O Globo
Presidente diz que Senado precisa
"cuidar" de chefe do BC, mas ameaça não deve passar da retórica
Nem o alerta de um Prêmio Nobel foi capaz
de sensibilizar o Banco Central a rever a política de juros. Na
segunda-feira, Joseph
Stiglitz comparou a Selic nas alturas a uma pena de morte. “É o tipo
de taxa de juros que vai matar qualquer economia”, avisou.
Dois dias depois, o Copom ignorou as
críticas e manteve a Selic em 13,75% ao ano. A decisão não surpreendeu, mas o
comunicado sugeriu a possibilidade de um novo aumento dos juros, o que
reaqueceu a crise entre Planalto e BC.
Lula já estava desconfiado de que Roberto Campos Neto atuava contra o governo. Agora parece ter certeza disso. Ontem o presidente voltou a se referir ao chefe do BC como “esse cidadão”. “A História julgará cada um de nós”, esbravejou.
O petista está duplamente irritado.
Acredita ser alvo de sabotagem e não se conforma com a impossibilidade de
demitir quem ele vê como algoz.
Aprovada em 2021, a autonomia do BC
esvaziou os poderes do governo. Isso nunca foi incômodo para Jair
Bolsonaro, que se gabava de terceirizar as decisões econômicas. Mas
virou problema para Lula, que vê nos juros altos uma barreira contra o
crescimento.
O presidente puxou o coro, mas não está
sozinho. Cada vez mais vozes do setor produtivo e do varejo contestam a
inflexibilidade do BC. O presidente da Fiesp, Josué Gomes, disse que as taxas
praticadas no país são “pornográficas”. A empresária Luiza Trajano afirmou que
a Selic atual “não tem cabimento”.
O vice-presidente Geraldo
Alckmin, que sempre foi cortejado pelo mercado, declarou que “nada
justifica” que o Brasil tenha a taxa de juros reais mais alta do mundo. “É
muito radicalismo”, protestou.
Apesar das pressões, o BC se mantém
intransigente. Sustenta que os juros altos seriam necessários para conter as
expectativas de inflação. A tese é endossada por economistas ortodoxos e pela
oposição bolsonarista, que assumiu a defesa de Campos Neto no Congresso.
Lula conquistou uma vitória ao
desinterditar o debate sobre os juros, mas não tem instrumentos práticos para
impor suas convicções. Como o chefe do BC não dá sinais de recuo, resta ao
governo insistir no cabo de guerra.
Ontem o presidente sugeriu que o Senado
“cuide” de Campos Neto. A declaração animou o PT,
mas senadores do partido admitem que a ameaça não deve passar da retórica. O
Planalto sabe que faltariam votos para destituir o economista nomeado por
Bolsonaro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário