sexta-feira, 24 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Ação contra facção criminosa serve de alerta

O Globo

Combate ao crime organizado exige coordenação do governo federal nas frentes policial, legal e carcerária

Com a prisão de nove suspeitos, o Estado brasileiro deu uma necessária demonstração de força ao desmontar na quarta-feira o plano da maior facção criminosa do país para promover atentados contra servidores públicos e autoridades. Entre os alvos da ação criminosa estavam o senador Sergio Moro (União-PR), sua mulher, a deputada Rosângela Moro (União-SP), e o promotor Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo, conhecido há anos por combater essa facção com afinco e determinação.

Moro, quando ministro da Justiça, e Gakiya foram responsáveis pela transferência de seus líderes para presídios federais. Os sequestros planejados tinham como objetivo intimidar a Justiça e exigir a libertação de condenados. Eram mais um desafio inaceitável do crime organizado a decisões da Justiça, linha que jamais deve ser ultrapassada.

O combate ao crime organizado exige ação em várias frentes. A primeira é policial. O plano para sequestrar Moro estava em estágio avançado. Chácaras tinham sido alugadas para servir de cativeiro, veículos blindados e armamentos já estavam em Curitiba. Havia estruturas parecidas com bunkers, atrás de paredes falsas. Ao todo, foram cumpridos 24 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Paraná, Rondônia, Brasília e Mato Grosso do Sul.

São necessárias ações como essa e vigilância constante para evitar que o Brasil se torne um Estado refém de narcotraficantes. A ousadia dos bandidos ao planejar uma operação desse vulto serve de alerta. Se desta vez deu errado, é preciso lembrar que dias atrás outra facção criminosa semeou o terror no Rio Grande do Norte. Todas as forças de segurança precisam, portanto, estar mobilizadas e trabalhar juntas, com planejamento e compartilhamento de informações. O uso da tecnologia é crítico para o êxito das operações.

A segunda frente é legal, tanto no aspecto jurídico quanto no parlamentar. A resposta da Justiça deve ser implacável, com denúncia e punição exemplar dos envolvidos, entre os quais Valter Lima Nascimento, apontado como liderança da facção criminosa e elo com traficantes de outros países. No Congresso, é preciso promover as mudanças necessárias numa legislação penal ainda demasiado leniente, que funciona como incentivo ao crime.

A terceira frente é carcerária. Até agora o Estado brasileiro não restabeleceu o domínio sobre os presídios, onde facções atuam há décadas sem freio. Uma política nacional de segurança liderada pelo governo federal é essencial para retomar as prisões. Enquanto os presídios funcionarem como sedes de facções e escolas do crime, não cumprirão sua função social.

Por fim, é lamentável, diante de evento gravíssimo, a tentativa de politizar a ação ou de estabelecer vínculos espúrios entre os fatos e ações ou declarações desastradas deste ou daquele político. Tem plena razão o ministro da Justiça, Flávio Dino, ao afirmar: “É vil, leviana e descabida qualquer vinculação desses eventos com a política brasileira. [Essa] investigação [é] tão séria que foi feita em defesa da vida e da integridade de um senador de oposição a nosso governo”. Tentar tirar proveito político da situação com desinformação é irresponsável, porque se baseia em mentira; criminoso, porque faz o jogo dos bandidos; e impatriótico, porque enfraquece a coesão necessária para defender a segurança de autoridades da República. Não é momento para molecagens.

Vitória de Macron na reforma da Previdência traz lição para o Brasil

O Globo

Também aqui chegará a hora de atualizações na reforma de 2019 com regras mais duras de aposentadoria

Emparedado por greves sucessivas, pelas manifestações que incendiaram as ruas em Paris e noutras cidades e pela dificuldade de aprovar no Legislativo o aumento da idade mínima para aposentadoria — de 62 para 64 anos —, o presidente da França, Emmanuel Macron, não teve alternativa. Recorreu ao artigo da Constituição que confere ao presidente o poder de aprovar projetos sem aval da Assembleia Nacional, de número 49.3. Decretou a mudança nas regras do generoso sistema previdenciário francês, depois sobreviveu às moções de desconfiança obrigatórias nesses casos.

