Ação contra facção criminosa serve de alerta
O Globo
Combate ao crime organizado exige
coordenação do governo federal nas frentes policial, legal e carcerária
Com a prisão de nove suspeitos, o Estado
brasileiro deu uma necessária demonstração de força ao desmontar na
quarta-feira o plano da maior facção criminosa do país para promover atentados
contra servidores públicos e autoridades. Entre os alvos da ação criminosa
estavam o senador Sergio Moro (União-PR), sua mulher, a deputada Rosângela Moro
(União-SP), e o promotor Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo,
conhecido há anos por combater essa facção com afinco e determinação.
Moro, quando ministro da Justiça, e Gakiya
foram responsáveis pela transferência de seus líderes para presídios federais.
Os sequestros planejados tinham como objetivo intimidar a Justiça e exigir a
libertação de condenados. Eram mais um desafio inaceitável do crime organizado
a decisões da Justiça, linha que jamais deve ser ultrapassada.
O combate ao crime organizado exige ação em várias frentes. A primeira é policial. O plano para sequestrar Moro estava em estágio avançado. Chácaras tinham sido alugadas para servir de cativeiro, veículos blindados e armamentos já estavam em Curitiba. Havia estruturas parecidas com bunkers, atrás de paredes falsas. Ao todo, foram cumpridos 24 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Paraná, Rondônia, Brasília e Mato Grosso do Sul.
São necessárias ações como essa e
vigilância constante para evitar que o Brasil se torne um Estado refém de
narcotraficantes. A ousadia dos bandidos ao planejar uma operação desse vulto
serve de alerta. Se desta vez deu errado, é preciso lembrar que dias atrás
outra facção criminosa semeou o terror no Rio Grande do Norte. Todas as forças
de segurança precisam, portanto, estar mobilizadas e trabalhar juntas, com
planejamento e compartilhamento de informações. O uso da tecnologia é crítico
para o êxito das operações.
A segunda frente é legal, tanto no aspecto
jurídico quanto no parlamentar. A resposta da Justiça deve ser implacável, com
denúncia e punição exemplar dos envolvidos, entre os quais Valter Lima
Nascimento, apontado como liderança da facção criminosa e elo com traficantes
de outros países. No Congresso, é preciso promover as mudanças necessárias numa
legislação penal ainda demasiado leniente, que funciona como incentivo ao
crime.
A terceira frente é carcerária. Até agora o
Estado brasileiro não restabeleceu o domínio sobre os presídios, onde facções
atuam há décadas sem freio. Uma política nacional de segurança liderada pelo
governo federal é essencial para retomar as prisões. Enquanto os presídios
funcionarem como sedes de facções e escolas do crime, não cumprirão sua função
social.
Por fim, é lamentável, diante de evento
gravíssimo, a tentativa de politizar a ação ou de estabelecer vínculos espúrios
entre os fatos e ações ou declarações desastradas deste ou daquele político.
Tem plena razão o ministro da Justiça, Flávio Dino, ao afirmar: “É vil, leviana
e descabida qualquer vinculação desses eventos com a política brasileira.
[Essa] investigação [é] tão séria que foi feita em defesa da vida e da
integridade de um senador de oposição a nosso governo”. Tentar tirar proveito
político da situação com desinformação é irresponsável, porque se baseia em
mentira; criminoso, porque faz o jogo dos bandidos; e impatriótico, porque
enfraquece a coesão necessária para defender a segurança de autoridades da
República. Não é momento para molecagens.
Vitória de Macron na reforma da Previdência
traz lição para o Brasil
O Globo
Também aqui chegará a hora de atualizações
na reforma de 2019 com regras mais duras de aposentadoria
Emparedado por greves sucessivas, pelas
manifestações que incendiaram as ruas em Paris e noutras cidades e pela
dificuldade de aprovar no Legislativo o aumento da idade mínima para
aposentadoria — de 62 para 64 anos —, o presidente da França, Emmanuel Macron,
não teve alternativa. Recorreu ao artigo da Constituição que confere ao
presidente o poder de aprovar projetos sem aval da Assembleia Nacional, de
número 49.3. Decretou a mudança nas regras do generoso sistema previdenciário
francês, depois sobreviveu às moções de desconfiança obrigatórias nesses casos.
