quinta-feira, 25 de maio de 2023

Míriam Leitão - Vitória de Haddad e erro do governo

O Globo

Base aliada aprova arcabouço, mas os próprios petistas cravam uma estaca no projeto ambiental e indígena do governo

Foi vitória do ministro Fernando Haddad a aprovação do novo regime fiscal sustentável na Câmara com 372 votos. Haddad fez costura lenta e bem cerzida da parte que lhe cabe nessa grande confusão que ainda não se acertou, que é a base parlamentar. Mas o governo está em apuros, por não saber para onde quer ir. Ontem, a comissão mista aprovou, com votos dos petistas, a demolição de dois ministérios, o do Meio Ambiente e o dos Povos Indígenas. Uma das poucas a lutar pelo projeto governista foi a deputada Célia Xakriabá, do PSOL de Minas. Petistas ajudaram a cravar essa estaca no projeto ambiental e indígena do governo.

Haddad manteve contatos com parlamentares de todas as tendências, acompanhou o relator, neutralizou o fogo amigo, e fez aliança direta com os presidentes das duas casas. Quando Haddad foi indicado a perspectiva era de um rombo de R$ 230 bilhões. Ele prometeu reduzi-lo abaixo de R$ 100 bilhões este ano. Ainda não está garantido, mas hoje já tem a aprovação na Câmara de um limite para as despesas. O ministro se movimenta entre dois fogos. De um lado, a direita, amplificada no mercado financeiro, diz que o arcabouço é frouxo. De outro, a esquerda gostaria de não ter limite algum.

O governo também ganhou nos destaques do arcabouço, mas ontem foi dia de derrota na proposta de organização da administração. Nas palavras de Célia Xakriabá, a comissão mista, ao aprovar o relatório do deputado Isnaldo Bulhões, estava tirando cérebro e coração de dois órgãos conduzidos por mulheres, Sonia Guajajara e Marina Silva. O Ministério dos Povos Indígenas não pode ficar sem o poder de demarcar terras indígenas. O Cadastro Ambiental Rural é instrumento para o Ministério do Meio Ambiente combater o roubo de terra pública, a bagunça fundiária, e o desmatamento. O CAR é estrangeiro ao Ministério da Gestão e Inovação. Essa derrota do governo foi imposta pelos próprios petistas e pela base governista.

No almoço que houve na terça-feira, o senador Rodrigo Pacheco falou em começar a discutir o arcabouço na semana que vem e terminar antes do recesso. O deputado Arthur Lira disse que quer votar a reforma tributária também antes do recesso no dia 13 de julho. Serão portanto 45 dias de intensos trabalhos. Os dois reafirmaram o apoio à Fazenda, mas disseram que isso é diferente de apoio ao governo.

Aliás, neste almoço de terça, de Haddad, Lira, Pacheco e empresários, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ouviu muitas queixas. Foi poupado apenas pelo banqueiro André Esteves e o presidente da Febraban, Isaac Sidney. Empresários ligados ao atual e ao antigo governo criticavam Campos Neto com a mesma intensidade. Na conjuntura, há melhoras. A previsão do Focus para a inflação do ano teve uma queda na última pesquisa para 5,8%. O primeiro trimestre foi de forte crescimento do PIB, como ficará comprovado daqui a uma semana quando o IBGE divulgar o número. O dólar voltou ontem a ficar abaixo de R$ 5. Na economia há avanços, com o arcabouço, e melhora nos indicadores.

O governo, contudo, está enfrentando muito mal uma crise decisiva. O Ministério do Meio Ambiente está perdendo várias das suas atribuições por vingança, porque o Ibama negou licença para a Petrobras perfurar a costa da Amazônia. Em 2018, o Ibama, no governo Temer, negou a licença para cinco blocos da empresa Total, muito próximos a esse bloco 59. Perguntei a técnicos daquela primeira negativa quais foram os motivos. Eles são parecidos com os atuais. Disseram que negaram porque é uma região complexa, o grupo não mostrou que o empreendimento é tecnicamente viável, nem capacidade de mitigar os riscos ou de gerenciar acidentes. Além disso, a biodiversidade local é pouco estudada. O termo “pesquisa” que está sendo usado pelos defensores do projeto não é correto. O termo é perfuração.

Um dos principais projetos internacionais do Ministério da Fazenda é concluir o acordo Mercosul-União Europeia. Com o governo anterior era impossível, por falta de uma política ambiental decente. Agora, a janela se abriu. Mas, se o sistema de meio ambiente não tiver governança, o projeto não vai andar. O risco que o governo corre ao se deslumbrar com o lobby da energia fóssil é não perceber qual é a natureza desse mandato. Ele veio para proteger o meio ambiente e fortalecer os povos indígenas. Não pode trair essa agenda sob risco de perder o rumo.

 

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