Folha de S. Paulo
As democracias sobrevivem devido a
combinações variadas de elementos institucionais e contextuais
Há um debate importante sobre se
determinadas instituições políticas impedem ou favorecem a ascensão e/ou
permanência de líderes populistas radicais. Muitas propostas de reforma
institucional têm sido defendidas com base nessas discussões. Governos unipartidários,
países unitários, cortes constitucionais ou sistemas presidencialistas
favorecem populistas?
Muitos sugerem que o parlamentarismo multipartidário tende a obstaculizar partidos extremistas porque a fragmentação partidária resultante da representação proporcional (RP) faz com que tais partidos só cheguem ao poder em coalizões com partidos não extremistas.
Dessa forma, tais governos perdem grande
parte de sua natureza radical. Mais importante, partidos tradicionais não
extremistas adotam políticas
de cordon sanitaire,
recusando-se a formar coalizão com extremistas. Na Europa, nas décadas de 50 e
60, isso aconteceu com os partidos comunistas, até então antissistema e pró
URSS. Casos notórios recentes são o FPO, na Áustria, e o PVV, dos Países
Baixos, partidos da direita radical.
O caso simétrico seria o dos países que
adotam distritos eleitorais uninominais e são bipartidários. A expectativa aqui
é que a disputa política produza uma convergência ao centro. A rigor esse
debate é clássico. Surgiu na década de 30 e informou muitas das ideias de
reforma no pós-guerra europeu. Muitos atribuíram o colapso da República de
Weimar e a ascensão de Hitler à adoção da RP, em 1920. O remédio viria na Constituição alemã de 1949:
o abandono da RP e adoção de um sistema misto.
O debate recente nos EUA coloca de
ponta-cabeça este argumento clássico. Há um quase consenso entre analistas que
a ascensão de Trump foi facilitada pelo sistema bipartidário americano. Aqui o argumento é que a
introdução das primárias abertas na década de 70 permitiu que minorias radicais
do partido Republicano —e Democrata— lograssem adquirir uma influência que não
tinham no partido. As primárias dão voz e poder a militantes dos partidos que
têm preferências desviantes em relação à preferência mediana dos eleitores dos
partidos. Uma vez feita a escolha do(a) candidato(a), a quase totalidade dos eleitores
sufraga seu nome na eleição geral. Muitos propõem o abandono das primárias e o
voto alternativo (na sigla em inglês, RCV), adotado recentemente em Nova York,
como solução.
Aqui entra a discussão de sistemas de
governo. As evidências do Democratic Erosion Dataset, no entanto, não apontam causalidade forte entre líderes
iliberais e presidencialismo, como sugerem Cheibub e Hicken et al. As democracias sobrevivem devido a combinações variadas
de elementos institucionais e contextuais.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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