Aprovado em 1958, o dispositivo já fora
usado 89 vezes, mais por governos de esquerda (56) que de direita (33) — o
recordista foi o socialista Michel Rocard, que o acionou 28 vezes. Na mais
recente fora invocado no primeiro mandato de Macron, também para aprovar
projeto sobre a seguridade social. Desta vez, a revolta recrudesceu, já que a
Previdência é tema dos mais sensíveis para o eleitorado. Anunciada a mudança,
desabou a popularidade de Macron e de sua primeira-ministra, Élisabeth Borne. É
o ônus do cargo.
Tomar decisões impopulares, mas
necessárias, é dever de todo governante que se preze. A demografia é fator
determinante para as regras previdenciárias. Macron e Borne argumentam, com
razão, que a expectativa de vida aumentou, portanto é necessário trabalhar mais
para a Previdência ser sustentável. O mesmo argumento foi a principal
justificativa para a reforma da Previdência também aqui no Brasil. No caso
francês, a urgência é ainda maior por outros fatores.
O déficit público da França está em 5% do
PIB, bem acima dos 3% estabelecidos como teto pelo Tratado de Maastricht, que
instituiu a União Europeia (UE). É crucial que a segunda maior economia do
bloco mantenha uma política fiscal responsável para preservar o euro. Na
França, apenas um terço da população entre 60 e 64 anos é economicamente ativa,
ante 43% na UE. A idade média dos franceses ao se aposentar — 60,4 para homens
e 60,9 para mulheres — é menor que no Reino Unido (63,7 e 63,2,
respectivamente) e na Alemanha (63,1 e 63,2). Em contrapartida, o tempo em que
o francês usufrui sua aposentadoria é o segundo mais longo entre países da
OCDE, só ultrapassado pelos luxemburgueses (as francesas estão em terceiro
lugar).
Apenas o aumento de dois anos na idade mínima de aposentadoria representará € 17,7 bilhões em receita anual para a Previdência em 2030, zerando o déficit previsto. O tempo passará, e novas atualizações serão necessárias. Exatamente como no Brasil. Por aqui, o governo Jair Bolsonaro se baseou no projeto de Michel Temer para fazer a reforma que resultou na idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Ela foi atenuada para militares e servidores públicos. O ministro da Previdência, Carlos Lupi, manifestou intenção de promover retrocessos na reforma, em especial nas pensões. Infelizmente para Lupi, a demografia é inexorável. Também aqui, como na França, chegará o momento de atualizações que endureçam as regras.
Lula só tem a perder
Folha de S. Paulo
Não deveria ser necessária mais uma prova
de como é tola a ofensiva contra juros
Ao manter sua taxa de juros em 13,75% ao
ano, o Banco Central apenas confirmou sinalizações recentes de que ainda não
estão dadas as condições para o afrouxamento da política monetária.
Não deixou de ser surpresa, no entanto, o
tom duro do comunicado da decisão, no qual não se vê nenhuma concessão às
pressões descabidas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela queda da
Selic.
Ao contrário, o Comitê de
Política Monetária reafirma os riscos altistas para a inflação, que
derivam principalmente da incerteza ainda existente sobre a nova regra fiscal e
do continuado aumento das expectativas para a variação dos preços. Nesse
cenário, aponta o texto, os juros podem até mesmo subir.
Nem deveria ser necessária mais essa prova
da inutilidade da gritaria petista contra o BC. Até se entende, por uma lógica
mesquinha, que governo e partido procurem um bode expiatório para um desempenho
sofrível da economia neste ano. A insistência numa ofensiva irracional, porém,
ameaça provocar danos mais duradouros.
Sem ter tomado medidas importantes desde a
posse, Lula só sinaliza desorientação ao empenhar-se numa batalha inglória. O
BC é autônomo por lei, e o Planalto, tudo indica, não dispõe de votos para
mudar tal condição ou para derrubar o presidente do órgão —e, se conseguisse
fazê-lo, as consequências seriam desastrosas.
