sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Estevão Taiar - A cruzada de Alckmin contra o custo Brasil

Valor Econômico

Economistas de viés mais liberal temem que políticas que já mostraram poucos resultados positivos sejam repetidas

Os pronunciamentos públicos do vice-presidente Geraldo Alckmin são marcados há anos por elementos que se repetem com alguma frequência. Piadas típicas do interior paulista mesclam-se com a defesa de que a economia e a indústria brasileiras ganhem “competitividade”, já que “ficou caro produzir no Brasil”.

“Com-pe-ti-ti-vi-da-de”, diz o experiente político, de forma pausada, e com destaque para cada sílaba. Virou quase uma marca registrada de Alckmin, como se ele quisesse reforçar a importância do termo.

À frente do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o vice-presidente terá a oportunidade de finalmente colocar em prática uma agenda horizontal de competitividade para a economia e a indústria brasileiras. Isso, claro, desde que consiga evitar erros de governos passados.

Em seu discurso de posse no Mdic, Alckmin afirmou, por exemplo, que “nós superaremos a lógica de soma zero que coloca setores econômicos uns contra os outros”. “Partiremos da premissa de que o importante neste século é agregar valor à nossa produção, seja no campo, seja na indústria, seja no comércio”, acrescentou.

Também destacou que o comércio com outros países “é uma via de mão dupla”, o que significa que comprar produtos e serviços bons e baratos do exterior é tão importante quanto vender.

“A integração do Brasil com o mundo passa também pelas importações”, pontuou. “Para que o Brasil seja competitivo no mercado exterior, precisa também importar.”

Já “o fortalecimento da indústria passa invariavelmente pela redução do custo Brasil e pela melhoria do ambiente de negócios no país”. Isso exige a “qualificação da mão de obra” e, principalmente, a realização de uma reforma tributária.

O discurso de Alckmin destoa em alguns pontos de ideias que ainda predominam em parte considerável da esquerda brasileira. Por exemplo: proteção a setores específicos ou, como preferem dizer, “estratégicos”. É verdade que no exterior, principalmente depois da pandemia e da guerra da Ucrânia, políticas setoriais ganharam força. Exemplos são as leis do Chip e da Redução da Inflação nos Estados Unidos e pacotes de subsídios na União Europeia. O próprio ex-ministro da Economia Paulo Guedes planejava apresentar a Medida Provisória (MP) dos Semicondutores, com o objetivo de reforçar a produção de tais bens no Brasil. O texto esteve próximo de ser finalizado em 2022, mas não chegou a ser apresentado.

De qualquer maneira, o histórico brasileiro deixa claros os riscos das políticas industriais tradicionais. Se a Embraer virou referência global na produção de jatos comerciais, houve, por exemplo, repetidas tentativas, sem sucesso, de impulsionar a indústria naval do país.

Há estudos produzidos por técnicos do governo que buscaram mensurar o retorno, em investimentos, de políticas setoriais e de crédito subsidiado. A devida reflexão sobre esses números acabou prejudicada pela campanha eleitoral, mas é um debate que precisa ser enfrentado.

Embora o discurso de Alckmin traga novidades em relação às ideias mais tradicionais de esquerda brasileira, algumas das nomeações para escalões técnicos do Mdic têm causado preocupação em economistas de viés mais liberal. O medo é justamente que políticas que já mostraram poucos resultados positivos sejam repetidas. Nesse contexto, a nova Secretaria de Monitoramento e Avaliação para o Aperfeiçoamento de Políticas Públicas do Ministério do Planejamento e Orçamento pode ter papel importante, se efetivamente for ouvida.

Parte da agenda atual de fortalecimento da indústria começou no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e, ao que tudo indica, continuará no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Não sem resistência da Zona Franca de Manaus e de idas e vindas no Supremo Tribunal Federal (STF), a equipe econômica de Bolsonaro conseguiu reduzir em 35% as alíquotas do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) no ano passado. Na semana passada, foi a vez de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sinalizar no Fórum Econômico Mundial que as alíquotas serão mantidas no novo patamar. Horas depois, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o próprio Alckmin foi além e disse que a “próxima meta é acabar com o IPI”.

Outro norte defendido com alguma ênfase pela equipe econômica de Bolsonaro e que deve continuar no governo Lula é o papel da indústria sustentável ambientalmente. Desde 2019, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, defendia em reuniões internas do governo a importância de uma agenda sustentável consistente como forma de atrair recursos para o país. Nos últimos anos do governo, foi Guedes quem começou a destacar com maior frequência o potencial sustentável da matriz energética do Brasil e a capacidade de o país produzir hidrogênio verde.

Alckmin foi na mesma linha no discurso de posse, afirmando que “a biodiversidade será o ponto de partida da nova política industrial”. “A política industrial brasileira precisa estar em sintonia com as necessidades da sociedade mundial”, destacou.

Reportagem publicada na edição de quarta-feira do Valor indicava, com base em estudo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), que a adoção de medidas ligadas à bioeconomia pode aumentar o faturamento da indústria brasileira em US$ 284 bilhões anuais até 2050. Entre essas medidas, estão menores emissões de gases de efeito estufa, consolidação da biomassa como principal fonte de energia do país e maior uso de tecnologias biorrenováveis.

Será no equilíbrio fino entre implantar políticas horizontais, reconhecer necessidades de áreas específicas e não ceder a pressões setoriais que Alckmin, Mdic e governo federal poderão reverter a lógica de que “ficou caro produzir no Brasil”.

Nenhum comentário: