O Estado de S. Paulo.
Falência das respostas governamentais às urgências dos cidadãos nutre lideranças salvacionistas e populistas
O ano que acaba de começar não marca apenas
a retomada da contagem dos dias sob o signo de janeiro, repetindo a contagem
circular dos calendários. O ano se inicia com novo ciclo governamental no País.
E aqui, pelo bem de nossa nação, tudo o que menos se precisa é de movimentos
repetitivos. Ao contrário, é tempo de reinvenção, com os olhos focados no
futuro, especialmente no desafio de governar.
Na sociabilidade das conexões digitais, os
governantes precisam, primeiramente, revitalizar aquela pactuação primordial,
que justifica mesmo a existência do Estado e suas instituições, que é o diálogo
interativo e consequente com os cidadãos. Se há algo decisivo na vida
republicana, pode-se identificá-lo na efetiva vinculação entre governo e
sociedade.
A afinada sintonia dessa conexão, entre outros, fortalece as instituições democráticas, legitima a ação política e, mais importante de tudo, faz jus à natureza das estruturas governativas, que é a de servir ao interesse comum, observando-se toda a multiplicidade de demandas e a diversidade do existir. E haja desafio nesse caminho.
O pensador espanhol Manuel Castells
diagnostica uma “ruptura da relação entre governantes e governados”. “A
desconfiança nas instituições, em quase todo o mundo, deslegitima a
representação política e, portanto, nos deixa órfãos de um abrigo que nos
proteja em nome do interesse comum”, avalia Castells.
Não é esse mesmo o ambiente que abre espaço
para salvadores da pátria, populistas e radicais? A realidade tem mostrado que
sim. Diante da “ruptura da relação institucional entre governantes e
governados”, Castells alerta sobre algo gravíssimo, o fato de que a democracia
liberal está deixando de existir “no único lugar em que pode perdurar: a mente
dos cidadãos”.
Investir na cultura democrática é, especialmente,
fortalecer governanças articuladas às demandas, sonhos e projetos da sociedade.
Pode parecer óbvio – e é –, mas a politicagem desembestada e prepotente tem
aberto imenso atalho na caminhada republicana, ensejando desastres que não só
perpetuam problemas históricos, como a desigualdade socioeconômica e a pobreza,
mas também comprometem o futuro, como é o caso da criminalidade ambiental sob
os auspícios da inépcia estatal.
No caminho do bom governo, deve-se insistir
na rota do equilíbrio fiscal, compatibilizando receitas e despesas, sob o
princípio de qualificação dos investimentos e jamais perdendo de vista que
cuidar das contas é cuidar das pessoas.Éahigi dez orçamentário-financeira que
possibilita entregas contratadas nas discussões e escolhas do processo
político-eleitoral.
Gastar onde não se deve, sem foco ou senso
de prioridade, amplia o fosso do desencontro entre governo e sociedade, como
temos assistido no Brasil e no mundo. Sem capacidade de concretizar promessas e
atender às demandas mais críticas da população, a frustração com apolítica
cresce como erva daninha, com alcance eprejuízosd ramá ticosà contingência
democrático republicana. Não dá para naturalizar clamores por golpes ou aten ta
dosà democracia, como a invasão do Capitólio, por exemplo. E, em grande
parte,éa falência das respostas governamentais às urgências da sociedade que
nutre lideranças salvacionistas e populistas, vendendo terrenos na Lua, em
detrimento da normalidade institucional.
Ações governamentais com resultados reais
são imprescindíveis para superarmos estes nossos tempos de desafios à
democracia. Não basta enfrentarmos as históricas agendas nacionais e subnacionais,
que exigem profundas transformações nos campos da educação, saúde, segurança,
trabalho e renda. Desafiam-nos também questões globais que tensionam a
atualidade planetária, como as disputas entre EUA e China, a invasão russa na
Ucrânia, a emergência climática. O panorama internacional em desalinho, com
impulsos de desglobalização e desarranjo das cadeias de suprimentos, pode,
paradoxalmente, trazer imensas oportunidades para o Brasil.
Uma governança fundamentada na boa política
e na boa técnica, em diálogo permanente com a sociedade e com entregas que
melhorem a vida de todas e todos, eis o que se esperar neste novo ciclo.
Trata-se de momento vital, em que está em jogo não apenas o exercício
governativo consequente, mas essencialmente o pacto sociopolítico e cultural
que sustenta a democracia como conquista civilizatória.
Bons governos ratificam as democracias.
Impõe-se demonstrar que a democracia de fato conduz ao desenvolvimento
socioeconômico. Nesse sentido, que 2023 seja de máximo sucesso, marcado pela
intensa e efetiva conexão entre governantes e sociedade. Como nessa conversa
transformar é o verbo que todos precisamos conjugar, vale lembrar o genial
geógrafo Milton Santos, para quem a política é a “arte de pensar as mudanças e
torná-las efetivas”.
*Economista, presidente-executivo da IBÁ, membro do Conselho Consultivo do Rrenovabr, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)
Nenhum comentário:
Postar um comentário