Decisões de política monetária não são
ciência exata, como é evidente, mas o governo tem responsabilidades mais elevadas
do que fazer oposição a uma instituição pública. Ademais, as razões expostas
pelo Copom são consistentes.
As projeções para o IPCA subiram de 5,6%
para 5,8% neste ano e de 3,4% para 3,6% em 2024, mesmo com desaceleração do
PIB. A meta de 3,25% neste ano não será atingida, todos sabem, mas é preciso
trabalhar para que o índice caminhe aos 3% desejados no próximo.
Persistem, além disso, as dúvidas quanto ao
compromisso do governo com o reequilíbrio do Orçamento e o controle da dívida
pública. A regra fiscal proposta pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda,
sofreu uma série de ataques petistas e teve seu anúncio adiado.
O governo insistiu na tolice de criticar o
BC após o anúncio dos juros. Haddad, um dos mais moderados, classificou a
decisão como muito preocupante.
Já Lula retomou
a hostilidade direta ao presidente do órgão, Roberto Campos Neto, a quem
tratou de "esse cidadão" e acusou de não estar desempenhando as
funções do cargo definidas em lei.
O petista desperdiçou mais uma oportunidade
de contribuir com atos —como o compromisso com a responsabilidade orçamentária—
para a queda dos juros.
A balança do clima
Folha de S. Paulo
Emergência ambiental só será enfrentada com
contabilidade transparente de perdas
O Painel Intergovernamental sobre Mudança
do Clima (IPCC, em inglês), órgão criado pela ONU em 1988, já lançou seis
relatórios sobre aquecimento global e cenários de crise. Desde o primeiro, o
alarme soado tornou-se cada vez mais estridente —e não foi ouvido.
Nesta semana, veio a público o sexto
documento. Se em 1990 se falava na mera capacidade humana de aumentar a
temperatura média do planeta, a retórica escalou para afirmar ser
"inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra".
Antes, relatórios do IPCC projetavam danos
futuros por prováveis eventos
extremos, como enchentes, secas, ciclones e incêndios. Agora,
trata-se do aumento comprovado desses desastres.
O texto se esforça por destacar boas
notícias, realçando que ainda
há tempo para cumprir a meta do Acordo de Paris (2015) de
manter o aquecimento abaixo de 2ºC. Para tanto, seria imperioso cortar em ao
menos 48%, até 2030, as emissões globais de gases do efeito estufa.
Houve queda nos custos de energia solar
(85%), eólica (55%) e baterias de lítio (85%). A implantação de energia
fotovoltaica aumentou mais de dez vezes, e a venda de veículos elétricos, mais
de cem.
Há tecnologias para fazer a transição
energética e aposentar combustíveis fósseis, decerto, mas mesmo esse ritmo
acelerado de adoção fica aquém do necessário, após três décadas de
procrastinação. Em paralelo, emissões de carbono nunca retrocederam, fora na
pandemia, e em 2022
voltaram a crescer.
A dificuldade reside no fato de que as
perdas de bens e infraestrutura são percebidas como eventos futuros, ou
decorrentes de desastres tidos como naturais. Não são contabilizadas como
prejuízos diretos da mudança do clima, o que daria mais clareza sobre a
exposição a riscos de empresas e setores inteiros, imprimindo talvez maior
senso de urgência a governos.
A empresa global de resseguros Swiss Re
estima que os danos econômicos climáticos montaram a US$ 257 bilhões em 2022
(R$ 1,45 trilhão), dos quais só US$ 125 bilhões estavam cobertos por seguros.
Quando entrarem na balança as perdas em vidas, saúde e capital natural (florestas, recursos hídricos, solos férteis, ar respirável etc.), quem sabe autoridades reguladoras começarão a levantar barreiras e retirar subsídios dos setores mais dependentes de combustíveis fósseis. Pela marcha atual, porém, poderá ser demasiado tarde.
O necessário recado do Banco Central
O Estado de S. Paulo.
