Por O Globo com AFP — Jerusalém
Campanha de bombardeio israelense se
intensificou nesta terça-feira, atingindo infraestruturas civis e amplificando
os temores sobre possíveis crimes de guerra
A Organização das Nações Unidas (ONU)
condenou o "cerco
total" anunciado por Israel contra
Gaza, afirmando que a privação de insumos básicos à população civil do
território palestino configura uma violação do direito humanitário
internacional. O posicionamento da ONU, no quarto dia de conflito, chega em um
momento em que as hostilidades continuam em um nível elevado, com Israel
atacando com bombardeios constantes contra alvos que dizem pertencer ao Hamas, enquanto
autoridades de Gaza denunciam ataques a infraestruturas e alvos civis.
"A imposição de cercos que põem em perigo a vida de civis, privando-os de bens essenciais à sua sobrevivência, é proibida pelo direito humanitário internacional", afirmou o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, em um comunicado divulgado à imprensa. “Sabemos, por experiência amarga, que a vingança não é a resposta e, em última análise, os civis inocentes pagam o preço”.
A preocupação de agências das Nações Unidas e
de parte da comunidade internacional com o território palestino aumentou com a
forte ofensiva lançada por Israel em resposta ao ataque terrorista do último
sábado. Bombardeios intensos praticamente bloquearam o espaço aéreo, enquanto
dezenas de milhares de soldados foram convocados e enviados para a fronteira
sul. Na segunda-feira, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, prometeu que nem
energia ou comida seriam autorizados por Israel em Gaza.
— Estamos impondo um cerco total à Gaza. Sem
eletricidade, sem comida, sem água, sem gás, tudo bloqueado — disse Gallant, em
um vídeo. — Estamos lutando contra animais e agimos em conformidade.
Nesta terça, as Forças de Defesa de Israel
(IDF, na sigla em inglês) afirmaram que conseguiram reconquistar todos os
territórios do sul que haviam sido invadidos pelo Hamas, indicando que 1,5 mil
corpos de terroristas foram encontrados no país durante a retomada.
Paralelamente, bombardeios incessantes foram lançados em direção à Gaza,
atingindo infraestruturas vitais para o enclave palestino, como a região
portuária. A destruição de infraestrutura civil é considerada crime de guerra.
Os ataques aéreos ampliaram também a
mortandade. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, um total de 830
pessoas morreram em decorrência dos bombardeios, que praticamente tornaram o
céu do território em um campo minado. Autoridades de saúde palestinas também
denunciaram bombardeios deliberados contra infraestrutura hospitalar, com sete
hospitais sendo atingidos. Cinco médicos teriam sido mortos.
— A ocupação israelita expandiu o seu círculo
de alvos às equipes médicas, às instalações de saúde e às ambulâncias — disse
Ashraf al-Qidra, porta-voz do ministério.
A ONU afirmou que pelo menos dois hospitais e
dois centros geridos pela Crescente Vermelha foram atingidos. Israel diz que os
ataques aéreos contra Gaza miram locais ligados ao Hamas, e acusam os
terroristas do grupo de se esconderem em casas, escolas e hospitais.
A Organização Mundial da Saúde, por sua vez,
apelou pela instalação de um corredor humanitário em Gaza para garantir a
entrada de insumos essenciais à população civil, enquanto diplomatas da União
Europeia e dos países do Golfo, reunidos em Omã, clamaram para que os
financiamentos à Agência das Nações Unidas para Refugiados Palestinos (UNRWA)
não fosse totalmente suspenso em função da guerra.
— A OMS apela pelo fim da violência (...). Um
corredor humanitário é necessário para alcançar pessoas com suprimentos médicos
— destacou o porta-voz da entidade, Tarik Jasarevic.
A escalada de violência também provocou um
forte êxodo palestino. De acordo com o Gabinete das Nações Unidas para a
Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), já são 187,5 mil deslocados
internos na Faixa de Gaza.
— O número de pessoas deslocadas aumentou
consideravelmente na Faixa de Gaza, subindo para mais de 187,5 mil desde
sábado. A maioria está abrigada em escolas da Agência das Nações Unidas de
Assistência aos Refugiados da Palestina no
Próximo Oriente (UNRWA) — disse nesta terça-feira Jens Laerke, porta-voz da
OCHA.
