Regime fiscal passa na Câmara com mais gastos
Valor Econômico
Ao tentar dar um jeitinho nas regras que
propôs, governo parece descrer que conseguirá aumentar a arrecadação, sobre a
qual repousa o regime proposto
Com apoio da maioria dos partidos, a Câmara
aprovou o novo regime fiscal, que assegura aumento de gastos em quaisquer
circunstâncias, mas afasta o temor de um descontrole da dívida pública. No
Senado, o projeto de lei complementar deve ter o mesmo destino e ser aprovado
com facilidade. O horizonte de gastos públicos e as regras para direcioná-los
foram o mínimo denominador comum a selar a união do Centrão e de legendas de
esquerda que permite a Lula governar. A Câmara fez alguns aperfeiçoamentos na
proposta original que, por sua vez, não parece estruturada para cumprir o que
promete, estabilizar o endividamento. A tentativa, parcialmente bem-sucedida,
de queimar a largada do novo regime com o aumento máximo de gastos reais
permitido pelas regras propostas (2,5%) sugere falta de compromisso com elas.
Os presidentes das duas Casas, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cumpriram o prometido e se engajaram para dar celeridade, quorum e apoio ao novo regime fiscal, o que tornam dispensáveis os auto-elogios oficiais sobre vitória da base governista no Congresso - ela continua frágil. O governo Lula fez sua parte, cumpriu o acordo e liberou emendas prometidas. As amizades que compuseram este pacto são provisórias. Antes da votação, os dirigentes do Congresso traçaram uma linha vermelha sobre os limites dessa cooperação: seja por quais motivos forem, a eventual revisão do que já foi aprovado pelos parlamentares no governo anterior não terá chances de sucesso. Isso inclui a privatização da Eletrobras, o marco do saneamento e a autonomia do Banco Central.
Boa parte das correções feitas pelo
relator, o deputado Claudio Cajado, foram aprovadas. Merecem destaque as
correções de rota obrigatórias, como as revisões periódicas da trajetória
inter-anual da meta fiscal, a adequação dos gastos diante do descumprimento do
objetivo, como contingenciamento das despesas, proibição de concursos e
contratações e, depois, em caso de recidiva de fracasso do governo, proibição
de reajustes ao funcionalismo público, entre outras. As exceções de despesas
que comporiam o teto foram bastante reduzidas. Foram incluídos os dispêndios
para piso de enfermagem e os gastos com o Fundeb. Nada disso existia na
proposta original e o acréscimo foi positivo.
Houve duas tentativas do governo de ampliar
o limite de gastos na estreia do novo regime, ambas, em princípio, aceitas pelo
relator. A primeira era que, independentemente do comportamento das receitas,
as despesas reais poderiam crescer pelo máximo permitido, isto é, 2,5% além do
IPCA em 2024. A possibilidade foi corrigida, mas nem tanto. Em 2024, valem os
2,5% de expansão real das despesas. No entanto, se em junho, base para a
fixação da evolução das receitas em 12 meses, as despesas forem superiores a
70%, o excesso de gastos terá de ser compensado a menos em 2025. A rigor, as
previsões, com estrito respeito à regra do novo regime, apontavam algo um pouco
acima de 1% para esse aumento.
Esta gambiarra, que provavelmente não se
sustentará com os números fechados, pois a arrecadação está perdendo ritmo,
pode dar um espaço fiscal para gastos entre R$ 12 bilhões e R$ 20 bilhões,
considerando-se a despesa estimada pelos analistas no Prisma Fiscal de maio.
Mas há outro expediente no mesmo sentido,
de mais despesas. O prazo de apuração da inflação foi alterado. Na proposta do
governo, seria utilizado o IPCA de janeiro a junho e a variação dos preços do
segundo semestre seria estimada. O relator sincronizou os prazos da inflação
com o da apuração das receitas, isto é, doze meses encerrados em junho. No caso
da inflação, porém, a diferença até dezembro será compensada em 2024.
A particularidade é que o IPCA estará perto
de seu pico de baixa em doze meses em junho (3,79%, segundo o mais recente
Relatório de Inflação do BC), mas, por causa da deflação do ano anterior em
junho, julho e agosto, meses que sairão da base de cálculo, será bem mais alto
em dezembro. As projeções para o IPCA variam. Ela é cadente no boletim Focus,
com previsão de 5,8% na ultima edição. A Secretaria de Política Econômica, na
terça, elevou sua estimativa para 5,58%. Assim, haverá mais espaço, de 1,8% a
2%, correspondente ao índice apurado em junho em relação ao efetivo de
dezembro, ou seja, algo como R$ 36 bilhões a R$ 40 bilhões adicionais.