A falta de um arcabouço fiscal é a
principal responsável pela desancoragem das expectativas e a manutenção da taxa
de juros. Se Lula quer juros mais baixos, deve fazer sua parte
O Comitê de Política Monetária (Copom) do
Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano. A decisão,
anunciada na última quarta-feira, era esperada. Ninguém achava que o BC
começaria a reduzir a Selic desde já. O que revoltou uma parte dos integrantes
do governo foi o comunicado oficial divulgado pela instituição logo após a
reunião. Não apenas o Banco Central não sinalizou um relaxamento na condução da
política monetária, como indicou o contrário. Afirmou que “não hesitará em
retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como
esperado”. O governo entendeu o recado e vestiu a carapuça.
No texto, o BC voltou a mencionar as
incertezas que têm marcado o cenário internacional. Já de início, a autoridade
monetária destacou que o ambiente externo se deteriorou. Desde a última reunião
do Copom, em fevereiro, Silicon Valley Bank e Signature Bank fecharam nos
Estados Unidos; para conter o espraiamento da crise bancária, autoridades
suíças obrigaram o
UBS a comprar o Credit Suisse. Ainda assim,
o economista-chefe interino da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), Álvaro Pereira, destacou que a inflação segue como a
principal preocupação mundial. As decisões mais recentes do Federal Reserve
(Fed) e do Banco Central Europeu (BCE) convergem nesse mesmo sentido.
O Banco Central brasileiro tem o mérito de
ter iniciado o ciclo de aumento dos juros mais cedo que seus pares, mas isso
não quer dizer que o trabalho esteja concluído. No curto prazo, o índice
oficial de inflação subiu 0,84% em fevereiro; 65% dos 377 subitens que compõem
o indicador tiveram aumento de preço. Serviços, um dos setores mais sensíveis
aos efeitos da política monetária, aumentaram 1,41% no mês passado. Em 12
meses, o IPCA acumula alta de 5,60%, ainda acima da meta. No médio prazo, as
expectativas para a inflação deste ano e de 2024 subiram nas últimas semanas e
permanecem superiores ao intervalo de tolerância.
O cenário é complexo e inspira muita
cautela, mas houve quem esperasse uma demonstração de boa vontade com o governo
Lula por parte do BC. Só se o ato estivesse investido na mais pura fé. Afinal,
a despeito do esforço do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o principal e
mais aguardado anúncio da equipe econômica foi adiado para abril. As premissas
da proposta que substituirá o teto de gastos seguem desconhecidas, mas isso não
impediu que elas fossem bombardeadas por integrantes do governo. Essas
críticas, afinal, não dizem respeito aos detalhes do projeto, mas à própria
necessidade da âncora e ao que ela representa em termos de responsabilidade
fiscal.
A ausência de um arcabouço crível tem sido
a principal responsável pela desancoragem das expectativas do mercado em
relação aos juros futuros e à inflação. Haddad tem plena consciência disso,
diferentemente de muitos de seus colegas de Esplanada que se recusam a aceitar
esse aspecto inexorável da economia. A reunião do Copom nem havia acabado, mas
o ministro da Casa Civil, Rui Costa, já havia dito que a atuação de Roberto
Campos Neto à frente do BC era um desserviço para a população.
Em um debate econômico contaminado pela
disputa política, o presidente do BC seria um perfeito bode expiatório. Além de
ter sido indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao cargo, ele fez questão
de votar vestido com uma camisa da seleção brasileira. Mas essa narrativa não
resiste à realidade dos fatos. A decisão de manter os juros não foi somente
dele, mas dos outros oito diretores que integram o colegiado do Copom.
A tentativa de personificar a discussão
pode até agitar a claque de apoiadores, mas também expõe a falta de argumentos
técnicos de quem coordena esses ataques. Isso, sim, é um verdadeiro desserviço
ao País. O governo pode espernear à vontade, mas isso não muda a principal
missão institucional do BC, que é proteger a estabilidade do poder de compra da
moeda. Do lado fiscal, se assim desejar, o governo tem muito a contribuir para
o cumprimento desse objetivo.
O rancor de Lula desrespeita o País
O Estado de S. Paulo.
