O Globo
Ao votar favoravelmente a uma PEC que atinge o STF, Wagner envolveu o governo na crise
Pouco mais de dez meses depois da grande
união dos três Poderes e todos os governadores em resposta aos ataques de 8 de
janeiro, o cenário mudou drasticamente. O que se viu nesta semana, com a
votação, pelo Senado, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para
encabrestar o Supremo Tribunal Federal (STF), com a ajudinha decisiva do líder
do governo, se parece mais com uma rinha entre Poderes. E, nesse cenário, a
democracia é, de novo, a vítima.
Há muito de picuinha pessoal e pouco de cuidado institucional nesse episódio absolutamente dispensável. Rodrigo Pacheco resolveu dar um cavalo de pau na própria imagem, sabe-se lá com que cálculo político, pouco se importando se propiciaria à extrema direita a revanche que há muito deseja contra o Judiciário.
Passou, sem escala, da posição de guardião da
independência entre os Poderes, pelo tempo em que segurou ideias esdrúxulas
como promover o impeachment de ministros do STF, à de patrono de uma PEC que é
flagrantemente uma interferência no andamento de outro Poder.
O governo também passou muitas mensagens
dúbias com sua postura errática nesse episódio. Nas reuniões dos líderes
governistas no Planalto, a ordem era não se meter na briga. Pois o líder do
governo no Senado, Jaques Wagner, não só liberou a bancada, como anunciou que
votaria a favor da PEC limitando decisões monocráticas, pouco se importando com
a constatação óbvia de que seu voto nunca será apenas pessoal enquanto estiver
investido da designação que tem.
Um dia depois da aprovação da PEC, algo que
não teria sido possível sem o movimento do senador baiano, a quinta-feira foi
tomada por tentativas de autópsia do desastre. O próprio Pacheco já demonstrava
certa insegurança quanto à proporção de crise que seu arroubo tomou.
O Planalto passou o dia tentando tirar Lula
do ringue. Como é possível imaginar que alguém com a proximidade que Wagner tem
do presidente fizesse algo dessa importância sem consultá-lo ou ao menos
comunicá-lo? A resposta dos bombeiros sem extintor é: seria justamente a
autossuficiência do senador a explicação.
Se é assim que decisões que dizem respeito à
independência e à harmonia entre os Poderes são tomadas, vai de mal a pior a
República.
Lula parecia que faria da gravidade do 8 de
Janeiro uma oportunidade de isolar a extrema direita, reforçar relações
republicanas dinamitadas por Jair Bolsonaro e, a partir daí, construir uma
governabilidade mais racional. Não foram poucas as vezes em que o presidente e
os comandantes do Congresso enalteceram o papel do Judiciário (STF e TSE) para
salvaguardar o Estado Democrático de Direito.
Na primeira oportunidade concreta, no
entanto, o sinal que o Senado deu, com a mãozinha do governo, foi no sentido
contrário: que era preciso conter o STF e seus arbítrios. O bolsonarismo passou
o dia comemorando a prevalência de uma de suas teses mais caras.
A indignação de ministros do Supremo com o
episódio pode ter graves consequências para a agenda econômica do governo, como
mostra a retirada de pauta do projeto dos precatórios. Além disso, o episódio
dará ao personagem do ano, Arthur Lira, a grande oportunidade de posar como
conciliador-geral da República, segurando a PEC e se contrapondo ao arroubo do
antes moderado Pacheco. Uma vez mais, como tantas neste ano, dependerá do
presidente da Câmara o avanço das matérias de interesse do governo em meio ao bate-boca
de Poderes gerado pela infantilidade geral dos senhores engravatados.
Caso decida mesmo colocar a PEC na gaveta até
o ano que vem, Lira ajudará a acalmar os ânimos e ainda colecionará um crédito
com o STF, o que para ele é sempre importante.
Vai muito mal a democracia quando os freios e
contrapesos necessários para assegurá-la são substituídos pelos caprichos
daqueles que deveriam zelar por ela.
Um comentário:
Verdade.
Postar um comentário