O Estado de S. Paulo
A União – ou todos os brasileiros – é acionista controladora de uma empresa de classe internacional. Ficar discutindo seu uso espúrio na política de preços é o retrato da decadência do País
O fato novo dos últimos dias foi o anúncio
da política de preços da Petrobras. Foram muitos os que comemoraram o
abrasileiramento do preço dos combustíveis. Outros tantos denunciaram a volta
ao passado do uso das empresas estatais como muletas da política econômica.
Para romper o enfadonho choque de opostos que tem (des)norteado a vida do País
nos últimos anos, gostaria de pontuar alguns aspectos que podem jogar alguma
luz sobre a questão.
Primeiro, vamos ao fato. Na semana passada, o presidente da empresa anunciou que a política de preços não mais seguiria o modelo de paridade internacional. Política esta que foi adotada em 2016 e previa que preços internacionais do produto e câmbio deveriam balizar os reajustes de preço da companhia. Não é uma fórmula isenta de críticas. Afinal, os custos da Petrobras são em reais, seja nos salários, seja na aquisição de insumos e equipamentos. É verdade que muitos contratos são em moeda estrangeira, mas estes têm prazos de reajuste de vários meses. Eles não estão sujeitos à volatilidade de uma commodity ou ao frenesi do câmbio.
Uma recuperação da história recente do País
é crucial para entender as razões da adoção da política de paridade
internacional. Durante a primeira metade da década passada, a política de
preços de combustíveis foi a não política. Os preços foram tão achatados que o
etanol foi submetido a uma das piores crises de sua existência, uma vez que
este combustível depende de uma certa paridade com a gasolina para ter
condições de rentabilidade.
No contexto em que foi adotada, aquela
política construía um certo horizonte para o investidor em ações da Petrobras e
para as decisões dos agentes econômicos acerca do que certamente é o preço
básico mais importante da economia (tirando os juros, lógico).
Mas algo que é bom numa circunstância não
tem autorização, apenas por isso, para se eternizar. Não há nenhum sentido em
ter uma empresa transferindo, em tempo real, para dentro da estrutura de preços
da economia toda a volatilidade do mercado internacional de commodities e de
câmbio. Se fossem empresas privadas, ainda vá lá. Mas falamos aqui de uma
empresa estatal. E, se há algo positivo em ter uma empresa estatal, é que ela
pode reduzir o grau de incertezas, colocando parâmetros para o funcionamento do
mercado.
No entanto, é preciso ir mais fundo na
avaliação dos últimos anos do setor: não houve nenhum ganho para o País nem
para a Petrobras. A drástica redução do investimento da empresa diante dos
sobrelucros derivados dos picos de preço internacional do petróleo gerou ampla
distribuição de lucros aos acionistas, tanto aos privados quanto à União. Só
isso.
Em verdade, a Política de Paridade
Internacional (PPI) de preços já havia sido destroçada em 2022. No afã de
impedir os prejuízos eleitorais decorrentes da política, a ideia de paridade
ganhou contornos singulares: defasagem da gasolina em 20% e do diesel em 22%,
na última semana de outubro (segundo dados do Centro Brasileiro de
Infraestrutura relativos à semana terminada em 27/10/2023). O preço do GLP
estava inacreditáveis, e inexplicáveis, 38% acima dos preços internacionais. Ou
seja, já não havia política.
Não há, portanto, como deixar de atentar
para o fato de que a Petrobras tem um poder de mercado desmensurado. Qualquer
empresa privada que tivesse tal poder teria de ser submetida a algum tipo de
regulação de preços. Isso não ocorre porque, afinal de contas, trata-se de uma
empresa estatal.
O anúncio da nova política demonstra, desta
forma, bom senso. De um lado, porque não abandona a referência do mercado externo,
mas passa a tomar em conta as condições dos custos e do mercado interno. E,
mais importante, indica que a política da empresa terá um caráter moderador
entre o valor dos estoques de petróleo (a referência do preço internacional) e
a administração de um preço essencial para a economia brasileira.
De ruim restou o fato de que a nova
política de preços é uma carta de princípios sem que a equação esteja posta na
mesa. Não há mais do que este enunciado correto, o que até já é um bom começo.
No entanto, só com o passar dos meses veremos o quanto de realismo será operado
pela Petrobras e pelo governo.
Eu não poderia, no entanto, terminar esta
avaliação sem um pequeno desabafo. A União – ou todos os brasileiros – é
acionista controladora de uma empresa de classe internacional. Ficar discutindo
seu uso espúrio na política de preços é o retrato da decadência do País. Vale
lembrar o quanto a Petrobras foi importante, no século passado, para
desenvolver a indústria brasileira e dar qualidade a prestadores de serviços de
alto valor agregado que tiveram impacto na produtividade do conjunto da
economia.
Apoiar a indústria naval é apenas um
pequeno elemento disso. Agora, os desafios são outros e muito maiores. Nossa
grande empresa de energia tem a obrigação de ser um agente promotor da
transição energética para uma economia verde. O que o País espera é que um
ativo do porte da Petrobras assuma seu papel no Brasil das economias verde e
digital.
*Economista
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