Quatro dias após o ataque terrorista do
Hamas, classificado por Israel como semelhante aos atentados de 11 de setembro
de 2001 nos Estados Unidos, o Exército israelense anunciou que apesar da
retomada do controle das partes no sul, onde havia infiltrados do Hamas, ainda
há o risco de terroristas permanecerem na região.
Cerca de 900 israelenses morreram, incluindo
mais de 100 militares, e mais de 2 mil ficaram feridos nos ataques, de acordo
com um balanço publicado pelo Exército. Só no primeiro dia, os terroristas
mataram por volta de 260 pessoas que participavam de um festival de música
eletrônica perto do enclave palestino, segundo a ONG Zaka, que ajudou nas
operações de recuperação dos corpos.
O Exército israelense também concentra seus
esforços em salvar os mais de 100 cidadãos sequestrados pelo Hamas, de acordo
com o governo, ocorrência sem precedentes na história do país.
— O que aconteceu não tem precedentes em
Israel — reconheceu o primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu.
Segundo as forças israelenses, mil
combatentes deste grupo islâmico extremista participaram da "invasão de
Israel", afirmou um porta-voz na rede social X, antigo Twitter.
"Civis e soldados estão nas mãos do
inimigo, são tempos de guerra", afirmou o chefe do Exército israelense,
general Herzi Halevi.
Netanyahu pediu aos cidadãos de seu país que
se preparassem para uma guerra "longa e difícil" e o Exército
anunciou que removeria todos os habitantes das áreas próximas da Faixa de Gaza.
Em Jerusalém, sirenes de alerta antifoguetes
foram acionadas por volta do meio-dia (6h no horário de Brasília), seguidas
rapidamente por várias explosões, relataram jornalistas da AFP nesta
localidade.
Vários cidadãos de outros países morreram na
ofensiva, alguns com dupla nacionalidade israelense, incluindo 12 tailandeses,
10 nepaleses e quatro americanos. Pelo menos três brasileiros estão
desaparecidos e um, hospitalizado, de acordo com o governo.
— É de longe o pior dia da história de Israel
— declarou o porta-voz do Exército deste país, para o qual o ataque pode ser
"ao mesmo tempo um 11 de Setembro e um [ataque a base militar] Pearl
Harbor".
Jonathan Panikoff, diretor da Iniciativa de
Segurança do Oriente Médio Scowcroft, considera que "Israel foi pego de
surpresa neste ataque sem precedentes", e "muitos israelenses não
entendem como isso pôde acontecer".
'Tudo falhou'
Para Yaakov Shoshani, de 70 anos, morador da
cidade israelense de Sderot, perto da Faixa de Gaza, "todos os sistemas
fracassaram, sejam os serviços de informação, de Inteligência militar, civil,
os sistemas de detecção, a cerca da fronteira, tudo falhou".
O ataque do Hamas também foi condenado por
diversos países ocidentais. Os Estados Unidos começaram a enviar ajuda militar
a Israel no domingo, além de direcionarem seu porta-aviões "USS Gerald
Ford" para o Mediterrâneo.
Nesta segunda-feira, a China condenou
quaisquer "ações que atentem contra os civis" e defendeu um
cessar-fogo. A Rússia e Liga Árabe, que rejeita a violência "de ambos os
lados", disseram que vão trabalhar para "pôr fim ao derramamento de
sangue".
No mesmo dia, a União Europeia (UE) convocou
uma reunião de emergência com seus ministros das Relações Exteriores.
Já o Irã, que mantém relações estreitas com o
Hamas, foi um dos primeiros países a aplaudirem a ofensiva deste grupo
palestino. Rejeitou, no entanto, as acusações de seu papel na operação,
afirmando que são "baseadas em motivos políticos".
Israel, que ocupa a Cisjordânia desde 1967, anexou Jerusalém Oriental e impõe um bloqueio à Gaza desde que o Hamas tomou o poder no enclave em 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário