sexta-feira, 24 de março de 2023

Aylê-Salassié F. Quintão* - Buscando sarna prá coçar

Essas amizades construídas em acordos de papel não parecem sólidas. Não são como nós e os argentinos, para quem torcemos contra nos estádios de  futebol e, nas ruas,  dançamos samba e tango juntos . 

Já tivemos um Presidente Bossa Nova. Não saía de Paris. Agora é a vez do nosso globetrotter  pelo mundo ampliado. Vai para China!, observava admirado o conterrâneo de Caetés. Quem diria: um filho do agreste , onde biblioteca é coisa rara, chefiando sofisticadas  missões diplomáticas do Brasil  pelo planeta:  Washington, Pequim,  Paris, Moscou. É muita raça, muita  coragem, muita autoconfiança ou muita cara de pau. Contudo, That´ s the gay ! Será que o Barack Obama,  criado  em Nyang’oma Kogelo, no  Quênia,  repetiria admirado essa frase referindo-se à Lula, Presidente ? 

Essa aventura diplomática parece não ter saído sozinha da cabeça de Lula. Companheiros,  ex-ministros  e outros palpiteiros só podem estar atrás da ideia  . Mal começou o governo,  o  presidente brasileiro visitou a Argentina e o Uruguai :  uma questão de  gentileza. Em seguida, repetiu o que todos os chefes de Estado  do Brasil  fazem: foi aos Estados Unidos: Pedir a benção  ou lavar a consciência? A impressão é a de que só partir daí é que  começou a fazer  coisas da sua cabeça . É  de assustar mesmo com a sua criatividade.

China, Rússia e os Estados Unidos, vivem, entre si,  momentos altamente  problemáticos. China e Rússia disputam, há tempos,    pequenas fatias territoriais que, alternadamente, um toma do outro,  em guerras mesmo.  Com a invasão da Ucrânia, a belicosa Rússia está tentando envolver a China em mais um episódio, agora grave. Putin, prepotente e sem escrúpulos,  fala com desenvoltura sobre a possibilidade de um enfrentamento nuclear com os Estados Unidos. Os quase 500 milhões de seres humanos que habitam os dois países  não  contam para o líder russo. O homem parece estar perdendo o controle de si.   Putin tem sido  useiro e vezeiro na invasão de  territórios dos  companheiros  da antiga União Soviética (URSS), querendo reuni-los novamente à força. 

A China, onde o presidente brasileiro pretende desembarcar esta semana,  tem problemas fronteiriços graves com  os russos, e com mais  18 países ao seu redor, entre os quais com a Índia, 1,3 bilhão de habitantes, sua parceira no acordo do BRICS,  e com Taiwan, 22 milhões de cidadãos  que discordaram da revolução maoísta,  e se abrigaram na Ilha, em meados do século passado, com o apoio dos Estados Unidos. Concorre  com os norte-americanos ainda pela  hegemonia comercial no mundo. Com a Rússia tem um contencioso na região de Vladivostok, denominado  pelos chineses   historicamente de  Hǎishēnwǎi e , em russo, Владивосток. É o   porto onde está  estacionada a frota russa do Pacífico,    

O Brasil não tem problema com ninguém , nem mesmo com os argentinos.  Lula está se arvorando a  meter-se onde não foi chamado. Mas,  "O nordestino é, sobretudo, um forte", registrou Euclides da Cunha,  ... e corajoso! - observou o conterrâneo. Num estilo de missão comercial capitalista, vai desembarcar em Pequim, acompanhado de mais de 200 empresários, cerca de 100 da área da agricultura, e vários ministros de Estado, à procura de dinheiro supostamente fácil . Logo depois segue para os Emirados Árabes também em busca de divisas migratórias.

Pelo que se viu entre Ji Jinping  e Putin, tudo indica que o nosso Presidente já não tem mais  a primazia da propalada, por aqui, proposta de paz na Ucrânia . O líder chinês   se antecipou,    com uma proposta estapafúrdia,    tentando tirar do nosso estadista do agreste a bandeira da pacificação do conflito asiático, fazendo vistas grossas também para os  desentendimentos permanentes com os russos,  ansioso por receber o gás da Sibéria. A declaração de cooperação assinada com Putin é  pouco simpática aos ucranianos. Mesmo assim, ele prometeu ir a Kiev.  Jinping parece enxergar uma discreta abertura para  expandir o conflito para Taiwan.  Os planos de Paz   seguem caminhos assim inesperados, com a surpreendente  ameaça nuclear dos russos  contra o Ocidente. Mas, pelo tom  absurdo das  conversas sino-soviéticas, não diria que a proposta de Lula estaria de todo descartada.  

Depois de Mao Tsé Tung, a cúpula do governo chinês tem se orientado  no sentido de não permitir o surgimento de  novos líderes carismáticos, autônomos e autoritário. Tudo deveria ser decidido coletivamente. Observa-se, entretanto, que o princípio continua a valer, desde que a proposta venha de Ji Jinping. O líder chinês e o russo  acordaram  associarem-se para fomentar  "uma coordenação estratégica " para desenvolver uma  relação especial "  com o Ocidente. Para começar , fazer um enorme esforço para desgastar a liderança dos EUA no mundo, fragmentar a União Europeia e inviabilizar algumas  instituições aceitas  como internacionais . 

Com a bandeira da busca de  investimentos chineses (russos ?!) e depois árabes para o Brasil, Lula, que achou pouco os US$ 50 milhões que os EUA ofereceram,  vai tentar manobrar no tabuleiro, assinando  acordos de papel  nos campos da saúde, da educação, da tecnologia. O ministério da Agricultura organizou uma comitiva especial de produtores rurais e cooperativados para compor a delegação da agroindústria: negócios...

No campo da agricultura, a Rússia, que Lula pretende visitar mais tarde,   tem o Brasil nas mãos com o fornecimento de mais da metade do fertilizante que  o agronegócio brasileiro  necessita  para amparar sua produção agrícola .  Desde os anos oitenta, o Brasil vem tentando a auto suficiência no uso de adubos com a instalação de uma potente unidade NPK - nutrientes à base de nitrogênio, fósforo e  potássio. E tem reservas   minerais suficientes para isso. Optou, entretanto, no passado recente, por importar dos russos, cujos custos pareciam menores que os  internos .  Agora está engasgado com a invasão da Ucrânia, que tem no Brasil  uma comunidade de cidadãos quase centenária.

Rússia e China juntos estão dispostos a estabelecer  relações especiais novas com o Ocidente , via BRICS , onde os dois tomam decisão, como de estivessem no Conselho de Segurança da ONU. Mas, se querem um Brasil aliado e hegemônico  na América  vão ter ainda, por muito tempo, de combinar com os EUA e com a Argentina, em particular . 

"That's the guy". Depois da Operação Lava Jato, Obama  ficou confuso. Restou a compreensão . Ele também vem lá da província: "Adoro esse cara". A seguir, posou de surpreso, depois de  sentir-se ludibriado, como presidente dos EUA. Escreveu um livro para  justificar-se diante da  sedução sertaneja a que foi submetido pelas falas e pelo comportamento do nosso gabiru , uma espécie de   Conselheiro do sertão, tipo o velho Antônio.

*Jornalista e professor

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

''Esse é o cara'',pensei que Obama tivesse dito isso.

Anônimo disse...

"That's the guy!" foi o que disse Obama, o autor digitou erradamente a palavra final da frase.