Valor Econômico
Banco Central quer saber se queda do
crédito vai afetar a atividade econômica
Setores do mercado financeiro estão
colocando as fichas num cenário de baixa dos juros pelo Banco Central tão cedo
quanto maio. Não dá para descartar, a priori, essa possibilidade, porque muita
coisa pode acontecer até lá, incluindo a apresentação de uma nova regra fiscal.
Mas a aposta parece ter bases frágeis: a premissa é que o BC vai se assustar
com a desaceleração do mercado de crédito e reduzir a taxa Selic.
Naturalmente, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central está de olho em mais do que a simples desaceleração do mercado de crédito para iniciar um eventual ciclo de distensão monetária. O foco é cumprir as metas oficiais de inflação. E há várias questões no caminho para saber se o temido “credit crunch” vai, de fato, ter efeitos para baixar a inflação.
A primeira questão é se os episódios
envolvendo a Americanas e a Light vão, mesmo, provocar uma parada substancial
do mercado de crédito e de capitais, multiplicando os efeitos do aperto
monetário. Na semana passada, o Banco Central mandou a mensagem de que isso não
está acontecendo até agora, por meio da ata de seu Comitê de Estabilidade
Financeira (Comef). Há eventos localizados que preocupam, como os resgates de
cotas de fundos de investimentos - e que, caso se prolonguem, podem provocar
novas rodadas de deterioração no mercado de títulos privados.
Mas o Comef, por ora, não vê essa crise
localizada se espalhando para o mercado de crédito como um todo. Ainda assim,
aparentemente, segue vigiando de perto, levando muito a sério todos os alertas
que estão sendo feitos pelos operadores que sentem mais de perto o pulso desses
mercados. Se a coisa piorar, a tendência seria entrar com instrumentos
macroprudenciais, incluindo as a injeção de recursos no sistema nas novas
linhas de assistência de liquidez e a liberação de depósitos compulsórios.
Um dos segmentos do mercado para os quais o
Comef chamou a atenção, na ata, que não tem nada a ver com a crise da
Americanas, é o sistema de poupança e financiamentos imobiliários. Os saques da
poupança têm sido muito fortes. Isso costuma ocorrer quando os juros básicos
ficam muito altos, e a caderneta de poupança, que tem travas na remuneração,
perde competitividade. No passado, em situações semelhantes, o Banco Central
liberou compulsórios sobre a caderneta de poupança ou flexibilizou o
direcionamento mínimo de recursos para habitação.
Tudo isso está na seara da estabilidade
financeira. É possível ter algumas pistas sobre como o Banco Central vai tratar
do assunto na área de política monetária no questionário pré-Copom, divulgado
na sexta-feira, em que o comitê faz perguntas sobre o estado da economia para
os especialistas que respondem o boletim Focus.
Nesse questionário, o Copom pede a
estimativa dos analistas sobre a evolução do mercado de crédito, em seus
diversos segmentos. É uma pergunta padrão, feita nos meses em que o Banco
Central divulga o seu Relatório de Inflação, mas ganha maior importância em
meio a todos os alertas sobre um “credit crunch”. Será que os especialistas
estão rebaixando as suas previsões para o mercado de crédito?
Uma novidade é que o Banco Central pede uma
avaliação qualitativa do que está mexendo nas projeções de crédito do mercado.
E pergunta, adicionalmente, como as projeções do mercado sobre o crédito estão
influenciando as perspectivas para a atividade econômica.
No fim das contas, o crédito importa para o
Copom porque é um dos vetores de sustentação da atividade econômica. Desde fins
de 2021 o Copom vem procurando esfriar a economia, com juros no terreno
restritivo, para ampliar a capacidade ociosa e criar uma força
desinflacionária. A pergunta é se os especialistas veem uma desaceleração de
crédito tão forte que derrube a atividade.
O que se sabe, até agora, é que os
analistas econômicos aumentaram as suas previsões para a expansão do Produto
Interno Bruto (PIB) neste ano de 0,77% para 0,85% desde que o escândalo da
Americanas foi tornado público, segundo o boletim Focus.
Se, por hipótese, os analistas econômicos
chegarem à conclusão de que o crédito vai fazer a economia embicar para baixo,
o que resta saber é se a desaceleração vai ser suficiente para trazer a
inflação à meta.
Até fins do ano passado, o processo
desinflacionário teria os seus custos usuais, com a desaceleração da economia.
Mas esse custo para baixar a inflação vem aumentando ultimamente, em decorrência
do processo de desancoragem das expectativas de inflação. O Copom discutiu a
fundo a questão no seu encontro de fevereiro, segundo a ata então divulgada
pelo colegiado. Com inflação desancorada, o sacrifício, em termos de perda de
atividade econômica, tenderá a ser maior.
Quem olha o conjunto das expectativas de
mercado percebe que, por enquanto, o hipotético “credit crunch” não mexeu com
as projeções de inflação. Os juros futuros de curto prazo recuaram, mas as
inflações implícitas não tiveram o mesmo desempenho. O Focus está em trajetória
aberta de piora. No conjunto, os preços de mercado dão o recado de que o
mercado espera que o Copom baixe logo os juros, mesmo sem um cenário
desinflacionário se firmar de forma segura.
No fim das contas, parte do mercado faz uma
aposta de que o Banco Central corte os juros com base apenas num cenário de
risco - no caso, um colapso do crédito que, ao fim, levaria à queda da
inflação.
O trabalho de baixar a inflação para as
metas provavelmente vai ocorrer do lado mais dolorido. Em situações semelhantes
de desinflação, a gritaria do lado político e do setor real da economia chegou
a patamares muito mais altos.
Nada disso quer dizer que um corte de juros
num curto horizonte de tempo seja impossível, mas dependeria de uma ação do
governo Lula para ajudar a restabelecer a credibilidade da política monetária.
O Copom tem reconhecido os progressos na área fiscal, mas eles foram apagados
pelas dúvidas sobre as metas de inflação e a independência do BC.
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