Aprovado em 1958, o dispositivo já fora usado 89 vezes, mais por governos de esquerda (56) que de direita (33) — o recordista foi o socialista Michel Rocard, que o acionou 28 vezes. Na mais recente fora invocado no primeiro mandato de Macron, também para aprovar projeto sobre a seguridade social. Desta vez, a revolta recrudesceu, já que a Previdência é tema dos mais sensíveis para o eleitorado. Anunciada a mudança, desabou a popularidade de Macron e de sua primeira-ministra, Élisabeth Borne. É o ônus do cargo.

Tomar decisões impopulares, mas necessárias, é dever de todo governante que se preze. A demografia é fator determinante para as regras previdenciárias. Macron e Borne argumentam, com razão, que a expectativa de vida aumentou, portanto é necessário trabalhar mais para a Previdência ser sustentável. O mesmo argumento foi a principal justificativa para a reforma da Previdência também aqui no Brasil. No caso francês, a urgência é ainda maior por outros fatores.

O déficit público da França está em 5% do PIB, bem acima dos 3% estabelecidos como teto pelo Tratado de Maastricht, que instituiu a União Europeia (UE). É crucial que a segunda maior economia do bloco mantenha uma política fiscal responsável para preservar o euro. Na França, apenas um terço da população entre 60 e 64 anos é economicamente ativa, ante 43% na UE. A idade média dos franceses ao se aposentar — 60,4 para homens e 60,9 para mulheres — é menor que no Reino Unido (63,7 e 63,2, respectivamente) e na Alemanha (63,1 e 63,2). Em contrapartida, o tempo em que o francês usufrui sua aposentadoria é o segundo mais longo entre países da OCDE, só ultrapassado pelos luxemburgueses (as francesas estão em terceiro lugar).

Apenas o aumento de dois anos na idade mínima de aposentadoria representará € 17,7 bilhões em receita anual para a Previdência em 2030, zerando o déficit previsto. O tempo passará, e novas atualizações serão necessárias. Exatamente como no Brasil. Por aqui, o governo Jair Bolsonaro se baseou no projeto de Michel Temer para fazer a reforma que resultou na idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Ela foi atenuada para militares e servidores públicos. O ministro da Previdência, Carlos Lupi, manifestou intenção de promover retrocessos na reforma, em especial nas pensões. Infelizmente para Lupi, a demografia é inexorável. Também aqui, como na França, chegará o momento de atualizações que endureçam as regras.

Lula só tem a perder

Folha de S. Paulo

Não deveria ser necessária mais uma prova de como é tola a ofensiva contra juros

Ao manter sua taxa de juros em 13,75% ao ano, o Banco Central apenas confirmou sinalizações recentes de que ainda não estão dadas as condições para o afrouxamento da política monetária.

Não deixou de ser surpresa, no entanto, o tom duro do comunicado da decisão, no qual não se vê nenhuma concessão às pressões descabidas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela queda da Selic.

Ao contrário, o Comitê de Política Monetária reafirma os riscos altistas para a inflação, que derivam principalmente da incerteza ainda existente sobre a nova regra fiscal e do continuado aumento das expectativas para a variação dos preços. Nesse cenário, aponta o texto, os juros podem até mesmo subir.

Nem deveria ser necessária mais essa prova da inutilidade da gritaria petista contra o BC. Até se entende, por uma lógica mesquinha, que governo e partido procurem um bode expiatório para um desempenho sofrível da economia neste ano. A insistência numa ofensiva irracional, porém, ameaça provocar danos mais duradouros.

Sem ter tomado medidas importantes desde a posse, Lula só sinaliza desorientação ao empenhar-se numa batalha inglória. O BC é autônomo por lei, e o Planalto, tudo indica, não dispõe de votos para mudar tal condição ou para derrubar o presidente do órgão —e, se conseguisse fazê-lo, as consequências seriam desastrosas.