A estreia do novo regime não deveria
implicar despesas maiores do que as previstas nas próprias regras. As receitas
não devem evoluir como esperado e as despesas estão maiores. A segunda
avaliação bimestral das contas elevou a estimativa de déficit primário de R$
107,5 bilhões para R$ 136,2 bilhões, ou 1,3% do PIB. O governo indicou déficit
em 2023 de 0,5% do PIB, com margem para -0,75%, ou algo como R$ 80 bilhões. O
governo dá a entender, por um lado, que os mecanismos para aumentar as receitas
darão certo e conseguirá zerar o déficit no ano que vem. Por outro lado, ao
tentar dar um jeitinho nas regras que propôs e arrumar mais recursos de forma
heterodoxa, parece descrer que conseguirá aumentar a arrecadação, sobre a qual
repousa o regime proposto.
Novo arcabouço será pretexto para aumentar
impostos
O Globo
Texto aprovado na Câmara é melhor que o
enviado pelo governo, mas só funcionará se a arrecadação subir
A Câmara dos Deputados aprovou
enfim o projeto do novo arcabouço fiscal, que precisa passar pelo
crivo do Senado. A última versão do relator Cláudio Cajado (PP-BA), aprovada
por 372 votos a 108, traz avanços em relação à original, enviada pelo ministro
da Fazenda, Fernando
Haddad. Aprová-la será melhor do que nada, já que a regra fiscal anterior,
o teto de gastos, é letra morta. Ainda assim, há várias dúvidas sobre sua
eficácia para estabilizar a dívida pública e uma certeza: para ela funcionar, a
arrecadação precisará subir. O novo arcabouço será, portanto, o pretexto de que
o governo lançará mão para elevar a carga tributária.
Entre os últimos ajustes positivos está o
endurecimento na permissão para gastar em 2024. Na primeira versão do relator,
a limitação ao aumento das despesas no ano que vem seria inócua, pois elas
cresceriam automaticamente no percentual máximo permitido (2,5%). Cálculos de
economistas independentes estimavam uma ampliação da ordem de R$ 80 bilhões.
Depois da pressão, o relator atrelou o aumento nos gastos ao crescimento da
receita. Eventuais brechas serão descontadas no ano seguinte.
Cajado também manteve dentro da base de
gastos as despesas do fundo para financiar o governo do Distrito Federal
(dependente de repasses da União) e do Fundeb, voltado para educação básica
(embora, no caso deste último, a base também cresça na medida da elevação
constitucional prevista para o fundo). Como já determinara no primeiro parecer,
o governo sofrerá sanções caso não cumpra as metas fiscais. Entre as limitações
está a proibição de criar cargo, emprego ou função que aumente a despesa. Com
descumprimento por dois anos consecutivos, ficarão vetados concursos, aumentos
ou reajustes para o funcionalismo. Haverá, portanto, alguma trava à
irresponsabilidade fiscal.
Uma mudança negativa está na regra adotada
para cortes em caso de descumprimento da meta. Na versão anterior, o governo
definiria onde segurar gastos. Pelo que foi aprovado, haverá bloqueio na mesma
proporção em investimentos, custeio da máquina e emendas parlamentares
(critério chamado de “contingenciamento linear”). A medida protege os
congressistas e suas bases eleitorais, em detrimento de grandes projetos de
investimentos e das necessidades do cidadão.
Embora positivo na comparação com a
proposta do Ministério da Fazenda, o texto deixa muito a desejar. São confusas
e incertas as regras necessárias para garantir que o governo, qualquer que
seja, pare de elevar a dívida pública rumo a patamares insustentáveis. O novo
arcabouço depende de forte aumento nas receitas para funcionar e livra o
presidente de punição por crimes fiscais (como os que levaram ao impeachment de
Dilma Rousseff). A alta obrigatória nos gastos libera o governo para adotar
toda sorte de medida populista, do aumento do salário mínimo a subsídios e
agrados a empresários amigos. Para a sociedade, o custo provável será maior
carga de impostos.
