sexta-feira, 24 de novembro de 2023

César Felício - Regime de Recuperação Fiscal pode mudar

Valor Econômico

Rodrigo Pacheco ganha forças para retirar o controle da sucessão estadual das mãos de Zema

É incerto se o acordo de federalização de ativos de Minas Gerais, em grande medida proposto pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), irá resolver a incapacidade do Estado em pagar a sua dívida de R$ 156 bilhões com a União. Sobram dúvidas sobre a extensão da federalização, a avaliação desses ativos, a constitucionalidade dessas transferências, e a compatibilidade desse acordo com o regime de recuperação fiscal (RRF).

A federalização das estatais mineiras precisa vencer obstáculos legais. No caso da Copasa, saneamento não é uma atribuição federal. A Constituição mineira é um complicador em relação à Cemig. O texto atual, que o governador Romeu Zema (Novo) gostaria de mudar, exige referendo para a privatização da estatal de energia elétrica. Essa exigência vale no caso de uma federalização? Há dúvidas no meio político.

Outra dúvida, que já chegou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) é se o acordo proposto por Pacheco não exigiria uma mudança na lei que instituiu o Regime de Recuperação Fiscal, a lei complementar 159. Na visão do deputado Odair Cunha (PT-MG), exige. “Não é possível um acerto específico para Minas Gerais. Vamos precisar mudar o RRF. Poderá ser um Desenrola subnacional”, disse o petista, em uma alusão ao programa de renegociação de pessoas físicas feito pelo Ministério da Fazenda. “Outros Estados também querem fazer dação de ativos em pagamento de dívida”, comentou o deputado Luiz Fernando Faria (PSD-MG), coordenador da bancada mineira, que conversou com Lira sobre o tema. Faria comentou que há movimentações no Rio Grande do Sul, que já aderiu ao RRF, para que se faça uma repactuação que inclua o Banrisul em uma possível federalização.

Para que se sintetize em poucos parágrafos o tamanho do enrosco em que Zema está: as dívidas estaduais foram federalizadas nos anos 90. Minas Gerais deixou de ter capacidade de honrar sua dívida durante a gestão de Fernando Pimentel (PT), antecessor de Zema.

No governo Temer, foi instituído um regime de recuperação fiscal, pelo qual os Estados quebrados ganham alívio na parcela, voltam a ter aval para contrair crédito e assumem compromissos de ajustes fiscal, privatizações sendo uma das ferramentas. Mas é necessário obter a autorização da Assembleia Legislativa local.

Rio Grande do Sul, Goiás e Rio de Janeiro conseguiram essas autorizações e entraram no regime. Já em Minas Gerais Zema não conseguiu articular essa aprovação. Em dezembro do ano passado, no apagar das luzes do governo de Bolsonaro, que teve em Zema um defensor apaixonado de sua reeleição frustrada, o governador mineiro conseguiu arrumar no STF uma liminar, do ministro Nunes Marques, que o autorizou a entrar no regime de forma provisória, ganhando o prazo de um ano para obter a licença. O prazo vence no mês que vem e não há sinais de aprovação no horizonte.

Emparedado, Zema cedeu e já no início do mês começou a mandar sinais de que aceitaria a ajuda de estranhos para que o Estado não voltasse a pagar uma dívida impagável. Mesmo com o acordo anunciado por Pacheco, já aceito por Zema, ainda assim, será necessária a chancela da Assembleia Legislativa dentro de 19 dias, prazo que pode ser inexequível para um acerto com essa nova complexidade.

Para resolver este ponto, a expectativa é que Pacheco volte a agir e faça um apelo a Nunes Marques para que seja dado mais prazo antes de Minas ter que voltar a pagar a dívida. Por uma ironia do destino, o presidente do Senado talvez tenha que ser atendido por uma decisão monocrática de um ministro do Supremo. A nessa quarta-feira pelo Senado da aprovação da PEC 8, que limita decisões monocráticas, deixou Judiciário e Legislativo à beira de um conflito institucional. Clima, portanto, para um apelo dessa natureza teria que ser construído. No momento, não existe.

O que está acima de qualquer dúvida razoável é a constatação de que o futuro eleitoral de Zema tem muitas condicionantes e limitações, já presentes desde sua chegada ao poder, mas que se tornaram óbvias agora. “Poucas vezes se viu um governador ser desnudado em sua capacidade política dessa forma”, comentou um adversário de Zema, o deputado federal Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG).

Ficou claro para os observadores da cena mineira que Pacheco se fortaleceu para retirar o controle da sucessão estadual das mãos de Zema, seja para ele próprio concorrer a governador, seja para cacifar um candidato. Se Zema não controlar a própria sucessão, uma eventual candidatura presidencial para ocupar o vácuo na direita deixado pela inelegibilidade de Bolsonaro torna-se um delírio.

Para um governador do Novo, privatizar é um mantra, uma razão de ser, e, ainda que essa condição não esteja implícita, federalizar ativos significa entregar as estatais à União e sepultar, durante seu governo, a possibilidade de desestatização. É muito evidente o contraste com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que está prestes a conseguir autorização legislativa para vender a Sabesp, a meta-síntese de sua gestão. As montanhas de Minas devem prender Zema dentro do enredo do próprio Estado.

 

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