O Globo
Em comício na Paulista, ex-primeira-dama
expôs projeto de dominação pela fé
Enquanto o marido clamava por
anistia aos golpistas, Michelle Bolsonaro usou o comício da Avenida
Paulista para promover outra causa: a supressão do Estado laico.
A ex-primeira-dama abriu o ato do último
domingo, organizado pelo notório pastor Silas Malafaia. Do alto do trio
elétrico, ela citou trechos da Bíblia, distribuiu aleluias e anunciou um
projeto de dominação pela fé.
“Por um bom tempo, fomos negligentes a ponto de dizer que não poderiam misturar política com religião. E o mal ocupou o espaço. Chegou o momento, agora, da libertação”, conclamou. “Nós te amamos, Pai. Nós te amamos e te pedimos que o Senhor estabeleça o seu reino no Brasil”, prosseguiu.
Em tom messiânico, Michelle descreveu os
seguidores de Bolsonaro como um “exército de Deus”. “Somos um povo de bem, que
defende valores e princípios cristãos”, discursou. Em 15 minutos, ela citou
Deus 38 vezes — sem contar 30 menções ao Senhor, quatro ao Pai e três a Jesus
Cristo.
“Nós abençoamos o Brasil. Nós abençoamos
Israel. Em nome de Jesus, amém!”, exaltou, como se comandasse num culto
evangélico. “Glória a Deus! Aleluias! Deus é bom! Deus é maravilhoso!”,
empolgou-se, dando pulinhos no palanque.
A ex-primeira-dama usava camiseta
verde-amarela com o desenho da bandeira. No lugar do lema “Ordem e progresso”,
lia-se a convocação “Ore pelo Brasil”. Não é preciso ter Ph.D. em semiótica
para captar a mensagem.
A julgar pela pregação de Michelle, Deus
tomou partido na polarização brasileira. “Meu marido foi escolhido”, garantiu a
senhora. Ela descreveu a eleição de Bolsonaro como uma providência divina para
salvar o país. “Aprouve Deus nos colocar na Presidência”, discursou.
O Brasil d/separou Igreja e Estado ao
proclamar a República, em 1889. Passados 135 anos, a ex-primeira-dama lança as
bases de uma teocracia tropical. O ex-presidente já havia usado o nome de Deus
ao registrar a coligação no TSE. Agora sua mulher investe abertamente contra a
laicidade estatal.
A cruzada de Michelle tem um propósito claro:
aumentar a adesão do eleitorado religioso ao projeto político da família. Com o
capitão inelegível, ela também aproveita para se insinuar como opção para 2026.
Imunidade abençoada
Se só os evangélicos votassem, Bolsonaro
teria sido reeleito com folga em 2022. Bateria Lula por 69% a 31%, segundo o
último Datafolha.
Além de empunhar bandeiras ultraconservadoras
e de indicar um pastor ao STF, o capitão ofereceu um pacote de benesses para
fidelizar as grandes denominações. Perdoou dívidas fiscais, renovou concessões
de TV e abasteceu emissoras religiosas com verbas de propaganda.
Ansioso para se aproximar dos evangélicos, o
atual governo começa a flertar com a mesma tática de cooptação. Nesta terça, a
Câmara abriu caminho para ampliar ainda mais a imunidade tributária das
igrejas.
Apresentada pelo bispo Marcelo Crivella, a
proposta passou por unanimidade numa comissão especial. Apesar do prejuízo aos
cofres públicos, foi aprovada com a bênção do Planalto.
2 comentários:
É bem isto. E que Deus nos salve desta gente...
Onde já se viu!
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