresários americanos já visitaram a Fiesp
para conversar com ele sobre essa nova circunstância da indústria para a
economia brasileira, à qual o novo capitalismo abre as portas. Enquanto isso a
Fiesp parece relutar na opção pela necessária e urgente modernização política
do nosso industrialismo.
O projeto de desenvolvimento econômico com
desenvolvimento social do novo governo brasileiro, com a reindustrialização do
país, o entusiástico acolhimento internacional dessa possibilidade, converge
para a posição do presidente da Fiesp. Ele personifica uma possibilidade
histórica de superação do desastre econômico e social que foi a economia do
falso liberalismo alinhado com a superada geopolítica da Guerra Fria do governo
anterior, obsoleta desde a queda do Muro de Berlim. Só aqui o muro resiste.
*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "As duas mortes de Francisca Júlia - A Semana de Arte Moderna antes da semana" (Editora Unesp, 2022).
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