segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Alex Ribeiro - Meta de inflação pode não seguir o ano-calendário

Valor Econômico

Objetivo subiria de 3% para 3,5% e seria contínuo

A adoção de uma meta de inflação de longo prazo mais alta do que os atuais 3%, avaliada pela equipe econômica do governo Lula, poderá incluir uma alteração no horizonte de seu cumprimento. Em vez de metas para os anos-calendário, seria estabelecido um objetivo contínuo ao longo do tempo. A ideia, que foi revelada pela jornalista Julia Duailibi, no Jornal da Globo, não é exatamente nova. Há anos o Banco Central quer aperfeiçoar o regime de metas de inflação.

Pelo sistema vigente, o Conselho Monetário Nacional (CMN) escolhe as metas anuais, com um valor central e um intervalo de tolerância. Para 2023, é 3,25%, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. De 2024 em diante, será 3%. O aferimento do cumprimento da meta ocorre nos anos-calendário. O presidente do BC deve mandar uma carta ao ministro da Fazenda se explicando quando a inflação estoura o piso ou o teto.

O governo Lula avalia adotar uma meta mais alta, de 3,5%, com um intervalo de tolerância provavelmente de dois pontos percentuais. O BC, por sua vez, deveria agir para mantê-la no centro da meta o tempo todo. O presidente do Banco Central deverá dar explicações em qualquer momento, ao longo do ano, que a inflação estourar o teto ou furar o piso.

A nova regra faz sentido porque, no curto prazo, o Copom deve acomodar os efeitos primários de choques de oferta e porque as mexidas nos juros levam cerca de 18 meses para terem efeito máximo na inflação. Na prática, o BC já trabalha dessa forma.

O Banco Central já fez vários estudos para mudar o sistema. Em 2021, a papelada já estava toda pronta para colocar em prática, com minuta de decreto presidencial e pareceres jurídicos. Aquele era o ano adequado porque foi quando CMN definiu a meta de 3% para 2024, que foi o objetivo de longo prazo para a inflação.

Agora, a ideia foi ressuscitada no governo Lula, mas com a proposta de definir uma meta de 3,5%. Esse percentual, porém, não é de todo estranho. Em 2019, Campos Neto chegou a estudar a sua adoção como objetivo contínuo. Em 2019, a meta foi adotada para três anos adiante, ou seja, 2022, exatamente em 3,5%.

O governo havia feito, então, um amplo estudo sobre qual era a meta adequada para o Brasil. A meta atual, de 3%, era uma possibilidade porque, segundo os estudos, não havia razões para o Brasil ter um objetivo diferente de países emergentes da região, como Chile e México. Mas as placas tectônicas nesse debate estavam se movendo, com as discussões nos Estados Unidos para a adoção de um objetivo mais alto dentro do contexto de juros reais muito baixos. Se o Brasil adotasse uma meta de 3,5%, não ficaria longe das demais economias emergentes, e teria uma meta alinhada com as mudanças cogitadas em economias avançadas.

Outra discussão é sobre o intervalo de tolerância. O Banco Central discutiu muito se a redução do intervalo de tolerância, feita em 2015, no governo Dilma, não foi um erro. Até então, o intervalo era de dois pontos percentuais para cima e para baixo. Alguns economistas dizem que o centro da meta deveria ser maior porque a inflação no Brasil é muito volátil, com os vários choques de oferta, e o nosso sistema não usa um núcleo de inflação como meta. É o intervalo de tolerância, não o centro da meta, que deve dar conta dessa volatilidade.

Tecnicamente, o aperfeiçoamento do sistema de metas faz sentido, mas o momento escolhido para uma eventual mudança é muito importante. Em 2019, talvez tivesse sido a melhor oportunidade. O juro estava baixo e com tendência de queda, a política fiscal parecia caminhar melhor com a perspectiva de aprovação da reforma da Previdência e a inflação e as expectativas estavam ancoradas.

Em 2020, a pandemia impediu qualquer discussão sobre o assunto, já que todos os esforços estavam dirigidos a evitar um colapso da economia. Quando o assunto voltou à tona, em 2021, o quadro já era mais desfavorável. A inflação subia rapidamente, e o Banco Central, que apertava os juros, estava com sua credibilidade em questão por ter sinalizado, primeiro, apenas uma retirada parcial dos estímulos e, depois, a normalização da taxa de juro. Mudar o sistema poderia ser visto como um atalho para alongar o horizonte de cumprimento da meta e não fazer o serviço necessário. Agora, o ambiente é muito mais desfavorável. O governo Lula está pressionando o Banco Central para baixar o juro.

Mudar a meta tão pouco, de 3% para 3,5%, daria um alívio na política monetária? Depende. Se, na sua última reunião, o Copom tivesse trabalhado com esse objetivo, não precisaria ter sinalizado a manutenção dos juros altos por um período ainda mais prolongado. Os modelos mostravam que, com cortes de juros em setembro, a inflação ficaria em 3,6% no período de 12 meses até setembro de 2024, basicamente na meta.

A questão é que as projeções de inflação, provavelmente, teriam subido se a meta tivesse mudado. Os especialistas do mercado teriam entendido a alteração como casuística, o que levaria a uma nova rodada de deterioração das expectativas. O Valor consultou informalmente 24 analistas na sexta-feira, sem maiores pretensões científicas, e todos eles, com exceção de três, disseram que a meta de 3% é adequada e que uma eventual mudança levaria a uma alta das expectativas de inflação acima do novo objetivo estabelecido.

Dos economistas consultados, pelo menos três fizeram as suas simulações sobre qual seria a resposta provável, em termos de juros, do Banco Central, considerando uma regra de Taylor. Todos concluem que a dose de juros teria que ser mais forte, com alta na taxa Selic, em vez de afrouxamento, caso a meta fosse fixada em 4% ou 4,5%.

Já os juros negociados em mercado tiveram uma reação, no mínimo, curiosa aos rumores sobre uma eventual mudança de metas: caíram. Há uma sabedoria mais intuitiva entre os operadores do mercado de que, no curto prazo, o Banco Central tem controle sobre a taxa de juros. Ninguém briga contra isso. Mas as taxas de juros mais longas subiram. O recado é que a operação baixa-juro daria errado e, mais adiante, a economia brasileira teria que operar com uma Selic ainda mais elevada.

 

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