‘Revogaço’ busca corrigir erros do governo anterior
O Globo
Lula acerta nas áreas ambiental e de armas,
mas preocupa com isenção de impostos de combustíveis
Foi positiva a maior parte dos decretos,
medidas provisórias e despachos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva horas depois de tomar posse no domingo. Chamadas de “revogaço”, as
medidas buscaram desfazer parte das políticas equivocadas adotadas pela
administração anterior em temas como meio ambiente, armas e transparência.
Publicado ontem no Diário Oficial, um
decreto restabeleceu o funcionamento do Fundo Amazônia, voltado para a
preservação da floresta com a ajuda de doações de países europeus. Já era hora.
No primeiro ano de seu governo, Jair Bolsonaro havia promovido a extinção dos
comitês responsáveis por gerir os recursos do fundo. Com isso, R$ 3,2 bilhões ficaram
sem destinação, um tremendo contrassenso.
Ainda na área ambiental, Lula acertou ao recriar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, instituir uma comissão interministerial para cuidar do assunto e endurecer os processos de apuração de infrações em diferentes biomas.
É certo que o trabalho de reverter os erros
dos últimos quatro anos exigirá uma dedicação longa e metódica, mas é
alvissareiro o fato de que, já no primeiro dia, foram tomadas decisões que
dependiam de um canetaço. Isso ficou claro no decreto que buscou combater a
venda indiscriminada de armamentos, uma das bandeiras do bolsonarismo.
Veio em boa hora a suspensão de registros
para a aquisição e transferência de armas e munições de uso restrito por
caçadores, colecionadores, atiradores e particulares. Desde 2019, não foram
poucas as vezes em que esse tipo de armamento acabou caindo na mão de
criminosos. O novo governo também reduziu a quantidade de armas e munições de
uso permitido que pode ser adquirida, suspendeu novas concessões para clubes de
tiro até que seja criado novo regulamento e proibiu o transporte de armas
carregadas com munição.
Cumprindo promessa de campanha, Lula
determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) avalie sigilos impostos
pelo governo Bolsonaro. O órgão terá 30 dias para dar uma resposta. É pouco
provável que não haja revisão.
Entre os documentos já assinados por Lula,
pelo menos um desperta preocupação. Mesmo diante de críticas do Ministério da
Fazenda, uma medida provisória manteve a isenção de impostos federais sobre
combustíveis. A desoneração de gasolina e etanol durará 60 dias, e a do diesel
um ano. O custo é estimado em mais de R$ 50 bilhões.
O novo governo tentou explicar a decisão
dizendo ser contra um “tarifaço”, com efeitos negativos na inflação. Embora
real, esse temor não serve de justificativa. As tentativas de controlar preços
têm um longo histórico de fracassos. O que era uma medida eleitoreira e
populista em 2022 continua sendo a mesma coisa em 2023.
Deliberações tomadas com os olhos na
popularidade do presidente tornarão mais difícil o trabalho de Fernando Haddad,
o ministro da Fazenda. Em concorrida cerimônia de posse ontem, Haddad disse que
sua meta é fazer o país crescer para melhorar a vida da população e garantir
equilíbrio e sustentabilidade fiscal.
Mudança no saneamento é equívoco e precisa
ser revista com urgência
O Globo
Se poder de criar regulação for repassado
ao Ministério das Cidades, ameaçará marco do setor
O governo do PT mal começou e já está
correndo o risco de cometer erros com graves consequências para o país. Há
temores de que o decreto que regulamenta o novo Ministério das Cidades devolva
ao meio político o poder de instituir normas para a regulação do setor de
saneamento e acompanhar seu processo de implementação. Será um equívoco. Se não
for corrigido, poderá colocar em risco os investimentos privados necessários
para tirar o Brasil da vexaminosa lista dos países com grandes carências na
área.