Decisões de política monetária não são ciência exata, como é evidente, mas o governo tem responsabilidades mais elevadas do que fazer oposição a uma instituição pública. Ademais, as razões expostas pelo Copom são consistentes.

As projeções para o IPCA subiram de 5,6% para 5,8% neste ano e de 3,4% para 3,6% em 2024, mesmo com desaceleração do PIB. A meta de 3,25% neste ano não será atingida, todos sabem, mas é preciso trabalhar para que o índice caminhe aos 3% desejados no próximo.

Persistem, além disso, as dúvidas quanto ao compromisso do governo com o reequilíbrio do Orçamento e o controle da dívida pública. A regra fiscal proposta pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda, sofreu uma série de ataques petistas e teve seu anúncio adiado.

O governo insistiu na tolice de criticar o BC após o anúncio dos juros. Haddad, um dos mais moderados, classificou a decisão como muito preocupante.

Já Lula retomou a hostilidade direta ao presidente do órgão, Roberto Campos Neto, a quem tratou de "esse cidadão" e acusou de não estar desempenhando as funções do cargo definidas em lei.

O petista desperdiçou mais uma oportunidade de contribuir com atos —como o compromisso com a responsabilidade orçamentária— para a queda dos juros.

A balança do clima

Folha de S. Paulo

Emergência ambiental só será enfrentada com contabilidade transparente de perdas

O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, em inglês), órgão criado pela ONU em 1988, já lançou seis relatórios sobre aquecimento global e cenários de crise. Desde o primeiro, o alarme soado tornou-se cada vez mais estridente —e não foi ouvido.

Nesta semana, veio a público o sexto documento. Se em 1990 se falava na mera capacidade humana de aumentar a temperatura média do planeta, a retórica escalou para afirmar ser "inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra".

Antes, relatórios do IPCC projetavam danos futuros por prováveis eventos extremos, como enchentes, secas, ciclones e incêndios. Agora, trata-se do aumento comprovado desses desastres.

O texto se esforça por destacar boas notícias, realçando que ainda há tempo para cumprir a meta do Acordo de Paris (2015) de manter o aquecimento abaixo de 2ºC. Para tanto, seria imperioso cortar em ao menos 48%, até 2030, as emissões globais de gases do efeito estufa.

Houve queda nos custos de energia solar (85%), eólica (55%) e baterias de lítio (85%). A implantação de energia fotovoltaica aumentou mais de dez vezes, e a venda de veículos elétricos, mais de cem.

Há tecnologias para fazer a transição energética e aposentar combustíveis fósseis, decerto, mas mesmo esse ritmo acelerado de adoção fica aquém do necessário, após três décadas de procrastinação. Em paralelo, emissões de carbono nunca retrocederam, fora na pandemia, e em 2022 voltaram a crescer.

A dificuldade reside no fato de que as perdas de bens e infraestrutura são percebidas como eventos futuros, ou decorrentes de desastres tidos como naturais. Não são contabilizadas como prejuízos diretos da mudança do clima, o que daria mais clareza sobre a exposição a riscos de empresas e setores inteiros, imprimindo talvez maior senso de urgência a governos.

A empresa global de resseguros Swiss Re estima que os danos econômicos climáticos montaram a US$ 257 bilhões em 2022 (R$ 1,45 trilhão), dos quais só US$ 125 bilhões estavam cobertos por seguros.

Quando entrarem na balança as perdas em vidas, saúde e capital natural (florestas, recursos hídricos, solos férteis, ar respirável etc.), quem sabe autoridades reguladoras começarão a levantar barreiras e retirar subsídios dos setores mais dependentes de combustíveis fósseis. Pela marcha atual, porém, poderá ser demasiado tarde.

O necessário recado do Banco Central

O Estado de S. Paulo.

