Correio Braziliense
A agenda identitária, que serviu como refúgio
da esquerda durante o governo Bolsonaro, agora passou a ser a agenda da extrema
direita, com sinal trocado
Quando todas as atenções estão voltadas para
Israel e a Faixa de Gaza, onde acontece uma carnificina, desde o brutal ataque
terrorista do Hamas ao território israelense, as forças conservadoras no
Congresso mantêm a ofensiva contra os direitos das minorias e decisões tomadas
pelo Supremo com objetivo de protegê-las, como aconteceu com a questão do marco
temporal das terras indígenas a partir da Constituição de 1988, rejeitada pela
Corte.
Nesta terça-feira, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) aprovou o relatório do deputado Pastor Eurico (PL-PE), que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O texto prevê, além da proibição, que padres, pastores e líderes religiosos não sejam obrigados a realizar cerimônia de união homoafetiva e que essas uniões sejam asseguradas por um contrato de sociedade. Ou seja, propõe a revogação de decisão já tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com base na Constituição.
É muito provável que o presidente da Comissão
de Constituição e Justiça da Câmara, deputado Rui Falcão (PT-SP), pela qual
deve ser examinada, engavete a proposta. Mas, se a colocar em votação,
provavelmente será aprovada, porque a maioria dos deputados da CCJ também é
conservadora. O que está acontecendo no Congresso é que a extrema direita, sob
liderança do PL, conseguiu se rearticular com as bancadas ruralista, evangélica
e “da bala” para fazer frente ao governo, da agenda econômica aos costumes, mas
é nesta última que está a prioridade. Não é uma coisa fortuita, é uma
estratégia que reflete a articulação da extrema direita mundial.
No Brasil, a demonstração de que se trata de
uma estratégia organizada foi a espetacular vitória dos setores evangélicos e
bolsonaristas nas eleições para os conselhos tutelares em todo o país. A
senadora Damares Alves (PL-DF), evangélica e ex-ministra de Bolsonaro, foi a
grande artífice da articulação. O Conselho Tutelar é um órgão permanente e
autônomo que zela pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.
O analista de rede e professor Sergio
Denicoli, da AP Exata, no último dia 6, em seu Blog no Estadão, chamava a
atenção para o fato de que a questão da proteção às crianças tem conquistado
mais protagonismo. “O tema ganhou impulso a partir de uma nova orquestração que
abarca militância política e guerra cultural, a partir do momento em que a
direita buscou o tema como estratégia para avançar por esferas além da política
partidária.”
Segundo ele, é uma pauta internacional.
Haveria um certo consenso entre conservadores de todo mundo de que a esquerda
domina setores importantes, como universidades e entretenimento. “Incentivada
por esse pensamento, a direita tem investido não apenas na guerra política, mas
também na guerra cultural, criando uma infinidade de canais próprios de difusão
de informação. Isso tem ajudado a consolidar o movimento conservador como algo
identitário. A partir do momento que alguém se identifica como conservador,
passa a receber uma grande infinidade de informações aptas a esse pensamento”,
avalia.
Reação homofóbica
Denicoli chama a atenção para o filme Som da
Liberdade, que teve um financiamento coletivo. A produção aborda a questão do
tráfico de crianças e tem sido indicada nas redes por líderes políticos e
empresariais importantes, como Donald Trump e Elon Musk, respectivamente.
Personalidades, líderes religiosos e políticos identificados com o bolsonarismo
lotaram os cinemas brasileiros de fiéis de diversas igrejas, que se reúnem para
assistir ao filme. O ex-presidente Jair Bolsonaro e sua esposa, Michelle,
fizeram questão de divulgar nas suas redes que assistiram ao filme.
A agenda identitária, que serviu como refúgio
da esquerda durante o governo Bolsonaro, agora passou a ser a agenda da extrema
direita, com sinal trocado. De certa maneira, o sectarismo e uma ingenuidade da
esquerda e dos grupos de equidade de gênero, raça e diversidade facilitam o
trabalho dos conservadores, como no episódio da dancinha erotizada num evento
oficial do SUS. A sigla LGBTQIAP (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais,
queer, interssexual, assexual e pansexual; o mais diz que outras identidades podem
surgir), que resume a revolução de gênero, foi estigmatizada como ameaça `1a
familia, além de aos bons costumes.
A questão central é que a vida e a liberdade
podem ser destruídas, mas não podem ser separadas, como disse Thomas Jefferson,
o principal autor da Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776,
cuja ideia-força moveu a campanha pelos direitos civis liderada por Martin
Luther King Jr nos Estados Unidos: “Todos os homens são iguais. A eles foram
dados direitos inerentes e inalienáveis”.
Devemos ao britânico John Stuart Mill, no seu
famoso Ensaio sobre a liberdade, em meados século XIX, a tese seminal do
liberalismo moderno: a liberdade individual é o alicerce de uma sociedade
saudável. “Sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é
soberano”, sustentou àquela época, em que a noção de democracia estava
associada exclusivamente à vontade do que chamou de “ditadura da maioria”, sem
levar em conta os direitos das minorias. Mill defendia que o princípio da
liberdade individual deveria ser aplicado ao pensamento, às expressões de
opinião e às ações. Quando esse princípio é desrespeitado pela maioria, o que
existe por trás é um projeto político “iliberal”, ou seja, governos
autoritários, apesar de eleitos.
Um comentário:
Eu sou gay,mas aquela sopa de letrinhas parece piada,cada pessoa tem uma sexualidade diferente.
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