Para entender o tamanho do desafio, é
preciso deixar a ideologia e os preconceitos de lado. Cinco de dez brasileiros
vivem em lares sem coleta de esgoto, e cerca de 20% não têm acesso a água
tratada. Essa situação se manteve quase imutável porque o setor foi sempre
dominado por companhias estatais em cidades e estados. Com raras exceções,
prefeitos e governadores de diferentes colorações partidárias não tinham uma
política de tarifas realista por medo de perder votos e, assim, não contavam
com dinheiro para investir na expansão da rede. Quando havia aumentos, era para
elevar os salários do funcionalismo.
As primeiras tentativas de quebrar isso e
elevar a competição no setor aconteceram no governo Fenando Henrique, mas foi
somente em 2020 que o Congresso aprovou uma lei capaz de mudar o cenário de
privação.
A nova legislação passou a exigir
licitação, proibindo a concessão automática para empresas estatais, e criou um
ambiente menos hostil para o capital privado. Acima de tudo, definiu metas
claras para a universalização dos serviços (99% de atendimento de água e 90% de
atendimento de esgoto) até 2033, com carência de seis anos para casos
especiais.
Para garantir a aplicação do novo marco,
ficou decidido que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), um
órgão técnico e independente, seria o regulador de referência. Com o aumento do
número de ministérios do governo Lula, houve, como sempre, uma disputa por
poder. A ANA deixou de fazer parte do Ministério do Desenvolvimento Regional
para ficar sob o controle do Ministério do Meio Ambiente.
A mudança em si não causaria problemas se
suas atribuições fossem mantidas. Na troca, o recriado Ministério das Cidades,
controlado pela base de apoio do novo governo, ganhou a prerrogativa de
instituir normas para o setor.
O discurso de membros do novo governo, a começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é baseado na ideia de reconstrução. Passado o desastrado governo Bolsonaro, é hora de fortalecer instituições e retomar políticas que foram abandonadas. Na maior parte dos casos, o diagnóstico está correto, mas vale lembrar que também houve avanços nos últimos quatro anos e desfazê-los tem nome: retrocesso.
A volta de Marina
Folha de S. Paulo
Ministra lidará com herança de Bolsonaro e
velhos atritos com o PT
O desafio para Marina Silva (Rede) no
Ministério do Meio Ambiente, 20 anos depois, supera
o de sua primeira passagem pelo posto, no primeiro governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) —ainda que os números do desmatamento anual da
Amazônia sejam hoje bem menores que o daquela época.
Foram 11,5 mil km² nos 12 meses encerrados
em julho deste ano, acima dos 7,5 mil km² de 2018, antes do desastre promovido
sob Jair Bolsonaro (PL), mas muito abaixo dos 21,6 mil km² de 2002.
A área devastada ainda aumentou no primeiro
biênio de Marina no ministério, chegando a 27,7 mil km² em 2004. Cercada de
técnicos competentes, ela logrou mobilizar outras pastas para um plano
bem-sucedido de combate.
Em 2008, porém, pediu demissão após colidir
com a ministra-chefe da Casa Civil na época, Dilma Rousseff (PT), adepta de
grandes obras públicas. Em 2014, candidata a presidente da República, foi difamada
pela campanha da mesma Dilma, sem que Lula a defendesse em nenhum dos
episódios.
Desta vez, o líder petista demorou a
confirmar a volta de Marina à pasta, tendo antes tentado entronizar ali Simone
Tebet (MDB), de ligações com o agronegócio. No PT, não arrefeceu o pensamento
assim chamado desenvolvimentista, que glorifica a Petrobras e seus combustíveis
fósseis, os conglomerados agropecuários e as hidrelétricas na Amazônia.
Parece provável que a ministra cedo ou
tarde vá bater de frente com os colegas na Casa Civil e na Agricultura. Pode
parecer indemissível, pela reputação internacional granjeada, mas terá de
mostrar mais habilidade do que no passado para entender-se com os demais
setores do governo e do Congresso.
Os obstáculos não serão poucos, ainda mais
com o fortalecimento dos ruralistas mais retrógrados e do esvaziamento dos
órgãos de controle ambiental sob Bolsonaro.
Marina contará, porém, com uma geração de
técnicos bem formados e experientes e sistemas para monitorar desmatamento mais
avançados (Prodes nacional e MapBiomas, por exemplo).
Na sociedade, há uma ala rural modernizada
e grandes empresários esclarecidos que se converteram à causa do aquecimento
global. É provável ainda que fluxos financeiros mais encorpados do exterior
cheguem aqui para apoiar o desenvolvimento sustentável.
Não é pouco. Entretanto a experiência dos
últimos anos mostra que ainda não está maduro na vida política nacional —à
direita e à esquerda— o entendimento básico de que preservação ambiental e
desenvolvimento econômico precisam caminhar juntos.
Freio à hostilidade
Folha de S. Paulo
Lei que veta arquitetura contra morador de
rua tem mérito, mas aplicação incerta
Pedras, lanças, grades, divisórias, cercas
elétricas e até goteiras e jardins improvisados. Sob marquises e viadutos, em
comércios e praças, ostensivos ou sutis, estratagemas
para afastar do espaço público pessoas em situação de rua parecem
crescer na mesma proporção em que essa população se espalha pelas grandes
cidades do país.
É auspiciosa, portanto, a promulgação da
Lei Padre Júlio Lancelotti, que visa coibir intervenções urbanas do tipo,
também classificadas como "arquitetura hostil".
Recém-aprovado pelo Congresso, o regramento
faz referência ao religioso responsável pela Pastoral do Povo da Rua da
Arquidiocese de São Paulo, que denunciou o avanço desse expediente no auge da
pandemia —em 2021, o próprio padre quebrou a marretadas pedras instaladas pela
Prefeitura debaixo de um viaduto.
Leis semelhantes vêm sendo replicadas em âmbito
municipal, como em Recife e Alfenas (MG), ainda que cercadas de polêmicas, como
se viu na nova lei federal.
Apesar da aprovação na Câmara dos
Deputados, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou o projeto, de autoria do
senador Fabiano Contarato (PT-ES).
A justificativa foi a de que a medida
poderia causar interferência no planejamento de políticas urbanas "ao
buscar definir as características e condições a serem observadas para a
instalação física de equipamentos e mobiliários".
A decisão também apontava "insegurança
jurídica" por se tratar de conceito que, de fato, ainda não é consolidado
no ordenamento legal. Três dias
depois, contudo, o veto foi derrubado pelo Congresso, com ampla maioria.
Subterfúgios para espantar cidadãos em
situação de vulnerabilidade, muitas vezes famílias inteiras que não têm onde
dormir ou se abrigar da chuva, representam um barbarismo que deve ser repelido
em qualquer sociedade civilizada.
Entretanto se a lei tem méritos ao jogar
luz sobre o avanço do déficit habitacional, por óbvio não exime as autoridades
de empreenderem com urgência políticas efetivas de moradia e emprego, de preferência
de modo concomitante, para proporcionar o mínimo de dignidade a esses
brasileiros no longo prazo.
Cabe agora acompanhar como o poder público fará valer, na prática, o novo diploma —o que ainda não está suficientemente claro, seja para impedir novas edificações hostis, seja para determinar a retirada das já existentes.
A universidade em xeque
O Estado de S. Paulo.
Queda de inscritos no Enem e em
vestibulares da USP, da Unicamp e da Unesp tem múltiplos fatores, mas também
sinaliza que o ensino superior precisa se reinventar − e logo
Queda de inscrições no ensino superior
sinaliza que ele precisa se reinventar.
Fala alto o fato de que há menos gente
disposta a participar de processos seletivos para ingresso no ensino superior.
Como noticiou o Estadão, não foi apenas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
que registrou queda de inscritos em relação à última década: os vestibulares da
Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), referências para o País inteiro,
também têm atraído menos candidatos.
