segunda-feira, 17 de julho de 2023

Marcus André Melo* - Reforma tributária nos EUA e no Brasil

Folha de S. Paulo

O sucesso legislativo inesperado de novos arranjos tributários

"Até uma ordem de monges trapistas fez lobby a favor de tratamento tributário especial". Com isso Jeffrey Birnbaum e Alan Murray descrevem o estado do regime tributário americano pré-1986 em "Showdown in Gucci Gulch: lawmakers, lobbyists, and the unlikely triumph of tax reform" (Confronto na Gucci Gulch: parlamentares, lobistas e o triunfo inesperado da reforma tributária). Os autores descrevem o labirinto da mudança que ninguém esperava que fosse aprovada.

Foi a reforma histórica do imposto de renda nos EUA, aprovada no governo Reagan "contra tudo e contra todos". Os lobistas que se reuniam cotidianamente na "Gucci Gulch" —a sala no Congresso onde se instalavam com suas gravatas Gucci— eram totalmente céticos. Foram todos pegos de surpresa. A reforma eliminou milhares de isenções, regimes especiais e deduções que se acumulavam desde 1913, quando o imposto foi criado.

O contexto era de governo dividido: a Câmara dos Deputados era da oposição democrata. Seu presidente, Tip O’Neill, famoso pelo "All politics is local" (toda política é local), reagiu à proposta do governo: "Vocês sabem que esse tema [tributário] é nosso". Os democratas dominavam essa agenda até que Reagan passou a defender menos impostos para todos os americanos, especialmente o "little guy". Propôs a eliminação radical das isenções e deduções, e ampliação da base. E também a redução do número de alíquotas (de cinco para duas) e um corte da mais alta de 50% para 28%. Uma revolução que teve impacto na agenda no plano internacional. As ideias fizeram a diferença (veja como aqui).

A despeito das diferenças marcadas com a reforma brasileira, há algumas semelhanças. A primeira é que o trabalho é fundamentalmente congressual. O presidencialismo nos dois países é radicalmente distinto: nos EUA o Executivo nem sequer pode apresentar projetos de lei. Mas Reagan teve papel mobilizador crucial. A ausência de protagonismo do Executivo aqui não tem precedente em reformas constitucionais, padrão inaugurado com a da Previdência sob Bolsonaro.

O nível de consenso suprapartidário sobre a necessidade da reforma também é alto nos dois casos. E isso ocorreu nos EUA quando as disfuncionalidades sistêmicas se tornaram aberrantes (embora focassem em taxação de renda versus consumo). Quando o apoio à reforma cresceu, "os democratas passaram a querer evitar a culpa pela derrota, e a base republicana a dobrar a aposta na reivindicação do crédito", segundo Birnbaum e Murray.

O papel das lideranças congressuais foi importante. O líder democrata na Câmara, Dan Rostenkowski, leva crédito por conseguir o apoio do partido à reforma, que passou por unanimidade na comissão chave. É irônico que, dez anos depois, ele tenha ido para a cadeia por corrupção.

*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

 

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