terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Carlos Andreazza - A multiplicação dos facilitadores

O Globo

O governo Lula parece querer se associar ao consórcio parlamentar liderado por Arthur Lira. Talvez não haja mesmo, não agora, alternativa. Ao mesmo tempo, talvez porque não confie nele, trabalha para conquistar para si — independentemente de Lira — parte da bancada de Lira.

É jogada arriscada, que se dá num equilíbrio tenso, em que não faltam desconfiados. Todos têm razão. A tensão faz subir os preços. Os deputados, por óbvio, são os mesmos. Teríamos uma sobreposição de bases. Lira tem uma. O governo quer agradá-lo. Quer também, para si, costela dessa base. A conta é cara e não fecha. Não há costelas para todos. O governo quer uma saída.

O Planalto quer Lira, mas quer também fatia da base de Lira — sem Lira. A sobreposição, projetada no porvir: o Planalto quer Lira já, com o que ganharia tempo, mas quer também, em conquista progressiva, porção da base de Lira, de modo a poder prescindir de Lira.

Não sei se funcionará. Sei que a existência de Lira depende de centralização. Ele define o presidente da Câmara — se define — como um facilitador. O homem faz o trânsito. Para rir, tem de fazer rir. Serviu bem ao estilo Bolsonaro, até porque o ex-presidente desprezava o Parlamento.

Servirá a Lula?

Lira é aquele, informam os jornais, que não pretende fazer oposição, mas que está sempre, informam os jornais, contrariado por algum movimento do governo. O aborrecimento que antecede o afago. Um insatisfeito disposto a satisfazer. Para rir, tem de fazer rir. E assim se vai, ao custo da democracia representativa.

Ao custo da democracia representativa, representa-se. A alegada independência do Progressistas é teatro que de repente se encarece no papel — para Oscar — de um Ciro Nogueira, o ex-ministro de Bolsonaro cuja rara condição de oposicionista qualifica a natureza do partido: independência comercial.

Essa galera não faz política. E não se encorpará a atividade política negociando nos termos como o bolsonarismo transitava no Congresso. O facilitador Lira quer a formalização do arranjo que lhe fez primeiro-ministro durante o governo Bolsonaro. A tensão está contratada. Ou serei otimista?

O governo quer uma saída?

Lula fala que a política voltou. Fala em valorização da atividade política; em combate à criminalização do agente político. O propósito é nobre. Urgente. Os últimos anos foram devastadores para a política. A ver somente se a política poderá ser fortalecida sob adesão do governo ao modo Lira de negociação, elemento decisivo na campanha bolsonarista de corrosão institucional.

Qual a saída?

A ver também o que significará, para Lula, combater a criminalização da política. Há definições para todos os gostos. Jhonatan de Jesus, aprovado na Câmara para Tribunal de Contas da União, apadrinhado por Lira e apoiado também pelo PT, tem uma, conforme relatou aos deputados que o escolheram:

— Deram munição para que [o TCU] fosse utilizado para criminalizar a política. É isso que precisamos combater.

O combatente operará sob a lógica despachante do padrinho. Trabalhará pela agenda de defesa dos interesses do Parlamento. A agenda facilitadora. Contra a criminalização da política.

E aí?

Não terá sido pela valorização da atividade política que Juscelino Filho — elogio e estímulo à lógica distributiva do orçamento secreto — foi nomeado ministro. Ele incorpora a reencarnação daquele sistema. Há quase R$ 10 bilhões desse espólio alocados sob ministérios e amarrados, pela LOA de 2023, ao cumprimento de acordos firmados pelos donos do Congresso.

O próprio caso de Juscelino Filho exige atenção: o governo Lula lhe liberará os milhões restantes em apadrinhamentos para a conclusão do asfaltamento da estrada que serve à fazenda da família?

Juscelino Filho é do União Brasil. O União Brasil são muitos. Há vários partidos ali dentro. Elmar Nascimento é um partido. Alcolumbre, um partido. Bivar, um. Essa multiplicidade produz apoio inalcançável a um governo, mas ilude. A cada votação, uma Codevasf. E, sempre, um apoio instável.

O União Brasil tem três ministérios, mas quer mais. É uma miragem. Oásis inatingível. O Planalto entrega, mas não consolida. Entrega uma Sudene, um FNDE, e então terá feito carinho a um desses alcolumbres — não ao partido. Não haverá segurança. E não haverá superfície que chegue, para oferecer em troca dessa segurança.

Veja-se o caso da Funasa. O governo anunciou, no comecinho de janeiro, o fim do troço, cujas funções seriam absorvidas pelo Ministério das Cidades. Não sei se a medida era boa tecnicamente. Pareceu decisão impessoal. Sei que agora o líder do PT na Câmara clama pela restituição do bicho de modo a contemplar o apetite dos aliados desejados.

É miragem. Mas o cínico, um pessimista, observa o cenário considerando a hipótese de que todos saibam.

  

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