Ao atribuir o plano do PCC de matar
autoridades a uma ‘armação de Moro’, o presidente desmoraliza seu próprio
ministro da Justiça e alimenta o ódio que tão mal tem feito ao Brasil
O presidente Lula da Silva, aquele que se
elegeu pregando o diálogo e que se acha capaz de dobrar até a Rússia de Putin
só no papo, está se deixando levar pelo rancor, que não costuma ser bom
conselheiro. No momento em que os brasileiros tomaram conhecimento, chocados,
de um plano do PCC para assassinar autoridades País afora, o presidente, em vez
de elogiar o aparato de segurança federal que foi capaz de frustrar os intentos
criminosos daquela organização, preferiu pôr em dúvida a própria existência do
plano. O que motivou Lula da Silva a desmoralizar a Polícia Federal (PF) e o
Ministério da Justiça de seu próprio governo foi a revelação de que um dos
alvos do PCC era o senador Sérgio Moro, que foi seu algoz na Operação Lava
Jato.
Depois de dizer que pretende ser
“cauteloso” e “descobrir o que aconteceu”, declarou, sem deixar dúvidas, que,
para ele, “é visível que é uma armação do Moro”. Se Lula é “cauteloso” assim,
Deus livre o País quando ele não for.
Até aquele momento, a operação contra o PCC
era motivo de orgulho no governo, por razões óbvias: além da vitória contra um
dos mais insidiosos grupos criminosos do mundo, fruto de cuidadoso trabalho de
inteligência, a ação impediu um atentado contra um dos principais opositores do
governo, o senador Moro, mostrando que a máquina do Estado, neste caso,
funcionou de maneira apartidária. Não demorou para que o ministro da Justiça,
Flávio Dino, celebrasse essa conquista como um contraste evidente em relação ao
governo anterior, de Jair Bolsonaro, que tudo fez para transformar a PF em
polícia a seu serviço e contra desafetos. Lula poderia ter seguido o exemplo de
Dino, mas escolheu a leviandade, mostrando que teorias da conspiração
estapafúrdias não são monopólio do extremismo bolsonarista.
Lula da Silva deve ter lá suas razões para
não gostar de Sérgio Moro. Afinal, passou mais de 500 dias na cadeia depois de
condenado pelo então magistrado. Não se espera, portanto, que o petista perdoe
Moro, mas um estadista, como o que Lula da Silva pretende ser, é justamente
aquele que é capaz de deixar de lado suas eventuais mágoas pessoais em nome dos
interesses nacionais. E é também aquele capaz de demonstrar empatia com a
aflição alheia, mesmo que seja a de seu maior adversário. Se Moro e sua família
estavam sob ameaça, como mostraram as investigações, então o presidente da
República tinha o dever de respeitá-los. Sendo incapaz de dirigir uma palavra
de solidariedade a Moro, que então se calasse.
No afã de atacar Moro, Lula acabou
desprestigiando seu ministro da Justiça, Flávio Dino, que passou os últimos
dois dias dando inúmeros detalhes sobre a operação contra o PCC e festejando o
fato de que a investigação “é tão séria que foi feita em defesa da vida e da
integridade de um senador de oposição ao nosso governo”. Ora, se o presidente
da República desconfia que tudo isso não passa de “armação de Moro”, das duas,
uma: ou Flávio Dino pede demissão por ter sido feito de bobo pelo senador ou é
demitido por Lula, pois o presidente acha que ele foi feito de bobo.
Tudo considerado, o discurso de Lula da
Silva é um acinte. Lança aleivosias como se estivesse no botequim, como se não
fosse o chefe de Estado, a quem cabe a responsabilidade de liderar a ofensiva
contra o crime organizado. Em lugar de assumir a condição de presidente da
República e, assim, dar apoio a um senador ameaçado por perigosíssimos
delinquentes, Lula se comportou de modo irresponsável e primário. Não foi Moro,
apenas, o desrespeitado pelo presidente: foi a República. Porque não é
republicano deixar que malquerenças pessoais contaminem o discurso e a prática
presidenciais.
É, ademais, o tipo da reação que alimenta o
ódio que tanto mobiliza os radicais no País há tempo demais. Lula precisa sair
da cadeia de uma vez por todas, parar de ruminar vingança contra seus carrascos
reais e imaginários e assumir, com espírito conciliador, a Presidência da
República, para a qual foi eleito com a promessa de pacificar o Brasil.
