quinta-feira, 25 de maio de 2023

Merval Pereira - Sapos como iguarias

O Globo

Lula está emparedado pelo Congresso e viu ser desmontada a estrutura administrativa que idealizou para cumprir as promessas de campanha

O presidente Lula passa por momentos constrangedores, mesmo quando aparentemente tem sucesso, como agora na aprovação da âncora fiscal. Dizer, como fizeram os ministros Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, e Paulo Pimenta, da Comunicação, que o texto aprovado por ampla maioria corresponde a uma negociação republicana dá quase pena. Interpretar o rolo compressor da Câmara como sinal de que o governo de frente democrática está funcionando é quase uma ironia. O governo, na verdade, não tem força para defender seus pontos de vista diante de uma Câmara empoderada.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguiu aprovar a âncora fiscal e mostrar para os investidores que o governo está interessado em manter o equilíbrio nas contas públicas. Foi inteligente a ponto de negociar com o próprio Lira. Na parte do arcabouço o governo foi muito bem, mesmo cedendo espaços. Quem ficou emparedado mesmo foi Lula, que viu ser desmontada a estrutura administrativa que idealizou para cumprir as promessas de campanha.

A ministra Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas, foi tornada figura simbólica no ministério, pois a demarcação de terras indígenas saiu de sua jurisdição para o Ministério da Justiça. A ministra Marina Silva vê o ministério do Meio Ambiente esvaziado e — mesmo aparentemente vencedora momentânea da queda de braço com a Petrobras na discussão sobre exploração de petróleo na região amazônica — é bombardeada por políticos do Centrão.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já avisou que a figura representativa da política ambiental brasileira é Lula, e não Marina, colocando o presidente em contraponto à ministra do Meio Ambiente. Muito brevemente, Lula terá de encarar essa disputa de espaço entre os desenvolvimentistas que respeitam o equilíbrio ambiental da boca para fora e a estrutura montada por Marina para justamente criar condições de controlar os órgãos técnicos que definem o que é possível fazer sem ameaçar o meio ambiente.

A decisão do Ibama de vetar a exploração de petróleo pelo risco de acidentes nas águas da região amazônica é contestada por políticos que sonham com a riqueza presumível imediata e não se preocupam com o futuro, que não está nos combustíveis fósseis. Marina só aceitou assumir o ministério com a garantia do próprio Lula de que o tema seria prioritário e de que ela teria controle da situação.

É muito grave o movimento que acontece nos bastidores do Congresso para mudar completamente o sentido de Medidas Provisórias do governo Lula. O relator da MP que reestrutura os ministérios mexeu em tudo, esvaziando os ministérios ditos de esquerda, uma mudança radical, interferindo na organização imaginada pelo governo eleito como a melhor para tocar o mandato.

Pode-se não concordar com ela, mas mexer na estrutura do governo eleito é claramente uma tentativa de boicote. Na MP do Carf, há uma discussão. O governo quer voltar a ter o voto de qualidade nos empates. Neste caso, está errado, pois não há nenhuma razão lógica para mudança, a não ser a vontade de arrecadar mais. Também tirar o Coaf da Fazenda e levá-lo para o Banco Central independente não é razoável. É mais uma demonstração de que Arthur Lira e o Centrão querem emparedar o governo.

O governo teve de negociar muito e não deve ter ficado satisfeito com algumas decisões do Congresso, inclusive a redução de gastos do ano que vem, pois estava se preparando para ter sobra de caixa maior, agora cortada. Mas os 372 votos favoráveis são mais de Arthur Lira do que do governo. O Congresso, na verdade, é quem está definindo tudo. O governo tenta se adaptar às novas condições e, para isso, tem de engolir sapos fingindo que aprecia uma iguaria.