Valor Econômico
Economistas de viés mais liberal temem que
políticas que já mostraram poucos resultados positivos sejam repetidas
Os pronunciamentos públicos do
vice-presidente Geraldo Alckmin são marcados há anos por elementos que se
repetem com alguma frequência. Piadas típicas do interior paulista mesclam-se
com a defesa de que a economia e a indústria brasileiras ganhem
“competitividade”, já que “ficou caro produzir no Brasil”.
“Com-pe-ti-ti-vi-da-de”, diz o experiente
político, de forma pausada, e com destaque para cada sílaba. Virou quase uma
marca registrada de Alckmin, como se ele quisesse reforçar a importância do
termo.
À frente do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o vice-presidente terá a oportunidade de
finalmente colocar em prática uma agenda horizontal de competitividade para a
economia e a indústria brasileiras. Isso, claro, desde que consiga evitar erros
de governos passados.
Em seu discurso de posse no Mdic, Alckmin afirmou, por exemplo, que “nós superaremos a lógica de soma zero que coloca setores econômicos uns contra os outros”. “Partiremos da premissa de que o importante neste século é agregar valor à nossa produção, seja no campo, seja na indústria, seja no comércio”, acrescentou.
Também destacou que o comércio com outros
países “é uma via de mão dupla”, o que significa que comprar produtos e
serviços bons e baratos do exterior é tão importante quanto vender.
“A integração do Brasil com o mundo passa
também pelas importações”, pontuou. “Para que o Brasil seja competitivo no
mercado exterior, precisa também importar.”
Já “o fortalecimento da indústria passa
invariavelmente pela redução do custo Brasil e pela melhoria do ambiente de
negócios no país”. Isso exige a “qualificação da mão de obra” e,
principalmente, a realização de uma reforma tributária.
O discurso de Alckmin destoa em alguns
pontos de ideias que ainda predominam em parte considerável da esquerda
brasileira. Por exemplo: proteção a setores específicos ou, como preferem
dizer, “estratégicos”. É verdade que no exterior, principalmente depois da
pandemia e da guerra da Ucrânia, políticas setoriais ganharam força. Exemplos
são as leis do Chip e da Redução da Inflação nos Estados Unidos e pacotes de
subsídios na União Europeia. O próprio ex-ministro da Economia Paulo Guedes
planejava apresentar a Medida Provisória (MP) dos Semicondutores, com o
objetivo de reforçar a produção de tais bens no Brasil. O texto esteve próximo
de ser finalizado em 2022, mas não chegou a ser apresentado.
De qualquer maneira, o histórico brasileiro
deixa claros os riscos das políticas industriais tradicionais. Se a Embraer
virou referência global na produção de jatos comerciais, houve, por exemplo,
repetidas tentativas, sem sucesso, de impulsionar a indústria naval do país.
Há estudos produzidos por técnicos do
governo que buscaram mensurar o retorno, em investimentos, de políticas
setoriais e de crédito subsidiado. A devida reflexão sobre esses números acabou
prejudicada pela campanha eleitoral, mas é um debate que precisa ser
enfrentado.
Embora o discurso de Alckmin traga
novidades em relação às ideias mais tradicionais de esquerda brasileira,
algumas das nomeações para escalões técnicos do Mdic têm causado preocupação em
economistas de viés mais liberal. O medo é justamente que políticas que já
mostraram poucos resultados positivos sejam repetidas. Nesse contexto, a nova
Secretaria de Monitoramento e Avaliação para o Aperfeiçoamento de Políticas
Públicas do Ministério do Planejamento e Orçamento pode ter papel importante,
se efetivamente for ouvida.
Parte da agenda atual de fortalecimento da
indústria começou no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e, ao que
tudo indica, continuará no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT). Não sem resistência da Zona Franca de Manaus e de idas e vindas no
Supremo Tribunal Federal (STF), a equipe econômica de Bolsonaro conseguiu
reduzir em 35% as alíquotas do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) no
ano passado. Na semana passada, foi a vez de o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, sinalizar no Fórum Econômico Mundial que as alíquotas serão mantidas no
novo patamar. Horas depois, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(Fiesp), o próprio Alckmin foi além e disse que a “próxima meta é acabar com o
IPI”.
Outro norte defendido com alguma ênfase
pela equipe econômica de Bolsonaro e que deve continuar no governo Lula é o
papel da indústria sustentável ambientalmente. Desde 2019, o presidente do
Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, defendia em reuniões internas do
governo a importância de uma agenda sustentável consistente como forma de
atrair recursos para o país. Nos últimos anos do governo, foi Guedes quem
começou a destacar com maior frequência o potencial sustentável da matriz
energética do Brasil e a capacidade de o país produzir hidrogênio verde.
Alckmin foi na mesma linha no discurso de
posse, afirmando que “a biodiversidade será o ponto de partida da nova política
industrial”. “A política industrial brasileira precisa estar em sintonia com as
necessidades da sociedade mundial”, destacou.
Reportagem publicada na edição de
quarta-feira do Valor indicava,
com base em estudo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), que a adoção
de medidas ligadas à bioeconomia pode aumentar o faturamento da indústria
brasileira em US$ 284 bilhões anuais até 2050. Entre essas medidas, estão
menores emissões de gases de efeito estufa, consolidação da biomassa como
principal fonte de energia do país e maior uso de tecnologias biorrenováveis.
Será no equilíbrio fino entre implantar políticas horizontais, reconhecer necessidades de áreas específicas e não ceder a pressões setoriais que Alckmin, Mdic e governo federal poderão reverter a lógica de que “ficou caro produzir no Brasil”.
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