A falta de um arcabouço fiscal é a principal responsável pela desancoragem das expectativas e a manutenção da taxa de juros. Se Lula quer juros mais baixos, deve fazer sua parte

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano. A decisão, anunciada na última quarta-feira, era esperada. Ninguém achava que o BC começaria a reduzir a Selic desde já. O que revoltou uma parte dos integrantes do governo foi o comunicado oficial divulgado pela instituição logo após a reunião. Não apenas o Banco Central não sinalizou um relaxamento na condução da política monetária, como indicou o contrário. Afirmou que “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”. O governo entendeu o recado e vestiu a carapuça.

No texto, o BC voltou a mencionar as incertezas que têm marcado o cenário internacional. Já de início, a autoridade monetária destacou que o ambiente externo se deteriorou. Desde a última reunião do Copom, em fevereiro, Silicon Valley Bank e Signature Bank fecharam nos Estados Unidos; para conter o espraiamento da crise bancária, autoridades suíças obrigaram o

UBS a comprar o Credit Suisse. Ainda assim, o economista-chefe interino da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Álvaro Pereira, destacou que a inflação segue como a principal preocupação mundial. As decisões mais recentes do Federal Reserve (Fed) e do Banco Central Europeu (BCE) convergem nesse mesmo sentido.

O Banco Central brasileiro tem o mérito de ter iniciado o ciclo de aumento dos juros mais cedo que seus pares, mas isso não quer dizer que o trabalho esteja concluído. No curto prazo, o índice oficial de inflação subiu 0,84% em fevereiro; 65% dos 377 subitens que compõem o indicador tiveram aumento de preço. Serviços, um dos setores mais sensíveis aos efeitos da política monetária, aumentaram 1,41% no mês passado. Em 12 meses, o IPCA acumula alta de 5,60%, ainda acima da meta. No médio prazo, as expectativas para a inflação deste ano e de 2024 subiram nas últimas semanas e permanecem superiores ao intervalo de tolerância.

O cenário é complexo e inspira muita cautela, mas houve quem esperasse uma demonstração de boa vontade com o governo Lula por parte do BC. Só se o ato estivesse investido na mais pura fé. Afinal, a despeito do esforço do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o principal e mais aguardado anúncio da equipe econômica foi adiado para abril. As premissas da proposta que substituirá o teto de gastos seguem desconhecidas, mas isso não impediu que elas fossem bombardeadas por integrantes do governo. Essas críticas, afinal, não dizem respeito aos detalhes do projeto, mas à própria necessidade da âncora e ao que ela representa em termos de responsabilidade fiscal.

A ausência de um arcabouço crível tem sido a principal responsável pela desancoragem das expectativas do mercado em relação aos juros futuros e à inflação. Haddad tem plena consciência disso, diferentemente de muitos de seus colegas de Esplanada que se recusam a aceitar esse aspecto inexorável da economia. A reunião do Copom nem havia acabado, mas o ministro da Casa Civil, Rui Costa, já havia dito que a atuação de Roberto Campos Neto à frente do BC era um desserviço para a população.

Em um debate econômico contaminado pela disputa política, o presidente do BC seria um perfeito bode expiatório. Além de ter sido indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao cargo, ele fez questão de votar vestido com uma camisa da seleção brasileira. Mas essa narrativa não resiste à realidade dos fatos. A decisão de manter os juros não foi somente dele, mas dos outros oito diretores que integram o colegiado do Copom.

A tentativa de personificar a discussão pode até agitar a claque de apoiadores, mas também expõe a falta de argumentos técnicos de quem coordena esses ataques. Isso, sim, é um verdadeiro desserviço ao País. O governo pode espernear à vontade, mas isso não muda a principal missão institucional do BC, que é proteger a estabilidade do poder de compra da moeda. Do lado fiscal, se assim desejar, o governo tem muito a contribuir para o cumprimento desse objetivo.

O rancor de Lula desrespeita o País

O Estado de S. Paulo.