O governo informou que pretende zerar o déficit primário em 2024 e alcançar superávits em torno de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026. Após quase cinco meses no poder, passou na Câmara uma nova regra fiscal com teto móvel, do jeito como queria. Em caso de fracasso — e hoje ele é mais provável que o êxito —, não poderá lançar a culpa sobre nenhuma “herança maldita”.
A regra e a realidade
Folha de S. Paulo
Lula e Congresso se acertam em torno de
alta do gasto e contas mostram piora
A aprovação por
larga margem do texto-base da nova regra fiscal pela Câmara dos Deputados confirma
que, a despeito de diferenças ideológicas, o governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) e o comando do Congresso firmaram um entendimento para a continuidade da
expansão das despesas públicas.
A aliança já havia sido posta em prática
mesmo antes da posse de Lula, quando foi concebida a PEC da Gastança —que
autorizou desembolsos de mais de R$ 2 trilhões neste 2023, R$ 100 bilhões acima
do registrado em um ano eleitoral já perdulário sob Jair Bolsonaro (PL).
Se a agenda petista é desde sempre a da
ampliação do Estado, deputados e
senadores, a começar pelos do centrão, querem assegurar o quinhão orçamentário reforçado
na administração anterior.
Existe ao menos a compreensão, nos setores
mais racionais do Executivo e do Legislativo, de que é preciso indicar algum
limite para a alta dos gastos e algum plano para o controle da dívida pública
—do contrário, corre-se o risco de descontrole imediato da inflação, das
cotações do dólar e dos juros.
Foi o que se fez com o texto aprovado na
terça (23) por 372 votos a 108. O diploma estabelece, no essencial, que a
despesa do governo crescerá acima da inflação a cada ano, em taxa
correspondente a 70% da alta da receita, mas com piso de 0,6% e teto de 2,5%.
A fórmula tem lá seu engenho, mas o que
interessa no contexto brasileiro é se será capaz de restaurar o equilíbrio das
contas do Tesouro e conter, num horizonte visível, a escalada da dívida
pública. Nesse aspecto, o otimismo visivelmente excessivo das projeções
oficiais acaba de sofrer um baque.
Na revisão orçamentária bimestral, os
ministérios da Fazenda e do Planejamento elevaram em nada menos que R$ 28,6
bilhões a previsão de déficit primário (sem contar encargos com juros) para
este ano, que passou a R$ 136,2 bilhões.
Contra todas as evidências, o governo
mantém a meta de reduzir o rombo fiscal a pouco mais de R$ 50 bilhões em 2023 e
a zero em 2024. Enquanto isso, anuncia a todo momento novos gastos e benefícios
tributários, inclusive para o despropósito de patrocinar o relançamento dos
carros populares.
Como está claro para todos, o ajuste
prometido depende de um aumento improvável e exorbitante de uma carga tributária
já excessiva, capaz de acrescentar algo como R$ 150 bilhões à arrecadação anual
ainda neste mandato.
A regra fiscal, que deve passar sem sustos
pelo Senado, dissipa os piores temores sobre o manejo da política econômica sob
Lula, mas não as incertezas que alimentam as expectativas de inflação e os
juros do Banco Central.
Esperando o relator
Folha de S. Paulo
STF enfim examinará lei do juiz das
garantias, cuja implantação gera incertezas
São muitas as incertezas em torno do juiz
das garantias —criado por lei que instituiu a separação
entre um magistrado responsável pela fase da investigação e outro que se
encarrega apenas do julgamento.
Aquele que presidir os inquéritos atuará
como zelador dos direitos individuais ou, desvinculado do destino do
investigado, se sentirá livre para agir como assistente da acusação,
distribuindo prisões preventivas e mandados de busca?
Os processos ficarão mais rápidos, mais
lentos ou a mudança não terá impacto? Os custos da medida justificam o bônus
que ela produz? São dúvidas legítimas.
Há, também, algumas certezas. Mesmo os que
se opõem ao juiz das garantias reconhecem que não se trata de uma invenção que
brotou da mente de algum legislador amalucado. O instituto existe em diversos
países e sua adoção, no Brasil, vinha sendo debatida já bem antes dos desmandos
da Lava Jato, que deram combustível à aprovação do projeto de lei.
Outra ideia indisputável é a de que
magistrados devem aplicar as leis, não escrevê-las.