Por óbvio, diversos motivos explicam
tamanha redução − entre eles, os desdobramentos da pandemia de covid-19, o
empobrecimento de boa parte da população e o descaso do governo do presidente
Jair Bolsonaro com a área educacional. Mas há uma questão de fundo que não pode
passar despercebida: o ensino universitário, da forma como está estruturado,
parece incapaz de despertar o interesse de uma parcela da juventude.
Sim, as universidades precisam se
reinventar. E logo. Como se sabe, o diploma abre caminho para melhores empregos
e maior renda − e continua sendo o sonho de milhões de brasileiros. Mas é
inegável que as transformações tecnológicas têm alterado profundamente o
mercado de trabalho, em velocidade que subverte até mesmo a lógica da educação.
A certificação de competências em cursos de curta duração, por exemplo, vem
ganhando força, assim como há empresas que dispensam o diploma ao selecionar
seus funcionários.
É nesse contexto que uma parcela da
juventude deixa de perceber a universidade como a principal rota para a
conquista do emprego. A perspectiva de passar três, quatro ou cinco anos na
faculdade, não raro em estruturas engessadas nas quais uma disciplina é
pré-requisito para cursar outra, desagrada a muitos jovens. Ainda mais diante
do risco de obter o diploma e continuar desempregado. Ou de só conseguir
emprego com baixo salário.
Não se trata aqui de desmerecer nem
desqualificar o ensino superior. Longe disso. Basta lembrar que a renda média
dos profissionais com diploma, no Brasil e no mundo, supera a dos trabalhadores
com menos escolaridade. Ou que a formação universitária é insubstituível em
diversas carreiras. Mais do que isso, é essencial ter em mente que as
universidades são, por excelência, o lugar onde se faz pesquisa e onde se
formam pesquisadores. Por último, mas não menos importante, é das universidades
que irradia o livre pensar, base para que gerações de filósofos e cientistas
ampliem os limites do conhecimento.
Na verdade, são as próprias universidades
que já perceberam o alcance das transformações em andamento. Nem poderia ser
diferente: a queda do número de inscritos no Enem e nos vestibulares, mesmo que
originada por inúmeros fatores, acena com um preocupante desprestígio do ensino
superior perante segmentos da juventude − e isso precisa ser mais bem
compreendido. Na USP, um grupo de trabalho vinculado à reitoria reúne
cientistas e educadores para tratar do tema. Para esses especialistas, a
universidade não pode ser refém do academicismo, isto é, deve ter a capacidade
de perceber o que está acontecendo na vida das pessoas comuns.
Ele cita os elevados índices de evasão nos
cursos de graduação do País, outro problema a ser enfrentado. Um estudo do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
monitorou a situação dos estudantes de graduação que ingressaram em 2011 nas
faculdades de todo o Brasil: em 2020, apenas 40% tinham se formado no curso
original (59% haviam abandonado ou pedido transferência e 1% permanecia
matriculado). Por trás da evasão, há situações de todo tipo: desde o jovem que
não consegue se manter e deixa de estudar para trabalhar até quem desiste
porque o curso é ruim.
O Brasil tem o duplo desafio de aumentar o
número de universitários e de garantir a qualidade do ensino. A diminuição de
inscrições no Enem e em vestibulares, porém, é um recado a ser ouvido com
atenção. O mundo está mudando e as universidades não podem ficar para trás.
O ‘modelo chinês’ em questão
O Estado de S. Paulo.
Tendo destruído quaisquer resquícios de
‘freios e contrapesos’ na política, Xi Jinping está ampliando a interferência
estatal sobre a economia, com riscos para a China e todo o mundo
Em 2022, a credibilidade das autocracias
foi abalada. Não por uma razão moral – se fosse, já teria acontecido nas
ocasiões em que as atrocidades das guerras de Vladimir Putin ou da opressão
doméstica do Partido Comunista chinês vieram à tona –, mas sim de competência.
