O Estado de S. Paulo
Brasil tem chance de fazer da Amazônia um hub de inovação verde em escala global, com soluções para diversos segmentos da economia
É inegável que as rotas utilizadas para
alcançar o desenvolvimento, principalmente após a revolução industrial,
implicam riscos para a natureza e o meio ambiente, com impactos diretos à
humanidade. Tornam-se mais frequentes eventos naturais extremos, que acentuam o
sofrimento, sobretudo dos mais vulneráveis.
Segundo o relatório Grounds well, do Banco
Mundial, em razão das mudanças do clima, mais de 200 milhões de pessoas terão
de migrar de seu território até 2050. Deste total, quase metade refere-se a
populações que vivem na África Subsaariana.
Este cenário deixa claro que, se as atuais gerações querem legar um planeta habitável, esse compromisso requer que tenhamos uma atitude mais racional e acolhedora para com a natureza. Conservá-la é fundamental, mas o desafio vai além: exige uma dose extra de ousadia para torná-la uma aliada do modelo de desenvolvimento socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável.
Em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial
2023, o tema mais uma vez ganhou os holofotes. Bancos, seguradoras, entre os
mais diversos setores, além de demonstrarem preocupação com o risco climático,
evidenciaram que fazer a transição verde pode ser um dos motores para a
retomada econômica em escala global. É esperada a criação de milhões de postos
de trabalho com esta nova dinâmica sustentável.
No enfrentamento da crise climática,
necessário e urgente, abre-se uma janela de oportunidades para o Brasil. Dono
da maior floresta tropical do planeta, da maior biodiversidade, detentor de 12%
da água doce do mundo e com uma matriz energética diferenciada, o País reúne
condições para protagonizar esta era sustentável.
É a chance de fazer da Amazônia um hub de
inovação verde em escala global, com soluções para os mais diversos segmentos
da economia, como as indústrias farmacêutica, alimentícia, cosmética, entre
outras. Trata-se de riqueza incalculável, capaz de impulsionar a geração de
emprego e renda para boa parte dos 25 milhões de brasileiras e brasileiros que
vivem na região e estão relegados à pobreza, como exposto no episódio
escandaloso da crise sanitária e humanitária do povo Yanomami.
Há uma lição de casa para que o País
transforme essa potencialidade em oportunidade real, que é o combate às
ilegalidades ambientais. Desmatamento, grilagem, garimpo, queimadas, entre
outros crimes, devem ser coibidos com energia.
Fora do bioma Amazônia, há exemplos da
bioeconomia que também podem inspirar um avanço nacional consistente. O setor
de árvores cultivadas surge como uma das luzes a iluminar este caminho. A
indústria de base florestal vem há anos investindo para fazer uso inteligente
da terra, respeitar a natureza e cuidar das pessoas. Hoje são 9,93 milhões de
hectares em que árvores produtivas são plantadas, colhidas e replantadas, em
áreas comumente antes degradadas.
Também é expressiva a dimensão de áreas de
conservação mantidas por esse setor: são 6,05 milhões de hectares de mata
nativa – área maior do que o Estado do Rio de Janeiro. Presentes em mais de mil
municípios em todo o País, essas operações transformam realidades, levando
dinamismo para regiões afastadas dos principais centros urbanos.
Recentemente, visitei o Projeto Cerrado da
Suzano, em Mato Grosso do Sul, uma megafábrica de celulose totalmente desenhada
para atender aos mais altos padrões de sustentabilidade. As obras já estão
movimentando positivamente Ribas do Rio Pardo e arredores.
Dados da Indústria Brasileira de Árvores
(Ibá) revelam que o setor, como um todo, alcançou faturamento de R$ 244,6
bilhões em 2022. Globalmente competitiva, a indústria de base florestal trouxe
divisas de US$ 14,3 bilhões no mesmo ano. A carteira de investimentos até 2028
soma R$ 53,2 bilhões. Frutos desses aportes, inovações que darão alternativas
para o dia a dia do consumidor, com bioprodutos de origem renovável e
sustentável.
Por exemplo, a nanotecnologia aplicada à
celulose permitirá a fabricação de fios têxteis com menor utilização de água e
químicos. Já a lignina, antes utilizada apenas para geração de energia limpa,
ganhará valor agregado e substituirá insumos de origem fóssil na fabricação de
resinas e concreto, entre outros itens.
Trata-se de modelo de negócio que evidencia
o enorme potencial nacional e que comprova ser viável produzir e conservar.
Temos a capacidade de auxiliar o mundo a superar diferentes desafios. É
possível fornecermos cada vez mais fibras para diversas indústrias se valerem de
materiais sustentáveis, como alternativa àqueles de origem fóssil.
Não podemos esquecer a questão energética,
fundamental para a descarbonização planetária. O Brasil tem sol, vento
constante em diversas regiões e uma importante experiência acumulada com a
biomassa, despontando como um possível fornecedor de energia limpa para o
mundo.
Se em Davos ficou ainda mais clara a
expectativa global por fazer da economia descarbonizada um dos motores a
impulsionar o mundo, o Brasil, com seus ativos ambientais e sua expertise
produtiva em bioeconomia, tem todos os predicados para fazer história e se
posicionar como uma das soluções para garantir não só a vida no planeta, como
também uma humanidade mais justa, com existência mais digna para todos.
*Economista, presidente-executivo da IBÁ, membro do Conselho Consultivo do Renovabr, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)
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