Embora ministros do Supremo Tribunal
Federal disponham de amplos poderes monocráticos, não lhes cabe recorrer ao
arsenal de prerrogativas que detêm para sentarem-se num processo sob sua
análise e, com isso, frustrar a implantação de um diploma aprovado pelo
Legislativo e sancionado pelo Executivo.
No entanto era isso o que o ministro Luiz
Fux, também relator do caso, vinha fazendo, ao manter parada
por mais de três anos a ação judicial que questiona a lei ratificada no
Congresso em 2019.
Foi apenas por causa de uma mudança no
regimento do STF, promovida pela presidente da corte, Rosa Weber, com o
objetivo de restringir o alcance de decisões individuais, que o relator se viu
compelido a liberar os autos para julgamento pelo colegiado, que deve ocorrer
nas próximas sessões.
A tendência é que o plenário do Supremo
valide a medida, embora Fux deva votar contra —o que atenderia a interesses
corporativos dos magistrados, que se opõem à criação do juiz das garantias.
Note-se que o argumento mais forte contra o instituto —seu surgimento abrupto, que justificaria modulação temporal para introdução no sistema— fica enfraquecido após os três anos de dormência. Não será surpresa, entretanto, se o STF validá-lo, mas ainda oferecer um novo prazo à mudança.
Os sinais enviados pelo Congresso a Lula
O Estado de S. Paulo
Aprovação folgada do arcabouço fiscal não
significa que o governo enfim conseguiu articular sua base, e sim que está cada
vez mais subordinado à agenda dos líderes do Congresso
A Câmara dos Deputados aprovou, com folga,
o projeto que cria o novo arcabouço fiscal. Com 372 votos a favor e 108 contra,
bem mais que os 257 necessários, o governo de Lula da Silva pode finalmente
comemorar uma vitória de peso no Legislativo. A proposta ainda precisa do aval
do Senado, mas o ambiente da Casa tem sido mais favorável ao Executivo. Para
preservar essa inegável conquista, no entanto, é essencial que o governo saiba
interpretar os sinais que o Congresso lhe tem enviado.
Foi bastante simbólico que o textobase do
arcabouço fiscal tenha sido aprovado na noite de terça-feira, 23 de maio, dia
em que, mais cedo, se reuniram para um almoço, na residência oficial do
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL); o ministro da Fazenda, Fernando Haddad; o presidente do Banco
Central (BC), Roberto Campos Neto; e empresários com grande influência nos
rumos da economia brasileira.
Além de expor a trégua entre Pacheco e
Lira, rompidos desde o imbróglio a respeito da tramitação de medidas
provisórias nas duas Casas, o evento selou um pacto de lideranças a favor da
agenda econômica no Congresso. Como mostrou o Estadão, a presença de
representantes de algumas das maiores empresas dos segmentos industrial,
financeiro e varejista legitimou, também, a figura do ministro Fernando Haddad
como o interlocutor do governo junto ao Legislativo e ao setor produtivo – e a
expressiva votação que os deputados deram a favor do arcabouço fiscal também reflete
esse entendimento.
Isso, no entanto, em nada se confunde com a
construção de uma base de sustentação verdadeiramente sólida no Congresso. Os
ajustes que os parlamentares fizeram ao texto impuseram novos limites aos
gastos, reduziram exceções a serem contabilizadas nas despesas, resgataram o
contingenciamento obrigatório, criaram gatilhos e retomaram sanções, à revelia
do que desejava o Executivo.
A boa notícia, para o governo, é que pôde
contar com o apoio da maior parte do Centrão – o que inclui cerca de 30% da
bancada do PL, partido do expresidente Jair Bolsonaro. A má notícia é que
legendas de esquerda e com pastas na Esplanada dos Ministérios, como o PSOL e a
Rede, rejeitaram o projeto – e um terço da bancada petista votou a favor da
proposta a muito contragosto, apenas por lealdade ao presidente Lula.
Há um mês, em entrevista ao Valor, o
vice-presidente da Câmara e presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira
(SP), classificou a base de sustentação do governo como “gelatinosa”.
Em vez de procurar culpados pelas evidentes
omissões na articulação política entre os ministros, Pereira acertadamente
atribuiu a responsabilidade por essas falhas ao “maestro Lula”. Disse, apesar
disso, que seu partido votaria a favor das pautas com as quais concordasse, o
que se confirmou na apreciação do arcabouço fiscal – dos 39 deputados que
registraram voto, apenas 5 se opuseram ao texto.