Na Turquia a inflação cresce a galope. A
aventura de Putin na Ucrânia foi um fiasco militar que isolou ainda mais seu
país. As loas do presidente Lula, há pouco mais de um ano, à eficiência do
totalitarismo chinês no combate à pandemia envelheceram grotescamente mal,
agora que as consequências da política de “covid zero” estão escancaradas: os
longos e indiscriminados lockdowns provocaram desaceleração da economia e
revolta popular; agora que estão sendo afrouxados, as perspectivas para uma
população mal imunizada são de morticínio em massa. Ainda mais drásticos e
duradouros serão os efeitos da interferência estatal na economia promovida pelo
ditador Xi Jinping.
Em um artigo no China Leadership Monitor, o
cientista político Minxin Pei apontou os objetivos de Xi: domínio pessoal;
revitalização do partido-estado leninista; e a expansão da influência global da
China. “A mensagem central”, disse, a propósito do relatório apresentado por Xi
ao 20.º Congresso do Partido, o ex-premiê da Austrália Kevin Rudd, “é que a
definição da segurança nacional substituiu a economia como o foco central para
o futuro.” Isso implica uma bateria de regulamentos, subsídios e intimidações
cujos efeitos já se fazem sentir. Neste ano, segundo o Banco Mundial, pela
primeira vez desde 1990 o crescimento chinês ficará abaixo do resto da Ásia.
Em tese, o “novo conceito de
desenvolvimento” de Xi não difere dos esforços ocidentais de adequar a economia
de mercado às novas demandas do Estado de Bem-estar Social: enfrentar
desigualdades, monopólios e a dívida, orientando a produção a indústrias verdes
e de alta tecnologia para gerar inovações e se tornar tecnologicamente
autossuficiente. Na prática, as condições para esse crescimento sustentável –
um sistema financeiro apto a capitalizar as partes mais produtivas da economia,
empresas sem medo de interferências arbitrárias e capital humano proficiente em
novas tecnologias – estão sendo dilapidadas pelas obsessões
político-ideológicas do Partido.
O Departamento de Pesquisa Econômica dos
EUA coletou evidências para responder às seguintes questões: se a política de
subsídios de Pequim era orientada às empresas mais produtivas ou se estava
estimulando empresas a se tornarem mais produtivas. Em ambos os casos a
resposta foi “não”. Ao contrário, os subsídios favoreceram grupos de interesse
político ou indústrias decadentes.
O Centro para Pesquisa Econômica do Japão,
um think tank, projetou que em 2030 o crescimento do PIB chinês cairá para 2%.
“O trabalho, o capital e o Fator Total de Produtividade serão adversamente
afetados por um aperto nas restrições à Tecnologia da Informação para as
empresas, preocupações crescentes sobre a situação de Taiwan e a continuação de
uma política moderada de covid zero.”
A confiança dos investidores para investir
e a dos consumidores para consumir dependem de políticas econômicas que
forneçam segurança e flexibilidade. As democracias buscam esses objetivos
complementares por meio da alternância de poder. Desde os anos 80, a receita da
China foi mesclar reformas liberalizantes do mercado com o controle estatal de
setores estratégicos. Mas para Xi a economia inteira se tornou “estratégica”. O
resultado, segundo o ex-premiê Wen Jiabao, é uma economia “instável,
desequilibrada, descoordenada e insustentável”.
A engenhosidade e o dinamismo do povo
chinês tiveram uma parte no espetacular crescimento econômico das últimas
décadas. A controvérsia entre entusiastas e críticos do “modelo chinês” sempre
foi se esse crescimento aconteceu por causa das interferências estatais ou
apesar delas. A questão está para ser definitivamente solucionada, agora que Xi
Jinping, tendo destruído quaisquer resquícios de “freios e contrapesos”, está
disposto a ampliar essa interferência a largos passos.
Agro desafia o pessimismo
O Estado de S. Paulo.