Ao atribuir o plano do PCC de matar autoridades a uma ‘armação de Moro’, o presidente desmoraliza seu próprio ministro da Justiça e alimenta o ódio que tão mal tem feito ao Brasil

O presidente Lula da Silva, aquele que se elegeu pregando o diálogo e que se acha capaz de dobrar até a Rússia de Putin só no papo, está se deixando levar pelo rancor, que não costuma ser bom conselheiro. No momento em que os brasileiros tomaram conhecimento, chocados, de um plano do PCC para assassinar autoridades País afora, o presidente, em vez de elogiar o aparato de segurança federal que foi capaz de frustrar os intentos criminosos daquela organização, preferiu pôr em dúvida a própria existência do plano. O que motivou Lula da Silva a desmoralizar a Polícia Federal (PF) e o Ministério da Justiça de seu próprio governo foi a revelação de que um dos alvos do PCC era o senador Sérgio Moro, que foi seu algoz na Operação Lava Jato.

Depois de dizer que pretende ser “cauteloso” e “descobrir o que aconteceu”, declarou, sem deixar dúvidas, que, para ele, “é visível que é uma armação do Moro”. Se Lula é “cauteloso” assim, Deus livre o País quando ele não for.

Até aquele momento, a operação contra o PCC era motivo de orgulho no governo, por razões óbvias: além da vitória contra um dos mais insidiosos grupos criminosos do mundo, fruto de cuidadoso trabalho de inteligência, a ação impediu um atentado contra um dos principais opositores do governo, o senador Moro, mostrando que a máquina do Estado, neste caso, funcionou de maneira apartidária. Não demorou para que o ministro da Justiça, Flávio Dino, celebrasse essa conquista como um contraste evidente em relação ao governo anterior, de Jair Bolsonaro, que tudo fez para transformar a PF em polícia a seu serviço e contra desafetos. Lula poderia ter seguido o exemplo de Dino, mas escolheu a leviandade, mostrando que teorias da conspiração estapafúrdias não são monopólio do extremismo bolsonarista.

Lula da Silva deve ter lá suas razões para não gostar de Sérgio Moro. Afinal, passou mais de 500 dias na cadeia depois de condenado pelo então magistrado. Não se espera, portanto, que o petista perdoe Moro, mas um estadista, como o que Lula da Silva pretende ser, é justamente aquele que é capaz de deixar de lado suas eventuais mágoas pessoais em nome dos interesses nacionais. E é também aquele capaz de demonstrar empatia com a aflição alheia, mesmo que seja a de seu maior adversário. Se Moro e sua família estavam sob ameaça, como mostraram as investigações, então o presidente da República tinha o dever de respeitá-los. Sendo incapaz de dirigir uma palavra de solidariedade a Moro, que então se calasse.

No afã de atacar Moro, Lula acabou desprestigiando seu ministro da Justiça, Flávio Dino, que passou os últimos dois dias dando inúmeros detalhes sobre a operação contra o PCC e festejando o fato de que a investigação “é tão séria que foi feita em defesa da vida e da integridade de um senador de oposição ao nosso governo”. Ora, se o presidente da República desconfia que tudo isso não passa de “armação de Moro”, das duas, uma: ou Flávio Dino pede demissão por ter sido feito de bobo pelo senador ou é demitido por Lula, pois o presidente acha que ele foi feito de bobo.

Tudo considerado, o discurso de Lula da Silva é um acinte. Lança aleivosias como se estivesse no botequim, como se não fosse o chefe de Estado, a quem cabe a responsabilidade de liderar a ofensiva contra o crime organizado. Em lugar de assumir a condição de presidente da República e, assim, dar apoio a um senador ameaçado por perigosíssimos delinquentes, Lula se comportou de modo irresponsável e primário. Não foi Moro, apenas, o desrespeitado pelo presidente: foi a República. Porque não é republicano deixar que malquerenças pessoais contaminem o discurso e a prática presidenciais.

É, ademais, o tipo da reação que alimenta o ódio que tanto mobiliza os radicais no País há tempo demais. Lula precisa sair da cadeia de uma vez por todas, parar de ruminar vingança contra seus carrascos reais e imaginários e assumir, com espírito conciliador, a Presidência da República, para a qual foi eleito com a promessa de pacificar o Brasil.