‘In dubio pro reo’
O Estado de S. Paulo.
Projeto de lei que beneficia réu em caso de
empate não deveria suscitar polêmica, pois só reafirma o óbvio
A Constituição estabelece os direitos e as
liberdades fundamentais, mas isso não assegura, por si só, que todo o
funcionamento do aparato estatal esteja alinhado com esses direitos e
liberdades. É tarefa do
Congresso detectar eventuais falhas e
carências, corrigindo-as por meio de uma adequada regulamentação. Exemplo
recente foi a aprovação na Câmara do Projeto de Lei (PL) 3.453/21, que
determina, em caso de empate de votos, a adoção da decisão mais favorável ao
réu nos julgamentos envolvendo matéria penal ou processual penal. O projeto
será agora analisado pelo Senado.
Trata-se de uma norma civilizatória
fundamental, consequência direta dos princípios da presunção da inocência e da
dignidade da pessoa humana diante da ação do Estado: in dubio pro reo. Na
dúvida, deve prevalecer a posição mais favorável ao réu.
A rigor, o PL 3.453/21 é um tema óbvio, que
não deveria suscitar questionamentos e, menos ainda, polêmicas. Havendo empate,
as decisões judiciais devem favorecer a pessoa, e não o poder estatal. Em 1841,
o Código de Processo Criminal do Império já estabelecia: “No caso do empate se
adotará a opinião mais favorável ao acusado”.
Nos estranhos tempos atuais, no entanto, há
quem pretenda desautorizar o princípio in dubio pro reo, como se, em caso de
dúvida, a punição devesse prevalecer. Foi o que ocorreu em 2021, com o Supremo
Tribunal Federal (STF) determinando que o benefício em favor do acusado deveria
valer apenas em julgamentos de habeas corpus. Agora, com o PL 3.453/21, a
Câmara faz o que tanto tem se pedido ao Legislativo nos dias de hoje: cumprindo
sua tarefa constitucional, fixa a devida regulamentação do tema, corrigindo
lacunas que poderiam suscitar indevidas criatividades do Judiciário.
Em outra importante defesa das liberdades
individuais e do devido processo legal, o PL 3.453/21 estabelece que toda
autoridade judicial pode, no âmbito de sua competência, conceder de ofício
habeas corpus. Se o juiz detecta, dentro da esfera de suas atribuições, a
existência de uma prisão ilegal ou a ocorrência de abuso de poder que ameace a
liberdade de alguém, ele não precisa ser acionado por ninguém para interromper
essa ilegalidade. Tal autorização representa evidente aperfeiçoamento do
sistema de Justiça penal, em favor da liberdade e da legalidade.
No entanto, apesar de todos esses avanços,
houve quem tenha visto no PL 3.453/21 uma ação para “livrar políticos
corruptos”. Ora, se a polícia e o Ministério Público cumprem seu trabalho, não
há nenhum risco de empate nos casos de corrupção. A Justiça condena e pronto. O
que não cabe, num Estado Democrático de Direito, é ter condenações sem provas,
com teses de acusação incapazes sequer de convencer a maioria dos juízes.
Além de ser estímulo para que todos os
envolvidos no sistema de Justiça penal trabalhem melhor, o PL 3.453/21 evita
que inocentes sejam condenados. Esse é o erro judicial mais odioso, pela
injustiça em si e por deixar impune o verdadeiro culpado. Não basta punir, é
preciso punir corretamente.
Críticas do governo ao BC carecem de bons argumentos
Valor Econômico
Governo esperava que o Copom acolhesse
positivamente uma mudança do regime fiscal não divulgada e desconhecida por
todos
O Banco Central tem boas razões para manter
os juros onde estão, cumprindo obrigação que lhe foi delegada pelo Congresso,
que também lhe deu autonomia para a missão. O presidente da República, como
qualquer cidadão, pode discordar dos métodos utilizados e das conclusões. Não
deveria, entretanto, atacar a instituição só porque suas decisões não lhe
agradam, esgrimindo platitudes, e insinuar a demissão do presidente do BC,
Roberto Campos Neto, como fez ontem mais uma vez, ao dizer que o Senado deveria
“cuidar” dele. O presidente e o PT só aceitam juros altos quando têm o controle
do BC, como no primeiro mandato de Lula, em que a taxa real chegou a 18%.