Para que a competência do setor prolifere, é preciso remover as barreiras à sua expansão
Em meio a um cenário global de inflação,
desaceleração econômica e rupturas nas cadeias de distribuição, o setor mais
inovador e produtivo da economia nacional segue desafiando o pessimismo. Mesmo
com a perspectiva de queda nos preços internacionais das commodities agrícolas,
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revisou a alta do PIB
agropecuário de 10,9% para 11,6%, puxada sobretudo pela soja, que deve ter alta
de 22,5%.
Em meados do século passado o País crescia,
enquanto a agropecuária estava estagnada e o Brasil dependia de importações.
Nos anos 70 a produção rural acompanhou o processo geral. De lá para cá a
situação se inverteu. Hoje, o Brasil é o segundo maior exportador mundial de
alimentos, as safras seguem batendo recordes, mas a economia nacional acumula décadas
“perdidas”.
O País se encontra em uma nova encruzilhada
histórica. O agro pode ser tragado pela mediocridade econômica nacional ou
servir de alavanca, com seus exemplos de competência, tecnologia, conhecimento
e seriedade, para revertê-la. Para tanto, é preciso garantir as condições de
continuidade dessa história de sucesso. Isso não significa que não haja grandes
desafios. Ao contrário. É preciso remover barreiras à sua expansão e fortalecer
as boas práticas para energizá-la.
Do ponto de vista estrutural, já passou da
hora de enfrentar o grande gargalo do agro, a infraestrutura. O crescimento da
produção não foi acompanhado, sobretudo no Centro-oeste, Norte e Nordeste, de
melhorias na logística, armazenagem e comunicação.
O governo também precisará ampliar o
financiamento rural em suas várias modalidades, tanto mais numa conjuntura de
juros altos combinados a um aumento nos preços dos insumos. Ante as intempéries
climáticas, um olhar cuidadoso ao seguro rural é crucial.
No plano internacional, é preciso despoluir
a reputação nacional após a razia antiambientalista de Jair Bolsonaro, mas,
acima de tudo, resistir à onda protecionista nos países desenvolvidos e abrir
novos mercados nos emergentes. Além da diplomacia, isso exigirá esforços em
duas frentes: uma melhor comunicação das práticas sustentáveis que vêm sendo
implementadas pela grande maioria dos produtores e a repressão aos crimes
perpetrados por uma minoria iníqua. Além dos ganhos ao meio ambiente, isso
desmoralizará os pretextos protecionistas.
Condicionar taxas de juros reduzidas do
Plano Safra à responsabilidade ambiental e social é um bom caminho, seja pelo
impacto nessas áreas, seja pela visibilidade internacional que isso traz. Com
as contas públicas apertadas, isso ajudará a atrair recursos externos.
O próprio presidente eleito Lula da Silva e seus correligionários, por sua vez, precisam expurgar velhos preconceitos ideológicos que tantas vezes difamaram os produtores agrícolas como vilões sociais e ambientais. Se hoje há “latifúndios improdutivos”, eles estão muito menos no campo do que em Brasília e em enclaves corporativos privilegiados por ela. São eles que precisam ser invadidos pelos exemplos de produtividade e sustentabilidade do agro.
Bolsa Família pode ser mais eficiente e
poupar gastos
Valor Econômico
Há necessidade de se aperfeiçoar as regras
do Bolsa Família
Uma das primeiras tarefas do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva será redesenhar o Bolsa Família, ex-Auxílio Brasil.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, o Bolsa Família passou por diversas
alterações, que ampliaram o número de beneficiários, o valor distribuído e
mudaram suas características. Apesar de ter sido vital no auge da pandemia para
evitar uma grave crise social e de ter aumentado os gastos públicos, não
conseguiu reduzir a pobreza, faltando-lhe foco e eficiência.
Balanço feito pelo Valor (28/12) mostra que
os gastos anuais com o programa saltaram de R$ 35 bilhões para R$ 156 bilhões
de 2018 para cá; e o número de beneficiários foi de 14,5 milhões em janeiro de
2019 para 21,6 milhões em agosto passado. O auxílio médio, de R$ 189 no Bolsa
Família, foi para R$ 607.