‘In dubio pro reo’

O Estado de S. Paulo.

Projeto de lei que beneficia réu em caso de empate não deveria suscitar polêmica, pois só reafirma o óbvio

A Constituição estabelece os direitos e as liberdades fundamentais, mas isso não assegura, por si só, que todo o funcionamento do aparato estatal esteja alinhado com esses direitos e liberdades. É tarefa do

Congresso detectar eventuais falhas e carências, corrigindo-as por meio de uma adequada regulamentação. Exemplo recente foi a aprovação na Câmara do Projeto de Lei (PL) 3.453/21, que determina, em caso de empate de votos, a adoção da decisão mais favorável ao réu nos julgamentos envolvendo matéria penal ou processual penal. O projeto será agora analisado pelo Senado.

Trata-se de uma norma civilizatória fundamental, consequência direta dos princípios da presunção da inocência e da dignidade da pessoa humana diante da ação do Estado: in dubio pro reo. Na dúvida, deve prevalecer a posição mais favorável ao réu.

A rigor, o PL 3.453/21 é um tema óbvio, que não deveria suscitar questionamentos e, menos ainda, polêmicas. Havendo empate, as decisões judiciais devem favorecer a pessoa, e não o poder estatal. Em 1841, o Código de Processo Criminal do Império já estabelecia: “No caso do empate se adotará a opinião mais favorável ao acusado”.

Nos estranhos tempos atuais, no entanto, há quem pretenda desautorizar o princípio in dubio pro reo, como se, em caso de dúvida, a punição devesse prevalecer. Foi o que ocorreu em 2021, com o Supremo Tribunal Federal (STF) determinando que o benefício em favor do acusado deveria valer apenas em julgamentos de habeas corpus. Agora, com o PL 3.453/21, a Câmara faz o que tanto tem se pedido ao Legislativo nos dias de hoje: cumprindo sua tarefa constitucional, fixa a devida regulamentação do tema, corrigindo lacunas que poderiam suscitar indevidas criatividades do Judiciário.

Em outra importante defesa das liberdades individuais e do devido processo legal, o PL 3.453/21 estabelece que toda autoridade judicial pode, no âmbito de sua competência, conceder de ofício habeas corpus. Se o juiz detecta, dentro da esfera de suas atribuições, a existência de uma prisão ilegal ou a ocorrência de abuso de poder que ameace a liberdade de alguém, ele não precisa ser acionado por ninguém para interromper essa ilegalidade. Tal autorização representa evidente aperfeiçoamento do sistema de Justiça penal, em favor da liberdade e da legalidade.

No entanto, apesar de todos esses avanços, houve quem tenha visto no PL 3.453/21 uma ação para “livrar políticos corruptos”. Ora, se a polícia e o Ministério Público cumprem seu trabalho, não há nenhum risco de empate nos casos de corrupção. A Justiça condena e pronto. O que não cabe, num Estado Democrático de Direito, é ter condenações sem provas, com teses de acusação incapazes sequer de convencer a maioria dos juízes.

Além de ser estímulo para que todos os envolvidos no sistema de Justiça penal trabalhem melhor, o PL 3.453/21 evita que inocentes sejam condenados. Esse é o erro judicial mais odioso, pela injustiça em si e por deixar impune o verdadeiro culpado. Não basta punir, é preciso punir corretamente.

 Críticas do governo ao BC carecem de bons argumentos

Valor Econômico

Governo esperava que o Copom acolhesse positivamente uma mudança do regime fiscal não divulgada e desconhecida por todos

O Banco Central tem boas razões para manter os juros onde estão, cumprindo obrigação que lhe foi delegada pelo Congresso, que também lhe deu autonomia para a missão. O presidente da República, como qualquer cidadão, pode discordar dos métodos utilizados e das conclusões. Não deveria, entretanto, atacar a instituição só porque suas decisões não lhe agradam, esgrimindo platitudes, e insinuar a demissão do presidente do BC, Roberto Campos Neto, como fez ontem mais uma vez, ao dizer que o Senado deveria “cuidar” dele. O presidente e o PT só aceitam juros altos quando têm o controle do BC, como no primeiro mandato de Lula, em que a taxa real chegou a 18%.