O governo, entretanto, deve assimilar o
fato de que não terá vida fácil no Legislativo. Na terça-feira, após o almoço e
antes da aprovação da proposta, Lira e Pacheco traçaram os limites do
Congresso. Deixaram claro que não aceitarão rever o entendimento de temas sobre
os quais os parlamentares se debruçaram há pouco tempo, como o Marco do
Saneamento, a autonomia do Banco Central e a privatização da Eletrobras, mas
sinalizaram apoio ao que veem como avanços na agenda econômica, caso do
arcabouço fiscal e da reforma tributária, temas que contam com simpatia da
maioria dos congressistas.
A paralisia na tramitação das medidas
provisórias, as mudanças no parecer do texto que reestrutura a Esplanada dos
Ministérios, o adiamento da votação do Projeto de Lei das Fake News, as
numerosas Comissões Parlamentares de Inquérito abertas e a quantidade de
audiências públicas para ouvir ministros expõem o outro lado dessa mesma moeda.
Indicam, portanto, que o governo será mais bem-sucedido se for mais modesto em
suas relações com o Legislativo e em suas pretensões políticas.
O valor da autonomia no trabalho por
aplicativo
O Estado de S. Paulo
Trabalhadores por aplicativo preferem ter
liberdade de escolha a ter direitos, diz pesquisa; por isso, é preciso criar
regras que concedam benefícios sem prejudicar a autonomia
Recente pesquisa do Datafolha mostra que 3
em cada 4 trabalhadores por aplicativo preferem manter o atual modelo, com
autonomia para escolher a plataforma com a qual querem trabalhar, em vez de uma
contratação com carteira assinada, como defendem os sindicatos e o governo de
Lula da Silva. Além disso, 9 em 10 dizem aprovar novos direitos, desde que não
interfiram na flexibilidade.
Claramente, a liberdade de escolher quando,
onde e quanto trabalhar é prioridade. Mas isso é incompatível com as condições
de habitualidade e subordinação do emprego celetista. Por outro lado, é preciso
garantir um mínimo de proteção contra acidentes, doenças, velhice ou invalidez.
Países do mundo inteiro buscam uma
regulação adequada da chamada economia gig (dos “bicos”, em tradução livre), em
que serviços pontuais são contratados através da mediação de plataformas
digitais. Não são só motoristas e entregadores, mas pedreiros, designers,
cabeleireiros e até médicos. Uma regulação ideal otimizaria ao máximo os
benefícios das três pontas do triângulo: lucro para as empresas, serviços bons
e baratos para os consumidores e boa remuneração e proteção social para os
trabalhadores.
O trabalho por aplicativo trouxe evidentes
oportunidades para os prestadores de serviços, como flexibilidade, diversidade
geográfica, acesso rápido e eficiente à demanda ou segurança nos pagamentos.
Mas, como de hábito em novas modalidades de trabalho, os benefícios para
empresas e consumidores se consolidaram mais rápido, em detrimento das
condições de trabalho. Muitos desafios para os trabalhadores precisam ser
enfrentados, como pagamento razoável, benefícios e proteções sociais,
segurança, qualificação, representação e equilíbrio de poder.
As plataformas advogam alguma regulação e
muitas têm se antecipado e oferecido voluntariamente benefícios como seguro-saúde.
Mas, naturalmente, tendem ao mínimo de regulação possível.
O poder público ensaia suas soluções. O
Ministério Público do Trabalho tem proposto ações coletivas com a pretensão de
enquadrar o trabalho por aplicativo nas características do vínculo empregatício.
Mas, em sua primeira manifestação sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal,
ainda por decisão monocrática, cassou uma decisão da Justiça do Trabalho que
estabelecia vínculo de emprego entre um motorista e um aplicativo de
transporte.
O governo criou um grupo de trabalho para
discutir uma nova legislação. Mas seus preconceitos ideológicos são
indisfarçáveis tanto no diagnóstico quanto no prognóstico. O presidente Lula da
Silva e seu ministro do Trabalho, Luiz Marinho, comparam o trabalho por aplicativos
a um “regime de escravos”. Marinho fala em “enquadrar” as empresas. O grupo é
composto por 15 representantes do governo, 15 das plataformas e 15 dos
trabalhadores. Mas os últimos são representados por centrais sindicais, cuja
proposta é basicamente aplicar as regras da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), elaboradas há 80 anos, quando o mundo do trabalho era radicalmente
diferente do atual.