Apesar do aumento de gastos com o programa,
o balanço do Valor constatou
a ausência de avanço na frente social. Os dados mais recentes disponíveis
mostram que 29,4% da população, ou 62,5 milhões de pessoas, estavam abaixo da
linha da pobreza em 2021, segundo o IBGE, o maior nível desde 2012. Desse
total, 8,4% da população, ou 17,9 milhões, eram extremamente pobres. De lá para
cá, eventual redução da pobreza deve ser atribuída à melhora do mercado de trabalho.
Além disso, o Brasil voltou ao mapa da fome do qual estava fora desse 2014.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO),
cerca de 61 milhões de pessoas enfrentaram algum tipo de insegurança alimentar
entre 2019 e 2021.
Igualmente grave são as distorções nas
regras de distribuição do dinheiro, que evidenciam a falta de foco do programa,
muito provavelmente resultado da intensa rotatividade de ministros responsáveis
pela área, e do uso eleitoreiro do programa. No ano passado, as regras mudaram
com a criação de um valor fixo a ser distribuído por família, independentemente
do número de filhos. Isso estimulou o desmembramento artificial dos grupos
familiares. Em dezembro de 2018, as famílias unipessoais somavam 1,8 milhão, e
agora chegam a 5,5 milhões, que recebem R$ 600 por mês sozinhas. Outros 18
milhões de famílias ganham R$ 150 ou menos per capita por estarem em famílias
maiores.
O novo ministro do Desenvolvimento Social,
Wellington Dias, responsável agora pelo Bolsa Família, já antecipou que vai
rever os cadastros dos beneficiários para rastrear eventuais fraudes. O próprio
governo Bolsonaro, no apagar das luzes, mandou retirar 2,5 milhões de pessoas
incluídas indevidamente no programa. Além da fraude, há a questão também de
voltar a implementar as condicionalidades de frequência escolar e vacinação das
crianças da família.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
conta com esse ajuste no Bolsa Família para economizar recursos e direcioná-los
a outros programas. Estudos recentes de especialistas mostram que a expectativa
tem fundamento e estimam economia entre R$ 20 bilhões a R$ 38 bilhões com a
calibragem do foco do programa.
Um deles, feito pela equipe do BTG Pactual,
estima economia de R$ 20 bilhões apenas com o fim do incentivo ao
desmembramento artificial das famílias. Já a análise feita pelos economistas
Marcos Hecksher, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), e Marcelo Neri, diretor do FGV Social, estima economia de R$ 38
bilhões, com maior eficiência. O estudo da FGV prevê que, com 74% dos recursos
mensais gastos na versão do Auxílio Brasil adotada em agosto de 2022, é
possível reduzir de 6,1% para zero a proporção de brasileiros na linha de
extrema pobreza.
A proposta dos especialistas do Ipea e da
FGV é transferir o equivalente a 35% da diferença entre a renda da família
beneficiada e o que falta para ultrapassar a linha de pobreza mais alta
definida pela ONU e pagar um adicional para crianças e jovens até 17 anos da
família. Desse modo, o valor do benefício não seria igual para todas as
famílias e haveria um estímulo para a busca de trabalho no mercado, apostam. A
pobreza extrema seria erradicada e a pobreza aliviada.
Segundo o estudo, os gastos seriam de R$
8,9 bilhões por mês, menos do que os R$ 12,1 bilhões mensais direcionados para
o Auxílio Brasil a partir de agosto, quando o benefício subiu para R$ 600. O
exercício foi feito com base no parâmetro anterior da ONU, que era de US$ 5,50
per capita por dia e foi atualizado para US$ 6,85 para a faixa mais alta da
pobreza. A diferença altera um pouco os valores, mas não a conclusão de que há
necessidade de se aperfeiçoar as regras do Bolsa Família e até espaço para
economia de gastos.
Um comentário:
Na época do morto-vivo genocida e fo posto-lunático, a mesma imprensa, que ora prensa Lula e Haddad, incensou a medida de isenção, que tantos prejuízos causou aos estados
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