O governo não aceita uma política monetária restritiva porque quer gastar mais sem obstáculos no caminho. O Planalto e o PT criam um ambiente medíocre no qual desaparece qualquer discussão séria sobre a política monetária. Ao atacar a autonomia do BC, força uma atitude reativa contrária, e ao deslocar a ênfase sobre a conveniência da atual política monetária para searas subjetivas de se o comunicado do BC foi feito em termos “duros” ou não, cria uma cortina de fumaça sobre o que interessa de fato.

O comunicado do Copom é “cartesiano”, segundo o economista do Vinci Partners, José Carvalho (Valor, ontem). Se a perspectiva é a persistência da inflação bem longe da meta o BC não poderia agir de maneira diferente da que agiu. Por algum motivo inexplicável, o governo esperava que o Copom acolhesse positivamente uma mudança do regime fiscal não divulgada até agora e desconhecida por todos. O comunicado não poderia deixar de assinalar, como fez, as “incertezas” fiscais como um dos fatores que podem elevar a inflação. Até agora, declarações de ministros e do presidente Lula indicam uma imensa vontade de gastar e inapetência para conter despesas.

As expectativas de inflação se deterioraram. Pelos modelos utilizados pelo BC, apenas se a taxa de 13,75% for mantida até 2024 a inflação atingirá o centro da meta de 3%. Caso seja cortada a partir de outubro, como prevê o mercado, chegaria a 3,6% no ano que vem.

O BC apontou mudança no cenário de riscos. Saiu do comunicado a ameaça altista de um hiato do produto “mais estreito” do que o previsto, em especial no mercado de trabalho - reconhecimento da desaceleração clara da economia -, e em seu lugar entrou a “desancoragem maior, ou mais duradoura, das expectativas de inflação por prazos mais longos”.

Do lado baixista, o que é significativo, deixou de constar a manutenção dos cortes de impostos (exemplo, combustíveis) e se incluiu “a desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que o que seria compatível com o atual estágio da política monetária”. O BC retirou também o trecho que apontava “a variância maior do que a usual para com a inflação prospectiva”.

Além disso, nos modelos nos quais o BC projeta a inflação, ela segue alta e resistente. Os núcleos, que excluem alimentos e energia - parte da “inflação da oferta” à qual o PT atribui exclusivamente a origem do surto inflacionário - continuam muito acima do que seria compatível com a meta de até 4,75% este ano e 4,5% em 2024.

As críticas ao BC são inconsistentes. Há unanimidade no país de que a taxa de juros é muito alta e impede o crescimento, caso persista. Mas ministros e PT preferem seguir o apelo populista do chefe e repetir que tal carga de juros não se justifica com inflação de 5,9%. Ao defender reduzi-la, desconsideram o sistema de metas de inflação, seguido ao pé da letra por Lula em dois mandatos e destruído no governo de Dilma Rousseff.

Poderiam contrapor, em uma discussão válida, que o balanço de riscos do Copom não está equilibrado, como aponta o comunicado, e sim inclinado para o lado negativo com o aperto no crédito e a tendência deflacionária da restrição de liquidez nas principais economias, decorrente da desconfiança sobre a saúde financeira de alguns bancos, por exemplo.

Os métodos políticos utilizados para tentar mudar a política do BC são velhacos. O governo poderia convocar reunião do CMN, onde tem maioria, e mudar as metas de inflação. Sabe, no entanto, que isso provocaria enorme turbulência econômica. Prefere então açular a tropa petista contra o presidente do BC para ejetá-lo do cargo, mas não se incomoda em sancionar indicações do Centrão para estatais onde há sérias suspeitas de corrupção para não desagradar ao presidente da Câmara, Arthur Lira, a quem prestam servidão voluntária.

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