O modelo binário – emprego com vínculo ou
sem vínculo – claramente não responde a essa nova realidade. No caso do Brasil,
a solução poderia ser uma simplificação do regime da CLT ou uma ampliação do
MEI (Microempreendedor Individual). O Brasil possui mecanismos para proteger
autônomos e microempreendedores. Novos modelos de seguro ou de contribuição ao
INSS, tanto dos trabalhadores quanto das empresas, garantiriam proteções
relevantes.
A solução para o vínculo jurídico e outros desafios dependerá de mais transparência por parte das empresas, novos mecanismos de organização coletiva dos trabalhadores e ampla participação da sociedade. Mas, nesse contexto, preocupa o descolamento da realidade do governo. As soluções certamente não serão encontradas restringindo a interlocução dos trabalhadores aos sindicatos, engessando a relação entre eles e as plataformas sob a legislação da Era Vargas ou atiçando a animosidade entre ambos com a retórica da “luta de classes”. Essa atitude só tende a prejudicar a autonomia que os trabalhadores prezam, sem trazer as proteções que eles precisam.
Os bons companheiros
O Estado de S. Paulo
No momento, o esforço de Lula para socorrer
Fernández vale menos que a nota de 2 mil pesos
As novas notas de 2 mil pesos, em
circulação na Argentina desde a última segunda-feira, evidenciam o desmonte da
economia de um país com reservas internacionais escassas, inflação anual acima
de 100% e déficit público de US$ 453 bilhões. Cada cédula impressa vale pouco
mais de US$ 4 no “dólar blue”, a cotação do mercado paralelo que tem servido
como boia de salvação para os argentinos desesperados em manter o valor de
compra de seus ganhos. O cenário de calamidade econômica e social no país
vizinho é temerário para o Brasil nestes tempos em que o presidente Lula da
Silva não dispõe de recursos para socorrer seu principal sócio e grande aliado
ideológico no Mercosul.
O quadro do país vizinho se agrava diante
da eleição presidencial marcada para 22 de outubro – na qual o candidato de
extrema direita Javier Milei escala nas pesquisas evocando ideias radicais,
como a dolarização – e da baixíssima credibilidade do governo do peronista
Alberto Fernández para tomar novos créditos ou mesmo ter acesso a antecipações
de recursos do FMI.
O risco de resultado eleitoral desfavorável
ao peronismo está estampado na hiperinflação de pré-candidatos à Casa Rosada a
apenas 49 dias das primárias de agosto. Há seis nomes na disputa. A oposição de
centro-direita parece mais coesa em torno do prefeito de Buenos Aires, Horacio
Rodríguez Larreta. Mas é Milei, do Espacio Libertário, quem está no topo de
recente pesquisa de intenções de voto, com 29%. Uma eventual vitória da direita
radical na Argentina certamente causará tumulto na relação com o Brasil de Lula
e animará a direita brasileira, o que explica a aflição do petista.
A crise econômica da Argentina, bem mais
que seu rumo político, tem impacto imediato. Em Hiroshima, no último dia 20,
Lula pediu à diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, “tempo e
compreensão” com os argentinos. Verbalizou, assim, o pedido desesperado que
Fernández lhe fizera no início do mês, em Brasília. O argentino recebeu também
a promessa de criação de uma linha de financiamento para as exportações de
manufaturas brasileiras a seu país – o que evitaria aumento de preços de
produtos finais e paralisia de plantas dependentes de insumos.
Do lado de cá, trata-se de um meio de
garantir às empresas nacionais o retorno financeiro por seus embarques. Mas
chama a atenção o fato de, em vez de valer-se do BNDES, Lula ter optado por
pedir ao banco dos Brics, presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff, um
aporte de recursos como garantia para essa linha de crédito. Para isso, decidiu
despachar a Xangai o seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no momento em
que se negocia o sensível tema do novo arcabouço fiscal. A ideia, parece óbvio,
é poupar o Tesouro Nacional e os fundos governamentais que alimentam o BNDES de
cobrir potenciais calotes de importadores argentinos.
No entanto, o estatuto do banco dos Brics não permite essa operação. Ou seja, mesmo que queira, a companheira Dilma terá dificuldade para ajudar o companheiro Fernández. Isso significa que os esforços de Lula para socorrer a Argentina, por ora, valem tanto quanto a nota de 2 mil pesos.
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