O governo não aceita uma política monetária
restritiva porque quer gastar mais sem obstáculos no caminho. O Planalto e o PT
criam um ambiente medíocre no qual desaparece qualquer discussão séria sobre a
política monetária. Ao atacar a autonomia do BC, força uma atitude reativa
contrária, e ao deslocar a ênfase sobre a conveniência da atual política
monetária para searas subjetivas de se o comunicado do BC foi feito em termos
“duros” ou não, cria uma cortina de fumaça sobre o que interessa de fato.
O comunicado do Copom é “cartesiano”, segundo o economista do Vinci Partners, José Carvalho (Valor, ontem). Se a perspectiva é a persistência da inflação bem longe da meta o BC não poderia agir de maneira diferente da que agiu. Por algum motivo inexplicável, o governo esperava que o Copom acolhesse positivamente uma mudança do regime fiscal não divulgada até agora e desconhecida por todos. O comunicado não poderia deixar de assinalar, como fez, as “incertezas” fiscais como um dos fatores que podem elevar a inflação. Até agora, declarações de ministros e do presidente Lula indicam uma imensa vontade de gastar e inapetência para conter despesas.
As expectativas de inflação se
deterioraram. Pelos modelos utilizados pelo BC, apenas se a taxa de 13,75% for
mantida até 2024 a inflação atingirá o centro da meta de 3%. Caso seja cortada
a partir de outubro, como prevê o mercado, chegaria a 3,6% no ano que vem.
O BC apontou mudança no cenário de riscos.
Saiu do comunicado a ameaça altista de um hiato do produto “mais estreito” do que
o previsto, em especial no mercado de trabalho - reconhecimento da
desaceleração clara da economia -, e em seu lugar entrou a “desancoragem maior,
ou mais duradoura, das expectativas de inflação por prazos mais longos”.
Do lado baixista, o que é significativo,
deixou de constar a manutenção dos cortes de impostos (exemplo, combustíveis) e
se incluiu “a desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que o
que seria compatível com o atual estágio da política monetária”. O BC retirou
também o trecho que apontava “a variância maior do que a usual para com a
inflação prospectiva”.
Além disso, nos modelos nos quais o BC
projeta a inflação, ela segue alta e resistente. Os núcleos, que excluem
alimentos e energia - parte da “inflação da oferta” à qual o PT atribui
exclusivamente a origem do surto inflacionário - continuam muito acima do que
seria compatível com a meta de até 4,75% este ano e 4,5% em 2024.
As críticas ao BC são inconsistentes. Há
unanimidade no país de que a taxa de juros é muito alta e impede o crescimento,
caso persista. Mas ministros e PT preferem seguir o apelo populista do chefe e
repetir que tal carga de juros não se justifica com inflação de 5,9%. Ao
defender reduzi-la, desconsideram o sistema de metas de inflação, seguido ao pé
da letra por Lula em dois mandatos e destruído no governo de Dilma Rousseff.
Poderiam contrapor, em uma discussão
válida, que o balanço de riscos do Copom não está equilibrado, como aponta o
comunicado, e sim inclinado para o lado negativo com o aperto no crédito e a
tendência deflacionária da restrição de liquidez nas principais economias,
decorrente da desconfiança sobre a saúde financeira de alguns bancos, por
exemplo.
Os métodos políticos utilizados para tentar mudar a política do BC são velhacos. O governo poderia convocar reunião do CMN, onde tem maioria, e mudar as metas de inflação. Sabe, no entanto, que isso provocaria enorme turbulência econômica. Prefere então açular a tropa petista contra o presidente do BC para ejetá-lo do cargo, mas não se incomoda em sancionar indicações do Centrão para estatais onde há sérias suspeitas de corrupção para não desagradar ao presidente da Câmara, Arthur Lira, a quem prestam servidão voluntária.
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